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CAPÍTULO III A AVALIAÇÃO NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

3.1 Breves considerações sobre o caráter seletivo da Matemática

No contexto do ensino da Matemática, as conseqüências de uma avaliação meramente classificatória são gravíssimas para o aluno e para a sociedade como um todo. A categorização da Matemática27, por Platão (2001), como a ciência primeira, base de todas as outras, influenciou, para muito além, os educadores, governantes e empresários, e até hoje temos a avaliação da aprendizagem de Matemática como instrumento de seleção. Esta avaliação tornou-se um poder muito grande nas mãos dos professores desta disciplina, tornando-a rude, desinteressante, aterrorizante, dentre outros aspectos. O mito de que nem todos conseguem aprender matemática, e a avaliação somativa, e meramente quantitativa, demonstrou isso ao longo dos tempos, atrasou em muito o desenvolvimento de uma didática que possibilitasse dar à Matemática a sua real beleza e importância para a formação de um cidadão emancipado, que ninguém em sã consciência pode furtar-lhe.

A partir das idéias de Platão, criou-se um paradigma pedagógico que influenciou sobremaneira a forma de ensinar e avaliar os alunos. Mas entendemos que houve uma distorção quanto à forma de ensinar e avaliar de Platão. Senão vejamos.

Platão deu à Matemática a potencialidade pedagógica de disciplinar a mente ao afirmar que “os que nasceram para o cálculo nasceram prontos, por assim dizer, para todas as ciências, e que os espíritos lentos, se forem instruídos e exercitados nela, ainda que não lhes sirva para mais nada, de qualquer maneira lucram todos em ganhar maior agudeza de espírito” (PLATÃO, 2001, p. 223). Pensando na formação do filósofo guardião, que seria o governante de uma cidade justa, os estudos da Matemática deveriam ser dados

não superficialmente, mas até chegarem à contemplação da natureza dos números unicamente pelo pensamento, não cuidando deles unicamente por amor a compra e venda, como os comerciantes e mercadores, mas por causa da guerra e para facilitar a passagem da própria alma da mutabilidade à verdade e à essência (PLATÃO, 2001, p. 222).

A transcendência da Matemática fica marcada na fala acima, pois desta forma essa disciplina adquiriu o status de caminho para se chegar à compreensão do Ser em si, e, portanto, de uma ciência cujo privilégio de domínio seria dado a poucos.

“Nesse sentido, com o passar do tempo, a conquista da disciplina mental – invenção da pedagogia platônica – passa a constituir a finalidade atribuída à Educação Matemática no interior

do paradigma do formalismo clássico” (MIGUEL, 1995, p. 34). A consequência disto foi a ênfase à forma mais que ao conteúdo, dando ao ensino de Matemática uma concepção distanciada de sua aplicabilidade no cotidiano, o que não foi proposto por Platão (MIORIM, 1998). Em vez de tornar o ensino de Matemática uma oportunidade de fazer o aluno pensar na sua relação com o meio em que vive, no sentido de conhecê-lo, dominá-lo e controlá-lo, as intervenções pedagógicas passaram a priorizar o rigor da apresentação, a repetição, memorização e a repetição do professor (MIGUEL, 1995).

Assim reforçou-se o mito de que a Matemática é uma disciplina difícil e os insucessos dos estudantes nas avaliações passaram a ser atribuídos não à forma de ensinar, mas à incompetência, indisciplina daquele que era submetido a este tipo de intervenção pedagógica, “tornando a aprendizagem de Matemática um privilégio de poucos e dos ‘bem dotados’ intelectual e economicamente” (FIORENTINI, 1995, p. 7).

É notável como a incompetência do bom ensinar levou os professores ao longo dos séculos a se apegarem a um detalhe da filosofia platônica para justificar os insucessos de seus alunos, distorcendo-a.

