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O ART 285-A DO CPC E A POSSIBILIDADE DE PROLAÇÃO DE

CAPÍTULO 2 – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA SEM CITAÇÃO

2.3 O ART 285-A DO CPC E A POSSIBILIDADE DE PROLAÇÃO DE

A possibilidade de prolação de sentença parcial é tema polêmico que suscita ricos debates entre nossos expoentes doutrinários. Até o ano de 2002, não foram muitos os autores que se dispuseram a debruçar sobre o tema no Brasil. Todavia, com a edição da Lei nº 10.444, de 7 de maio de 2002, que, entre outras mudanças, acrescentou o § 6º ao art. 273 do CPC, reacendeu-se a chama da discussão. As discordâncias giram em torno de o referido dispositivo – que permite a antecipação dos efeitos da tutela da parte incontroversa do pedido – ser interpretado de modo a ensejar mais do que a antecipação dos efeitos da tutela, o próprio julgamento antecipado parcial da lide (art. 330, I, CPC).

Ocorreu-nos que o art. 285-A do CPC pode conduzir à mesma discussão. É que o dispositivo permite o julgamento de improcedência do pedido que repete com seus termos, aplicando a regra do art. 285-A do CPC. Assim o juiz substituto poderá usar a sentença proferida pelo juiz titular da vara, como ambos poderão usar as sentenças paradigmas proferidas por juízes substitutos ou titulares de outras varas, desde que pertencentes à mesma comarca ou à mesma subseção judiciária.” (A resolução antecipada do mérito em ações repetitivas, p. 35.)

134 SENTENÇA - Julgamento "in Iimine" - ação julgada, improcedente - Aplicação do art. 285-A do CPC - Descumprimento dos requisitos legais? Sentença que não traz reproduzido o texto da decisão anterior proferida pelo mesmo Magistrado - Sentença anulada - Recurso provido. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação 7213316900 13ª Câmara de Direito Privado. São Paulo-SP. Disponível em: <http://www.tjsp.gov.br>. Acesso em: 25 fev. 2011.)

APELAÇÃO CIVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. JULGAMENTO IN LIMINE. INTELIGÊNCIA DO ART. 285-A DO CPC. Caso em que o ato judicial recorrido não fez qualquer referência à sentença paradigmática, o que implica não-atendimento dos requisitos do

artigo 285-A do CPC. PRELIMINAR ACOLHIDA. APELO PREJUDICADO QUANTO AO MÉRITO.

SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. – (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 70021723069 14ª Câmara Cível. Relator Porto Alegre-RS. Disponível em: <http://www.tjrs.gov.br>. Acesso em: 25 fev. 2011.)

“tese idêntica” já julgada totalmente improcedente adrede, presentes os demais requisitos acima visitados.

Pois bem. O que dizer da ação que cumula pedidos, sendo que um deles repisa tese já rejeitada em casos idênticos pelo “juízo”? Autorizar-se-ia a prolação de “sentença parcial” na forma do art. 285-A do CPC para que, de plano, o pedido seja rejeitado, prosseguindo o feito com a citação do réu para apreciação do pedido restante?

A dimensão do presente trabalho não nos permite demorar na apreciação de todos os argumentos pró e contra a prolação de sentença parcial. Todavia, tomaremos aqueles que, entre todos, parecem calhar bem às novas possibilidades criadas pelo art. 285-A do CPC, bem como às exigências constitucionais relativas ao processo.

A chamada “cumulação objetiva” vem prevista no art. 292 do CPC, cujo

caput dispensa a necessidade de conexão entre os pedidos. Basta tenha o autor a

possibilidade de demandar mais de uma vez contra o mesmo réu (porque entre eles há mais de uma pretensão resistida), e poderá cumular suas pretensões num único processo135.

Dessas considerações, exsurge clara a constatação de que a não admissão da prolação de sentença liminar parcial, para além de frustrar parte das potencialidades do art. 285-A do CPC, embota também as vantagens decorrentes da cumulação de pedidos. É dizer: propostas duas ações em separado, o Estado-juiz, assoberbado por dois processos, poderá dar solução imediata para aquele que repete tese jurídica na forma do art. 285-A do CPC. Todavia, caso o autor opte pela racional cumulação objetiva de pedidos, estará o Estado adstrito a deixar de solucionar uma das lides para seguir com o feito até que seja possível a solução das duas demandas cumuladas. Desperdício de tempo e de recursos para todos.

