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Possibilidade de manifestação de terceiros, nos recursos

CAPÍTULO 4 – JULGAMENTO DE RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS

4.2 PROCEDIMENTO DO JULGAMENTO DE RECURSOS ESPECIAIS

4.2.5 Possibilidade de manifestação de terceiros, nos recursos

O título em epígrafe tem redação idêntica à daquele trabalhado na seção 2.6 do Capítulo 1 deste estudo. Naquele momento, nossas atenções voltavam-se às nuances do § 7º do art. 543-A do CPC. Agora, deitaremos olhares sobre o § 4º do art. 543-C do mesmo código. Lá, cuidamos da abertura do procedimento de análise da repercussão geral. Aqui, faremos algo semelhante nos limites do procedimento de julgamento de recursos especiais repetitivos.

Nos dois palcos, o ator principal é o mesmo: o amicus curiae. São os mesmos também os atores coadjuvantes: as partes dos processos que, sobrestados na origem, aguardam a solução dos tribunais superiores para os casos selecionados.

Abertas as cortinas, ambas as peças desfilam o mesmo prelúdio: a abertura do procedimento como condição necessária ao preenchimento do déficit democrático inerente aos mecanismos de objetivação do processo.

O espectador, nesse momento, pensa assistir a duas tramas idênticas. Os roteiros, todavia, são distintos. É como se o segundo fosse um aperfeiçoamento do primeiro. Mais rico, com variações e maior afluência, surpreende aquele que imaginava tratar-se da mesma peça. Ao final, veremos desfechos semelhantes. Mas os desvãos do primeiro escrito exigirão bem mais do espectador, convertido já em hermeneuta, do que o segundo, cuja redação leve e rica aponta com mais nitidez para o derradeiro fim.

Como os espetáculos estão, provisoriamente, sob nossa direção, não demoraremos na mecânica repetição do idêntico prelúdio. Basta reafirmar aqui, resumidamente, que decisões coletivizadas são exigência do mundo moderno.

264 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. QO no Ag 1.154.599-SP. Relator Min. Cesar Asfor Rocha. Brasília-DF. Julgamento em: 16.02.2011. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 14 mar. 2011.

Dinâmicas e equânimes por um lado, dificultam a expressão individual e tendem a obstaculizar a participação dos envolvidos na formação da vontade governamental: executiva, judiciária, legislativa.

Os mecanismos de objetivação do processo buscam essa modalidade de decisão, com as mesmas virtudes e vicissitudes. Para que essas não superem aquelas, a abertura do procedimento tem sido o meio eleito pelo legislador e pela doutrina para que a equação final reste favorável e caiba nos limites do nosso

modelo constitucional de processo civil.

Superado o introito, o roteiro do art. 543-C, § 4º, do CPC toma rumos realmente distintos dos trilhados pelo art. 543-A, § 6º.

De início, é preciso verificar que, pela letra da lei265, a manifestação de terceiros em sede de recurso extraordinário é admitida tão somente na análise da repercussão geral dos recursos selecionados. A repercussão geral é requisito de admissibilidade daqueles recursos. A redação do § 6º do art. 543-A não alcança o juízo de mérito.266

O mecanismo de julgamento de recursos especiais repetitivos não refere o juízo de admissibilidade desses recursos. Não se cria aí qualquer novo requisito de admissibilidade. A análise é atinente somente ao mérito. Talvez por isso, o § 4º permita a manifestação de terceiros sem restrições procedimentais.

Fica assim isolada a primeira diferença entre os dois institutos: no caso do recurso extraordinário, a manifestação de terceiros só está prevista para o momento de aferição da repercussão geral.

No Capítulo 1, entendemos que tal possibilidade também alcança o mérito dos recursos extraordinários selecionados. Essa conclusão, todavia, demandou construção hermenêutica nada óbvia. Para os recursos especiais, a lei prevê a manifestação de terceiros para o julgamento do mérito dos recursos selecionados, trazendo assim, em sua gramática literal, todo o necessário para melhor rendimento do instituto.

265 “§ 6º O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. [grifos nossos].”

266 No estudo que fizemos no Capítulo 1, concluímos que a manifestação de terceiros deve ser estendida à análise do mérito.

