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CAPÍTULO II TRAJETÓRIA DA AVALIAÇÃO: ABORDAGENS E PERSPECTIVAS

2.4 O quantitativo e o qualitativo na avaliação

Mesmo num modelo de avaliação formativa é preciso que se tenham claros os conceitos de avaliação quantitativa e avaliação qualitativa.

Em qualquer realidade educacional, o aluno e o professor se deparam com o problema da medida. Em uma sociedade de classes em que a necessidade de diferenciar, discriminar e separar é um de seus princípios básicos, a massa estudantil é divida em duas classes: os mais brilhantes, possuidores de dons intelectuais e os limitados mentalmente que podem contribuir de forma manual para este tipo de sociedade. O modelo de avaliação que privilegia o quantitativo presta-se ao serviço de inculcação da ideologia dominante deste tipo de sociedade.

Educadores e sociólogos, preocupados em dar sentido ao ato de avaliar, contribuem teoricamente para que a avaliação seja uma ação que vise a promoção, emancipação do aprendiz, e não o contrário, como querem os ideólogos de uma sociedade de classes.

O problema se estabelece para o professor quando, ainda sob as normas da escola, que pretende atender as exigências da sociedade, ou do mercado de trabalho, tem que dar uma nota para o seu aluno.

Os teóricos sugerem uma avaliação qualitativa, formativa, e a escola exige uma nota. A lei é clara ao dispor como deve ser tratado o qualitativo e o quantitativo na verificação do rendimento escolar. O item a do inciso V do artigo 24 do Capítulo II – Da Educação Básica – Seção I - Das Disposições Gerais, da LDB/9394 de 20 dezembro de 1996, dispõe sobre os critérios que devem ser observados quanto à verificação da aprendizagem:

Avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais.

O texto da lei é nebuloso quanto ao significado dos aspectos qualitativos, e quanto à prevalência destes sobre os quantitativos, deixando margem para a escola ou sistema de ensino

decidir o que é qualitativo e o que é quantitativo. E algumas escolas, como aquela em que desenvolvemos o trabalho de campo desta pesquisa, tentam dissociar esses aspectos criando dois tipos de avaliação com pontuações diferentes. O problema do professor passa a ser o de quantificar o qualitativo, tendo em vista que a nota tem que ser dada.

2.4.1 Avaliação quantitativa versus avaliação qualitativa

No contexto da avaliação da aprendizagem, historicamente, até os dias de hoje, sempre prevaleceu a avaliação quantitativa que, a partir de instrumentos bem elaborados e objetivos, propunha-se a medir o desempenho do aluno, comparando-o com os demais colegas e dispondo- os em uma curva normal. Na prática escolar, utiliza-se predominantemente da prova ou de teste. Este modelo avaliativo é coerente com uma orientação positivista de se compreender uma realidade. Nele, a avaliação é confundida com a medida. “E a idéia de que a avaliação é uma medida dos desempenhos dos alunos está [..] solidamente enraizada na mente dos professores [...] e, freqüentemente, na dos alunos” (HADJI, 2001, p. 27).

A avaliação quantitativa é um retrato de um momento, na vida do aluno, e o número que dela resulta diz muito pouco sobre ele. Avaliando-se desta maneira, foge-se da subjetividade que gera discussão e isenta-se o professor avaliador da responsabilidade pelos resultados obtidos pelo aluno.

Por outro lado, a avaliação qualitativa transcende o número. Ela busca explicar as razões do sucesso ou insucesso. Dá-se no processo. Possibilita que o avaliado seja co-autor do julgamento que se quer fazer dele. Ela respeita a individualidade e estimula a autonomia. O avaliado, de objeto passa a ser o sujeito da avaliação. O juízo de valor que surge dela baseia-se no processo e não no produto, como faz a avaliação quantitativa.