Ao analisar o art. 273, § 6º, do CPC, aduz a melhor doutrina que, mais do que nova hipótese de antecipação de tutela, o dispositivo traz técnica de desmembramento de pedidos cumulados, ou de parcela deles136.

135 “A fórmula empregada pelo art. 292, ao dispensar a conexão como requisito de admissibilidade, tem por escopo evitar a proliferação de demandas entre as mesmas partes, propiciando economia de tempo e de dinheiro e, dessa forma, colaborando para a realização do princípio de acesso à justiça”. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. Processo de conhecimento. 7. ed. São Paulo: RT, 2008. v. 2. p. 85.

A aplicação dessa observação ao art. 285-A do CPC não nos parece despropositada, vista a semelhança entre os institutos no que se refere à “profundidade de cognição” que ensejam. É que as tutelas de urgência, tradicionalmente, contentam-se com cognição sumária, verticalmente limitada e, por isso mesmo, precária, visto que o posterior aprofundamento da cognição pode alterar a convicção do juiz. Já a técnica do § 6º do art. 273 parte do conceito de incontrovérsia, ou seja, de presunção de veracidade. Cognição exauriente, definitiva e imodificável137 portanto, apta como regra a gerar julgamento na forma do art. 330, I, do CPC. O mesmo ocorre com o art. 285-A do CPC. A reprodução de tese idêntica já inadmitida possibilita o desprovimento de plano porque gera,

automaticamente, o esgotamento da cognição vertical do juiz. O magistrado deixa de

citar o réu e profere sentença porque não há fatos a serem elucidados capazes de mudar sua convicção. Nas duas hipóteses, o nível cognitivo é idêntico e, não havendo violação ao contraditório, possível o proferimento de sentença.

Estamos convencidos de que sustentar a prolação de sentença parcial quando um dos pedidos amolda-se aos requisitos do art. 285-A do CPC é ainda mais simples do que firmar tal posição na seara aberta pelo art. 273, § 6º.

Claramente, o legislador revestiu o julgamento da parte incontroversa do pedido do verniz da antecipação de tutela, prevendo expressamente tal qualificação. Isso obrigou os defensores da tese a interessante - e muito lógica - construção. A opção do legislador em classificar essa cognição definitiva e irrevogável de “tutela antecipada” deu-se em razão da “função” que aqui ocupa a decisão interlocutória, qual seja, permitir a execução provisória – caso haja interposição de recurso de agravo e, ao mesmo tempo, o prosseguimento do processo. A função da sentença é colocar fim à fase cognitiva do processo. Não é o que ocorre no caso. Por isso, entende-se que, no art. 273, § 6º, tem-se decisão que substancialmente é sentença (com todas as consequências daí decorrentes, inclusive a possibilidade de execução definitiva caso não haja recurso de agravo), mas, formalmente, é decisão interlocutória138.

Editado o art. 285-A do CPC, duas são as opções: ou nos utilizamos da mesma lógica já desenvolvida pela doutrina – sem necessidade de qualquer

137 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. Processo de conhecimento, p. 235.

ginástica mental – ou defendemos posição nova, no sentido de que aqui o que se tem é sentença, substancial e formalmente.

Analisando a primeira opção, temos que o julgamento antecipado parcial da lide permitido pelo art. 285-A do CPC em caso de cumulação de pedidos traveste-se de antecipação de tutela, afinal a “fase cognitiva do processo” prosseguirá para pôr cobro à lide sobrevivente. Não obstante, o julgamento é definitivo e preclusivo para o juiz. Não havendo recurso – que seria o de agravo - tem-se o trânsito em julgado da decisão.

Defender que se trata de sentença é querer enfrentar o conceito de sentença como sendo a decisão que, para além de ter o conteúdo dos art. 267 ou 269 do CPC, põe fim à fase cognitiva do processo. E esse conceito é bem aceito pela doutrina.