Os resultados das avaliações em sala de aula reforçaram muitos mitos que foram separando as pessoas por competência, distanciando-as do aprender Matemática. Santos (1997, p. 7-8) lista alguns desses mitos:

Todo problema de Matemática tem solução; Todo problema de Matemática tem solução única; As melhores soluções são sempre concisas;

Um bom aluno em Matemática é o que resolve com rapidez as situações propostas;

Um aluno que apresenta, inicialmente, dificuldades em Matemática não consegue superá-las e não consegue ter um aproveitamento bom nesta disciplina;

Somente os superdotados aprendem e gostam de Matemática; A Matemática é um filtro social;

A Matemática é uma ciência exata;

Somente um aluno com boa capacidade de memorização consegue aprender Matemática; e

Professores e outras pessoas que dominam o conhecimento matemático são seres superiores.

Esses mitos seriam evitados se fosse dado um direcionamento mais humano para o ensino e para a avaliação, tornando mais cedo o ensino e a aprendizagem da Matemática mais leve e prazerosa, tal como propõe Platão, segundo quem dever-se-ia, quanto ao ensino:

evitar os exercícios puramente mecânicos, propor problemas adequados à idade das crianças e ser desenvolvido de maneira lúdica, por meio de jogos. Além disso, os castigos corporais não deveriam ser utilizados, pois a coação não seria a forma mais adequada para resolver o problema da falta de interesse da criança pelos estudos (MIORIM, 1998, p.18).

Por que foi feito exatamente o contrário?

A Matemática, para Platão, teria um fim de elevar o espírito e só aqueles que apresentassem interesse e habilidade maiores para ela continuariam os estudos superiores. Uma seleção proposta por aptidão, com vista a formar um filósofo28, e que se dava apenas nas idades mais avançadas. A formação do aprendiz deveria ser de tal forma que, à medida que avançasse na maturidade, os exercícios condizentes à sua maturidade deveriam ser intensificados (PLATÃO, 2001). Platão não foi seguido nesse aspecto. Em vez da seleção se dar na idade madura, por aptidão, ela passou a ser implementada já na fase infantil.

Estudando a evolução do ensino da Matemática na História, percebe-se que

A proposta que havia sido feita por Platão, no sentido de ampliar os estudos elementares de Matemática, com a inclusão de problemas concretos que exercitassem o cálculo, e de tornar esse ensino mais atrativo, parece não ter sido seguida. Além de o estudo das matemáticas no curso elementar ser muito modesto, [...] seu ensino não parecia ser nada atraente. Totalmente baseado na memória e na repetição, com um mestre que não hesitava em dar chicotadas quando achava o aluno preguiçoso, esse ensino estava muito longe ainda de preocupar-se em proporcionar algum prazer à criança. O que os testemunhos nos mostram é que ela tinha verdadeiro terror pelo seu mestre e pela escola. Podemos, portanto, concluir que, ao menos com relação à escola elementar, as idéias defendidas por Platão, com relação ao ensino de matemáticas, não chegaram a ser colocadas em prática (MIORIM, 1998, p. 23).

Foi preferido adotar, diria, uma concepção euclideana de apresentar a Matemática, fundamentada na concepção platônica de entender a Matemática, e não uma concepção platônica de ensinar Matemática, tornando, assim, o ensino (apresentação) desta desestimulante e de serventia apenas para aqueles que tinham vocação para o formalismo, sendo mais tarde continuadores do mesmo, enquanto professores.

Os governantes não platônicos, aproveitando o caráter seletivo atribuído à Matemática, criaram sistemas de ensino mantenedores da desigualdade social e delegaram à avaliação da aprendizagem de Matemática a função de estigmatizar e estagnar socialmente os menos favorecidos; não eram filósofos, segundo Platão (2001).

Atualmente, a avaliação da aprendizagem em Matemática carece de parâmetros que conduzam o processo ensino-aprendizagem de forma mais humana e formativa. Trabalhando nesse sentido, estudiosos de várias áreas se dispuseram a contribuir para que o processo ensino- aprendizagem de Matemática fosse melhorado. Essa disposição teve como conseqüência a realização de pesquisas e encontros preocupados com a forma de fazer avaliação em Matemática tornando-a parte do processo de ensino-aprendizagem de Matemática.