Há ainda outra fundamental distinção: é fácil perceber que, enquanto o § 6º do art. 543-A refere-se a manifestação de terceiros, o § 4º do art. 543-C permite

manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.

Nesse ponto fica bem claro o aperfeiçoamento redacional do segundo dispositivo em relação ao primeiro. Lá, a norma refere genericamente terceiros e não especifica o motivo da intervenção. Aqui, delineia-se esse grupo, composto por

pessoas, órgãos e entidades, especificando também o motivo de sua intervenção,

qual seja, o interesse na controvérsia.

Era de se esperar que, devido à economia verbal da norma, o RISTF, ao regular a repercussão geral, dispusesse de maneira mais detalhada a respeito. Não o fez, limitando-se nesse ponto a praticamente repetir os termos legais267

No seio do STJ, a Resolução nº 8, ao dispor sobre o assunto também não foi muito além dos termos legais268. Ocorre que, aqui, a lei já é relativamente clara.

Interessa-nos agora estudar especificamente esse grupo de interessados referido no § 4º do art. 543-C e no art. 3º, I, da Resolução nº 8 do STJ. A intervenção de seus vários membros não ostenta a mesma natureza. Veremos que todos poderão intervir, mas somente alguns poderão fazê-lo a título de amici curiae.

A norma legal aponta para a possibilidade de intervenção de pessoas,

órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.

A doutrina em geral homogeiniza todas as possibilidades de intervenção dos terceiros relacionados no dispositivo, como casos de intervenção de amicus

curiae, referindo tal possibilidade, de maneira ampla, àqueles que detenham

interesse no julgamento do recurso paradigma. Tal interesse é visto por alguns como sendo qualquer interesse269, ou ainda o interesse decorrente do fato de ser o

267

“Art. 323. [...] § 2º Mediante decisão irrecorrível, poderá o Relator admitir de ofício ou a requerimento, em prazo que fixar, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, sobre a questão da repercussão geral.”

268

“Art. 3º. Antes do julgamento do recurso, o Relator:

I – poderá solicitar informações aos tribunais estaduais ou federais a respeito da controvérsia e autorizar, ante a relevância da matéria, a manifestação escrita de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, a serem prestadas no prazo de quinze dias.”

269 “Trata-se da intervenção do amicus curiae, cuja presença se justifica pela multiplicidade de interessados na tese a ser definida pelo STJ e pela repercussão que o julgado virá a ter sobre os recursos de estranhos à causa a ser decidida como paradigma. Sindicatos, associações, órgãos públicos e até pessoas físicas ou jurídicas privadas poderão habilitar-se como amicus curiae, desde que demonstrem algum interesse no julgamento do especial submetido ao regime do art. 543-C. O interesse, aqui, não é jurídico em sentido técnico. A intervenção se justifica à base de qualquer interesse, inclusive o econômico, o moral, o social, o político, desde que sério e relevante”. THEODORO JUNIOR, Humberto. Recurso especial e o novo artigo 543-C do Código de Processo Civil (Lei nº 11.672, de 08.05.08). Revista Magister de Direito Civil e Direito Processual Civil, p. 33.

terceiro titular de pretensão fundada na mesma tese jurídica270, ou interesse decorrente da representatividade social do postulante271, chegando mesmo a ser equiparado ao interesse do legitimado extraordinário coletivo272.

Quase todos os autores, no entanto, conferem a possibilidade interventiva, na condição de amici curiae, àqueles que são partes nos feitos sobrestados na origem273.

É curioso que, apesar de os autores discordarem bastante a respeito do teor do interesse que justifica a intervenção com base no § 4º do art 543-C, todos, em uníssono, concordem que, em todos os casos, o interveniente, seja ele quem for, atua no papel de amicus curiae.

Já, quando tratamos da possibilidade interventiva descrita no art. 543-A, § 6º, atentamos para a nítida diferença de teor entre o interesse de terceiros que tenham representatividade adequada e daqueles que sejam partes nos feitos sobrestados na origem.