Já Alfredo Rocco dizia: “[...] em suma, nenhuma condição extrínseca caracteriza a sentença; mas a caracteriza e a diferencia das outras espécies de atos do juiz, o seu conteúdo”139.

Então, será que dizer que sentença é ato que necessariamente põe fim à fase cognitiva do processo não é incidir no mesmo equívoco que incidia o código antes da reforma do art. 162, § 1º, (determinada pela Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005), quando afirmava que sentença era o ato que extinguia o processo? Parece-nos que se trata de equívoco menor, mas equívoco. É que esse conceito ainda não afasta o vício apontado por Alfredo Rocco, de tomar aspectos extrínsecos para a conceituação de algo.

Assim, sentença difere de decisão interlocutória tendo em vista guardar, em seu conteúdo correspondência com algum dos incisos dos art. 267 e 269 do CPC. E somente a sentença de mérito propriamente dita, nos moldes do art. 269, I, do CPC (acolhimento ou rejeição do pedido do autor) é que se distingue das demais sentenças e das decisões interlocutórias pela qualidade de seu conteúdo

essencialmente decisório140.

Portanto, atentos ao alerta do mestre italiano, temos que, só pelo fato de ter por conteúdo um dos incisos do art. 269, a decisão decorrente da aplicação do art. 285-A do CPC é sempre sentença. Não obstante, é decisão que rejeita o pedido

139 ROCCO ALFREDO. La sentenza civile, studi [Publicazioni della Facoltà di Giurisprudenza dell‟Università di Roma]. Milão: Giuffrè, 1962. p. 65. “[...] nessuna condizione estrinseca caratterizza la sentenza; ma la caratterizza e diferenzia dalle altre specie di atti del giudice il suo contenudo”. 140 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Nulidades do processo e da sentença, p. 35.

do autor, sendo essencialmente sentença de mérito, pouco importando se a fase cognitiva do processo continua ou não.

À guisa de exemplo, vejam-se as decisões que julgam liquidação de sentença e impugnação do devedor ao cumprimento de sentença, tratadas, respectivamente, nos arts. 475-H e 475-M, § 3º. Independentemente dos efeitos que promovem, são, sempre, sentenças, porque prenhes de um dos incisos dos arts. 267 ou 269 do CPC141.

Outrossim, adotado esse último posicionamento (no sentido que a decisão que julga um dos pedidos cumulados na forma do art. 285-A do CPC – julgamento antecipado da lide parcial – tem natureza de sentença), qual seria o recurso cabível?

O tema é dificílimo e transborda muito os apertados limites deste trabalho. No entanto, valem algumas observações.

Presente no sistema o art. 513 do CPC, sabe-se que da sentença cabível é o recurso de apelação. Todavia, para as retrocitadas decisões de julgamento de liquidação de sentença e de impugnação do devedor (essa última quando não extingue a execução), está expressamente previsto o cabimento de agravo de instrumento, implicando fissuras ao chamado “princípio da correspondência” entre decisões e tipo de recurso142.

Assim, abrem-se duas possibilidades: ou admite-se recurso de agravo por instrumento (forte no risco de desperdício da atividade processual e na inexistência de correlação inarredável entre sentença e apelação), ou admite-se, de lege ferenda a chamada apelação por instrumento, sob pena de a interposição da apelação causar uma pane no processo, de todo indesejável.

Sem olvidar a relevância da discussão sobre qual seja o recurso adequado, o importante é que a solução tida por correta não se afaste do modelo de processo desejado e imposto pela Constituição da República, ou seja, efetivo, de duração razoável e seguro. Também por isso, entendemos que o poder judiciário, no exame de admissibilidade do recurso interposto em condições como a descrita, deve valer-se da aplicação do princípio da fungibilidade.

141 Coerentemente com as premissas que adota, é assim que Teresa Arruda Alvim Wambier qualifica as “decisões” que julgam liquidação de sentença (Art. 475-H) e impugnação do devedor (art. 475-M p. 3º). ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Nulidades do processo e da sentença, p. 35.

2.4 EXISTÊNCIA OU NÃO DE DISCRICIONARIEDADE DO JUIZ NA APLICAÇÃO