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Incidência da decisão de mérito do STF nos recursos sobrestados

CAPÍTULO 1 – ANÁLISE POR AMOSTRAGEM DA REPERCUSSÃO GERAL

1.2 O PROCEDIMENTO DA ANÁLISE “POR AMOSTRAGEM” DA

1.2.5 Incidência da decisão de mérito do STF nos recursos sobrestados

Aferida a existência de repercussão geral nos recursos selecionados, o STF julgar-lhes-á o mérito. Os recursos repetitivos, sobrestados na origem, aguardam não apenas o aferimento da repercussão geral, mas também, no caso de sua presença, o julgamento do mérito dos recursos selecionados. A apreciação feita pelo STF da questão de direito naqueles recursos poderá repercutir diretamente nos feitos sobrestados, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 543-B do CPC.

Da rasa leitura dos dispositivos vê-se que a incidência da decisão do STF não é obrigatória, vinculante, pois, nos termos do § 3º, “julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se”. O seguinte determina que: “Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada”. Destarte, caso o resultado final obtido no STF infirme o que fora sufragado na instância inferior, poderá haver a retratação ou a manutenção da decisão.

Mesmo em caso de manutenção, pode-se dizer que, posto que não seja vinculativa, a decisão do STF sempre afeta de algum modo a decisão do órgão de origem, ainda que em sede recursal. É que, mantida a decisão, o Supremo pode das decisões judiciais por recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso extraordinário, recurso especial e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? p. 310.

cassar ou reformar liminarmente o acórdão contrário à orientação firmada. É nesse sentido o art. 21, § 1º do RISTF.70 A possibilidade de julgamento liminar e monocrático do recurso extraordinário, nesse caso, não deixa de ser um influxo remoto da anterior decisão do STF.

Note-se que havendo incidência sobre os recursos sobrestados (que como dissemos não é automática) do decidido nos recursos selecionados, não se decalca daí que em todos os casos haverá retratação. É possível que os recursos repetitivos estejam dispersos pelos diversos órgãos fracionários da instância a quo, e que haja aí entendimentos divergentes. Assim, adotada a tese acolhida no STF, poderá haver, de um lado, declaração de prejuízo de alguns recursos extraordinários e, de outro, retratação de posicionamento, conforme o acórdão recorrido tenha ido ao encontro ou de encontro ao posicionamento final da Corte Suprema.

O contraste entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito no procedimento do art. 543-B do CPC realça o caráter vinculante apenas do primeiro (no que pertine à inadmissibilidade do recurso por ausência de repercussão geral).

A propósito, é de se perquirir se a lei poderia ter estabelecido vinculação também para o juízo de mérito.

Parece-nos que não. É que o atrelamento acima apontado decorre do fato de que, por expressa disposição constitucional, é de competência exclusiva do STF o juízo acerca da ausência de repercussão geral. O caráter vinculante dessa decisão para os recursos sobrestados na origem é, portanto, mera projeção da disposição constitucional. A lei sequer poderia ter estabelecido de maneira diferente.

No que concerne ao mérito, há silêncio constitucional a respeito. Ora, em todos os casos em que a Constituição Federal quis conferir caráter vinculante a decisões do STF o fez expressamente, como no caso das ações diretas e da súmula vinculante e mesmo para o juízo de inadmissibilidade de recurso extraordinário por falta de repercussão geral71. Jamais o efeito vinculante decorreu de disposição legal sem anteparo em norma constitucional. Norma infraconstitucional assim desassistida

70“§ 1°. Poderá o(a) Relator(a) negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou contrário à jurisprudência dominante ou à Súmula do Tribunal, deles não conhecer em caso de incompetência manifesta, encaminhando os autos ao órgão que repute competente, bem como cassar ou reformar, liminarmente, acórdão contrário à orientação firmada nos termos do art. 543-B do Código de Processo Civil.”

chocar-se-ia com dispositivos constitucionais importantes72. Portanto, para que o juízo de mérito em questão tivesse efeito vinculante, o poder constituinte reformador necessitaria preencher o silêncio com palavras cristalinas nesse sentido.

Para nós, os reflexos da decisão do STF sobre os recursos sobrestados representam a “objetivação do processo” e, consequentemente, a “objetivação” do recurso extraordinário, elevadas a potência extrema73. É aqui que se radicaliza a descontextualização da lide74. O STF “isola” e julga a questão de direito. Os reflexos dessa decisão nos órgãos inferiores só são possíveis a partir da “abstrativização” dos feitos sobrestados, como se a questão fática presente em cada um deles simplesmente não existisse em suas peculiaridades75. O legislador, com isso, dá relevo aos valores “segurança” e “previsibilidade”, tratando de maneira idêntica conflitos semelhantes. Há evidente refração no caráter “subjetivo” da atividade jurisdicional76. De outro lado, põe-se em caixa alta um dos maiores escopos da jurisdição, qual seja, a busca da pacificação social, aqui pelo tratamento célere e igualitário de relações jurídicas idênticas.

Saber se é vantajosa e constitucionalmente viável a equação segundo a qual em determinados casos a questão de direito deve atrair a atenção do julgador em total detrimento da questão fática é tema que será iluminado aos poucos, nos itens que seguem abaixo.

72 Especificamente todos os dispositivos sobre a competência dos demais órgãos do Poder Judiciário. É que a Constituição, em diversos artigos, dispõe o que cabe a cada órgão jurisdicional “julgar” (p. ex., arts. 108, 109, 114, 124). Julgar é apreciar por inteiro. Havendo decisão vinculante sobre determinado tema, o órgão competente deixa de exercer em sua inteireza a atividade de “julgamento”, limitando-se assim a abrangência daqueles dispositivos. Somente emenda à Constituição teria potência para tanto.

73

“Trata-se de consequência da objetivação do recurso extraordinário, paulatinamente mais afeiçoado ao controle de constitucionalidade”. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil, comentado artigo por artigo. São Paulo: RT, 2008. p. 570.

74 A agressivida

de deste modelo não passou despercebida a Araken de Assis: “É no caso de provimento do (s) recurso (s) selecionado (s), porém, que o art. 543-B, § 3º, radicaliza na solução”. (Manual dos recursos, p. 754.)

75 Rigorosamente, não é possível falar-

se em “questão exclusivamente de direito” ou em “questão exclusivamente fática” no âmbito da atividade jurisdicional. É que o direito existe em razão dos fatos e tudo ocorre por conta do fenômeno da incidência da norma sobre seu “suporte fático”. Vemos assim, em Pontes de Miranda, que: “A regra jurídica é norma com que o homem, ao querer subordinar os fatos a certa ordem e a certa previsibilidade, procurou distribuir os bens da vida. Há o fato de legislar, que é editar a regra jurídica; há o fato de existir, despregada do legislador, a regra jurídica; há o fato de incidir, sempre que ocorra o que ela prevê e regula. O que é por ela previsto e sobre o qual ela incide é o suporte fático, conceito da mais alta relevância para as exposições e as investigações científicas [grifos nossos]. (Tratado de direito privado, p. 3.) No mesmo sentido e em exposição bastante completa e elucidativa, a qual retornaremos mais à frente, conferir ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória. São Paulo: RT, 2002. p. 153-165, principalmente a página 154.

76

1.2.6 Possibilidade de manifestação, nos recursos selecionados, daqueles que