Ao se pensar em fazer uma avaliação qualitativa pressupõe-se que estamos querendo fazer um juízo sobre as diversas qualidades de uma realidade. Se pensarmos em uma das qualidades, o juízo de valor que se terá dela surgirá da relação entre a realidade observada e outra que serve de expectativa. Como toda realidade é fluente (CARAÇA, 2002), estaremos na verdade observando um movimento quantitativo da qualidade da realidade observada em direção à realidade modelo. No contexto educacional, a observação dessa qualidade (que é a aprendizagem do aluno) não objetiva apenas descrevê-la, mas intencionalmente melhorá-la, se preciso for, no sentido de atender ao que se objetiva para o aluno.

Nessa linha de raciocínio a avaliação qualitativa compara o avaliado apenas com ele mesmo, enquanto processo, tendo em vista a sua relação com um modelo considerado padrão. As informações obtidas a partir dela subsidiarão a tomada de decisões, que pode ser do próprio avaliado ou de quem é responsável em acompanhá-lo em seu processo de produção ou construção de conhecimento, e particularmente o seu professor, com vista à melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem. Nos movimentos de sala de aula, ela não se prende ao esforço, interesse, freqüência, idas ao quadro, interação social, de uma forma isolada da aprendizagem. Pelo contrário, ela relaciona tais atitudes, que devem ser valorizadas, com a aprendizagem, atentando também para o caráter individual do aluno, pois pretende-se compreender como está se dando ou não o aprendizado dele no coletivo.

Mas é bom que se entenda que a avaliação qualitativa não despreza a medida, pois “quantidade e qualidade são dimensões inseparáveis de uma mesma realidade” (DIAS SOBRINHO, 1997, p. 83). É preciso esclarecer que a quantidade na avaliação só é útil se servir de informação com vista a uma tomada de decisão, pois só existe avaliação no momento em que do quantitativo emerge o qualitativo (HADJI, 1994). Em outras palavras, a medida e a avaliação são extremidades de um mesmo contínuo (HADJI, 1994).

Considerando, então, que a medida faz parte do processo avaliativo, como fazer para que a nota seja uma informação útil para o aluno e o professor, desvinculando-a dos processos classificatórios de uma sociedade de classes? É do que trata o item a seguir.

2.4.2 Quando a nota faz sentido

Dar uma nota para o aluno é uma imposição social e burocrática da escola. A partir dela, a escola ou a sociedade escolhe os melhores para preencher as vagas mínimas oferecidas para a continuação dos estudos, admissão em órgãos públicos, aquisição de bolsas para pesquisa, etc. Ou seja, conforme ela é instituída ou informada, carrega uma ideologia de quem a exige.

No contexto pedagógico-familiar, é sempre um desconforto para todos quando a nota ou a média é baixa. Em geral, quem assume o prejuízo é o aluno e seus pais. Pretensiosamente, ela apenas informa que o aluno se saiu mal na(s) prova(s) ou teste(s). O que fazer, fica por conta do aluno e/ou da sua família.

Em um contexto de avaliação qualitativa, em que se adota a avaliação formativa, que ocorre no processo, esta deve subsidiar a avaliação somativa, que se dá no final do processo. A

primeira valoriza o processo e a segunda o produto. E é na avaliação somativa que a nota deve ser publicada.

O problema está em dar um significado para nota. Para Hoffmann (1995, p. 51),

A medida, em educação, deve resguardar o significado de um indicador de acertos e erros. Esse indicador passa adquirir sentido, a partir da interpretação pelo professor do que ele verdadeiramente representa quanto à produção de conhecimento pelo aluno. A quantificação não é absolutamente indispensável e muito menos essencial à avaliação. Consiste em uma ferramenta de trabalho, útil, somente, se assim for compreendida.

Pressupõe-se que a interpretação da nota deve ser consensual entre quem informa e quem é informado. Para ser informadora, o diálogo, a partir dela, entre professor e aluno, deve ter em vista a melhoria da aprendizagem e do ensino, sem abstrair das conseqüências sociais, políticas e cognitivas – que implicam também as variáveis psicológicas, tais como: auto-estima, crenças de auto-eficácia, motivação para aprender.