270

“Trata-se, sem dúvida, da participação de terceiros, no julgamento do recurso especial, na qualidade de amicus curiae [...] devem demonstrar não um „interesse na controvérsia‟, que eles não têm, mas um interesse „no resultado do julgamento‟, que têm, por serem titulares de pretensões materiais deduzidas com fundamento na mesma tese jurídica [...] o que ocorrerá, por exemplo, quando o seu recurso especial tiver ficado suspenso por decisão do órgão competente do tribunal de origem [...]. [grifos nossos]” CARREIRA ALVIM, J.E. Recursos especiais repetitivos: mais uma tentativa de desobstruir os tribunais Revista de Processo. São Paulo, RT, n. 162, agosto 2008. p. 178. 271

“É o interesse geral, indireto, daqueles sujeitos que „representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais‟ (STF, Plenário, AgRg ADIN 2130-3-SC, rel. Min Celso de Mello, j. 03.10.2001) [grifos nossos]”. RODRIGUES NETO, Nelson. Análise crítica do julgamento „por atacado‟ no STJ (Lei 11.672/2008 sobre recursos especiais repetitivos. Revista de Processo. São Paulo, RT, n. 163, set./2008. p. 240.

272“[...] é de se esperar que o STJ se alinhe à tendência que vem sendo observada no STF e venha a admitir a intervenção do chamado „legitimado extraordinário coletivo‟, ou seja, daquele que poderia ajuizar ação coletiva sobre o tema, sendo muito pouco provável que se admita a intervenção de qualquer jurisdicionado, o que poderia trazer tumulto à tramitação processual”. MARTINS, Samir José Caetano. O julgamento dos recursos especiais repetitivos (Lei 11.672/2008), p. 126.

273 Também tratando o caso como sendo sempre de intervenção do amicus curiae, Luis Rodrigues Wambier e Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos, anotam: “[...] uma vez que a lei não estabeleceu – e nem mesmo a resolução – requisitos objetivos para a participação de terceiros, pensamos que poderão intervir aqueles que demonstrarem ser parte no processo cujos recursos ficaram suspensos, pois poderão contribuir com outros subsídios para a solução da controvérsia”. (Sobre a repercussão geral e os recursos especiais repetitivos, e seus reflexos nos processos coletivos. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. São Paulo, Magister, n. 32, julho/agosto 2009. p. 35.

Concordando com a qualificação do interventor como sendo amicus curiae, mas discordando da possibilidade de intervenção daqueles que são partes nos feitos sobrestados, Nelson Rodrigues Neto expõe: “O § 4º do art. 543-C, prevê a possibilidade de intervenção de amici curiae no julgamento do recurso especial paradigmático. [...] Ora, têm interesse na controvérsia todos os sujeitos que interpuseram recursos especiais, os quais se encontram sobrestados. De tal sorte, é de se indagar: podem eles intervir como amici curiae? Parece-nos que essa não é a melhor solução, já que o que se pretende é imprimir celeridade e conferir segurança jurídica ao processo com esse método de solução, por atacado, do conflito de interesses [...]” [grifos nossos]. WAMBIER, Luis Rodrigues; VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa de. Sobre a repercussão geral e os recursos especiais repetitivos, e seus reflexos nos processos coletivos, p. 240.

O interesse de grupos, entidades ou associações dotadas de

representatividade adequada é, antes de tudo, um interesse institucional,

transcendente, público, diferente do interesse jurídico clássico, de cunho nitidamente individualista274.

Nas tradicionais modalidades interventivas, o terceiro participa do processo para influenciar a decisão final, que potencialmente afetará a sua esfera jurídica. Ao fazê-lo, vincula-se de forma mais ou menos forte ao que ficou lá decidido275.

O amicus curiae, ao revés, não intervém porque sofrerá influxos diretos da decisão judicial. Sua voz, já o dissemos, é um alarido, um feixe das múltiplas vozesdispersaspelasociedade. Intervém como instrumento de democracia

participativa, de modo a diminuir o indesejável déficit democrático dos mecanismos

de objetivação do processo, ou dos processos objetivos276.

Tais caracteres só podem ser atribuídos à intervenção – permitida pelo relator dos recursos especiais selecionados – daqueles órgãos ou entidades cujos objetivos, estrutura interna e abrangência social os qualifiquem como verdadeiros dínamos de interesses de grupos, classes ou outros segmentos sociais relacionados com a questão jurídica a ser decidida.