A nota não pode ser nem uma nota medida que apenas satisfaz uma burocracia escolar de preenchimento de cadernetas, que não diz nada sobre o objeto medido, que é o aprendizado, e nem como foi estabelecida; nem pode ser uma nota-mensagem-negociação, que pouco diz sobre o que quer dizer, e nasce apenas de uma relação de poder que se estabelece em sala de aula. Na prática escolar, para que o aluno não fique abaixo da média, passa-se um trabalho para resolver a situação, e ele tem um valor. Um valor arbitrário. Arbitrado pelo professor (HADJI, 1994). Como diz esse autor “para ser um ato de comunicação útil, a avaliação deve retornar a ligação com o produtor e dizer-lhe alguma coisa acerca da sua produção que lhe permita progredir com vista a melhores produções”. E isso se estende à nota.

É importante que se valorize o processo mais que o produto. Por ser um instrumento de comunicação, o produto deve retornar ao produtor para que se auto-avalie, buscando superar as defasagens encontradas pelo avaliador. Desse modo, a avaliação será o elemento de comunicação permanente entre o professor e alunos, que devem dialogar sobre suas produções: ensino e aprendizagem.

A validade da nota só existirá se ela constituir um momento de diálogo ou um desafio a vencer, tanto para o aluno como para o professor e, para ser o mais objetiva possível, ela corresponderá a “um padrão mínimo de conhecimento, habilidade e hábitos que o educando deverá adquirir, e não uma média mínima de notas, como ocorre hoje na prática escolar” (LUCKESI, 2000, p. 96). Ou seja, é preciso objetivar o que se quer medir. E medir, em avaliação,

significa comparar o objeto real (aluno-aprendizagem) com outro considerado ideal (objetivos educacionais) para um determinado momento, “porque avaliar não é pesar um objeto que pudéssemos isolar no prato de uma balança. É preciso apreciar este objeto em relação à outra coisa que não ele próprio” (HADJI, 1994, p. 106, grifos nossos).

Uma medição pressupõe a existência de uma quantidade, muito embora a recíproca não seja verdadeira. Ou seja, nem sempre a existência de uma qualidade que varia segundo uma quantidade é passível de medida. Entretanto, isso tem mais um caráter histórico que absoluto (CARAÇA, 2002). Isto nos faz lembrar que o objeto de estudo da avaliação (processo ensino- aprendizagem) é variável. O que nos faz pensar em estudar essa variação num determinado momento desse processo.

Caraça (2002, p. 109, grifo do autor) afirma que para medir uma variação de uma quantidade é necessário “que cada estado possa ser obtido, por adição, a partir de outros estados, e que essa adição seja comutativa e associativa. Tomando então um desses estados, convenientemente escolhido, para unidade, a medição faz-se comparando cada estado com aquele que se tomou como unidade”.

Se pensarmos no modelo ideal, composto dos objetivos educacionais planejados para o estudante relativos à sua aprendizagem em Matemática, como unidade, poderemos a partir de uma comparação, num determinado momento, calcular o quanto aquilo que é observável e variável do aluno (a sua aprendizagem) corresponde ao modelo (tomado como unidade). Para traduzirmos essa medida em um número, daremos a ela um percentual do observado em relação ao ideal. Daí pode surgir uma nota.

Devemos ter claro que a avaliação que defendemos não se compromete com a classificação decorrente de se estabelecer uma nota para o aluno. Contudo, acreditamos que uma mudança no campo da avaliação, fruto de reflexões sobre o uso que se tem feito dos resultados dos processos avaliativos escolares, pode-se iniciar a partir de um simples ato de mudar a forma de dar a nota, fugindo às médias de pontos decorrentes de provas, trabalhos escolares e do comportamento dos alunos em sala de aula.