Com isso não pretendemos afirmar a impossibilidade de intervenção daqueles que sejam partes nos feitos sobrestados. Pensamos que podem intervir para aduzir novos argumentos por escrito. Não assumem, todavia, a condição de

amicus curiae.

Como já aduzimos no trato do tema no âmbito da análise por amostragem da repercussão geral, os motivos e os objetivos da intervenção de quem é parte nos feitos sobrestados desautorizam por completo sua classificação como amicus curiae.

274

“O interesse institucional também é interesse público. E o é justamente porque transcende ao interesse individual de cada uma das partes litigantes e, o que para nós é mais saliente, porque transcende ao próprio „interesse‟ eventualmente titularizado pelo próprio aminus curiae” BUENO, Cássio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático, p. 503.

275

“Outra diferença crucial entre a intervenção de terceiros em geral e o amicus curiae reside nos efeitos do julgamento e da autoridade da coisa julgada sobre os terceiros [...]. O amicus curiae não se sujeita a esta peculiar preclusão resultante da coisa julgada, podendo livremente discutir a matéria que motivou sua intervenção em outros processos”. CABRAL, Antônio do Passo. Pelas asas de Hermes: a intervenção do „amicus curiae‟, um terceiro especial. Uma análise dos institutos interventivos similares – O „amicus‟ e o Vertreter des öffentlichen Interesses. Revista de Processo. São Paulo, RT, n. 117, outubro 2004. p. 20.

276

“E a reboque deste movimento de publicização deve ser interpretado o amicus curiae como um instrumento de democracia participativa, desvinculado da figura das partes”. CABRAL, Antônio do Passo. Pelas asas de Hermes: a intervenção do „amicus curiae‟, um terceiro especial, p. 26.

É que a razão de ser dessa intervenção é a forte repercussão jurídica que a decisão do STJ terá nos feitos sobrestados e, naturalmente, na esfera jurídica daqueles que são partes nesses feitos. O interesse desses terceiros é, portanto, nitidamente jurídico, no sentido clássico. Sua intervenção tem o único objetivo de convencer o órgão julgador a adotar a tese que mais lhes interessa. O cunho individualista aqui resplandece em tons fortes e difere de tudo o que refere ao interesse do amicus curiae.

Os poucos autores que defendem a impossibilidade de as partes intervirem, estão fundamentados em razões de ordem prática, ou seja, o aparente tumulto processual criado por um afluxo demasiado de manifestações escritas, boicotando-se assim os primeiros objetivos da lei277.

Não negamos o risco. Mas pensamos que se deva corrê-lo. Ao menos nesse momento de virada, em que deixamos para traz tradicionais premissas da civil

law e passamos a adotar mecanismos do common law para os quais não estamos

habituados. Só o tempo criará as condições adequadas para que se deem as devidas adaptações das leis e da jurisprudência. Até lá, não podemos nos dar ao luxo de colocar na berlinda garantias nucleares do modelo constitucional de direito processualcivil.

As inovações e os benefícios trazidos pelos mecanismos de objetivação do processo trazem para operadores do direito e jurisdicionados um clarão de

novidades. Se antes tateávamos no escuro, agora estamos ainda enceguecidos por

essa luz que nos vasa as retinas. Portanto, é preciso esperar, ver operar os novos mecanismos,aferir-lhes o custo-benefício e adequá-los à nossa realidade. Só depois, se for o caso, poderemos potencializar-lhes os efeitos abrindo mão da postura mais conservadora.

Os argumentos destinados a impedir a intervenção das partes dos feitos sobrestados são, como vimos, de ordem pragmática, já que estão orientados à eficiência da prestação jurisdicional. Os nossos argumentos são pela possibilidade dessa intervenção, mas, ao final, também têm forte teor pragmático. Nosso pragmatismo, no entanto, sem minar os objetivos da lei, está ordenado à

277 RODRIGUES NETO, Nelson.

Análise crítica do julgamento „por atacado‟ no STJ (Lei 11.672/2008 sobre recursos especiais repetitivos. Revista de Processo, p. 240. TAVARES JUNIOR, Homero Francisco. Recursos especiais repetitivos: aspectos da Lei 11.672/2008 e da Res. 8/2008 do STJ, p. 198.

preservação do princípio democrático, sem o qual não há falar em Estado de Direito e, portanto, pensamos que deva prevalecer.