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Breves notas acerca da política de reforma agrária no Governo Sarney (1985-

3. A MATERIALIDADE DA POLÍTICA DE REFORMA AGRÁRIA NO ESTADO

3.2 Breves notas acerca da política de reforma agrária no Governo Sarney (1985-

A atuação do Estado em se tratando da execução da reforma agrária no Rio Grande do Norte ganhou maior relevo após a segunda metade da década de 1980, momento em que, ocorreram eventos significativos no contexto político nacional. Ao término do período civil-militar, iniciou-se o processo de redemocratização do país com a eleição indireta do então presidente Tancredo Neves pela Aliança Democrática Brasileira. Este, contudo, não chegou a assumir o cargo de Presidente da República, dando lugar ao seu vice José Ribamar Ferreira de Araújo Costa (José Sarney), o qual, comprometeu-se em dar continuidade às medidas anunciadas por Tancredo para o início do mandato (FERNANDES, 2012).

O início da Nova República marcou, portanto, o período em que as discussões sobre a emergência da reforma agrária reapareceram no cerne da agenda política brasileira, sobretudo, em virtude da reprodução acentuada dos conflitos agrários, bem como, pelo próprio momento de contradições que assolava permanentemente o campo. Havia ampla expectativa para a elaboração de um programa que permitisse, ao mesmo tempo, atender as reivindicações dos movimentos sociais organizados e esmaecer o crescimento acentuado da concentração fundiária, por meio da extinção gradual dos

latifúndios, corroborando, por fim, para o cumprimento da função social da terra. Neste contexto, o Governo Sarney elaborou e instituiu o I Plano Nacional de Reforma Agrária (I-PNRA) estabelecendo metas audaciosas para a desapropriação de grandes imóveis rurais e implantação de assentamentos de reforma agrária. Referindo-se ao período de sua elaboração, Fernandes et al. (2012) relata que

o governo assumiu como parte de seu mandato a responsabilidade de realizar a reforma agrária. [...] Em maio de 1985, um comitê de trabalhadores e intelectuais elaborou o primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA, estabelecendo metas para a implantação de assentamentos. Ruralistas no congresso, com o aval de Sarney, conseguiram desfigurar o plano antes mesmo de ser assinado pelo presidente. Uma recomendação foi a formação de um novo ministério para cuidar da reforma agrária, desvinculando o assunto da pasta do Ministério da Agricultura (MA). Foi criado em 1985 o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (MIRAD). (FERNANDES et al., 2012, p. 106).

Elaborado com base nos princípios normativos do Estatuto da Terra, o I Plano Nacional de Reforma Agrária tinha por objetivo aliar o progresso dos trabalhadores rurais, a promoção da cidadania no campo e o desenvolvimento econômico do país. Contudo, a sua concepção – mesmo representando um avanço significativo em se tratando de legislação agrária brasileira – trazia retrocessos em relação ao próprio Estatuto da Terra, como por exemplo o artigo 2°, que servia de fundamento para manter a preservação da propriedade latifundiária. Comparado ao programa de reforma agrária apresentado inicialmente aos trabalhadores rurais e à sociedade pelo Governo Sarney, o I PNRA, aprovado pelo decreto nº 91.766, de 10 de outubro de 1985, continha distorções significativas (OLIVEIRA, 2007).

Nota-se, ainda, que as dificuldades para a execução da política de reforma agrária nos primeiros momentos da Nova República envolviam aspectos complementares que limitavam, sobretudo, o seu alcance socioterritorial. Primeiramente, há de se reconhecer que o interesse do Estado em levá-la a cabo distanciava-se do compromisso firmado com os trabalhadores rurais e, consequentemente, do objetivo para o qual fora inicialmente concebida. Em segundo lugar, o fracasso da proposta inicial estava relacionado à atuação dos latifundiários e ruralistas da época que, munidos de ampla influência econômica e política, utilizavam todos os mecanismos possíveis para inviabilizar a implementação da reforma agrária, seja no campo do entrave jurídico ou forçando a todo custo a desestruturação do planejamento e das ações institucionais do Estado.

De acordo com Leite (2008), o I PNRA passou por diversas modificações em virtude da influência do patronato rural, representado naquele momento pela constituição da Frente Ampla14, que envolvia a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), a Sociedade Rural Brasileira (SRB) e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Algum tempo depois seria criada a União Democrática Ruralista (UDR), que representaria os latifundiários e grandes empresários do ramo agropecuário, pautados num discurso mais ofensivo contra a possibilidade de implementação da reforma agrária e a defesa explícita do uso da violência no campo para preservação da propriedade privada.

Sob a égide dos setores agrícolas tradicionais, fortalecidos com a criação da União Democrática Ruralista, o Governo Sarney demonstrou nos anos iniciais os primeiros indícios de recuo com relação à execução das metas estabelecidas para a reforma agrária. De acordo com Cunha Filho (2007), a principal medida adotada pelo governo foi subordinar o texto do I PNRA ao crivo do Conselho de Segurança Nacional (CSN), o qual, refutou pontos importantes da proposta elaborada e apresentada pelo Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (MIRAD). A partir deste momento, a sua revisão ficou por conta de uma equipe permanente do Conselho e representantes do setor ruralista. Após diversas alterações da proposta original, a redação final do PNRA atendeu plenamente à demanda dos latifundiários, pois contrariamente ao que preconizava o Estatuto da Terra, não fixava as áreas prioritárias de desapropriação para fins de reforma agrária, ao mesmo tempo em que condicionava esta definição aos planos regionais, cuja aprovação fora prorrogada até a reforma ministerial do ano conseguinte.

Ainda naquele contexto, com a instauração da Assembleia Nacional Constituinte, ocorrida no biênio 1987-1988, renovam-se as expectativas dos movimentos sociais do campo para a introdução de um texto regulador da política agrária brasileira que garantisse o cumprimento irrestrito da função social da terra. De fato, como nos relata Mattei (2012), o processo de redemocratização pela via constitucional

[...] introduziu importantes mudanças na ordem legal, como a possibilidade de desapropriação das terras para fins de reforma agrária que não cumprissem sua função social, [...] fixando novos parâmetros

14 Instituição criada na década de 1980 pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), profundamente corporativa e voltada, exclusivamente, para os interesses territoriais dos grandes proprietários (defesa incondicional da propriedade da terra) e, portanto, avessa a qualquer processo de democratização e reestruturação da estrutura fundiária (SAUER, 2008).

para a execução dos programas de reforma agrária. (MATTEI, 2012, p. 315).

Entretanto, é preciso reconhecer que a reforma agrária não estava inserida no quadro de prioridades políticas do Estado. Percebemos que o avanço em direção à medidas mais concretas dependia, intimamente, do campo de disputas que se formava no período entre, os defensores do patronato ruralista e os que cingiam a bandeira da reforma agrária como instrumento de democracia e justiça social no campo. Assim, conforme destaca Oliveira,

[...] o plenário do Congresso Nacional tornou-se, durante a Constituinte, um espaço de lutas por excelência. De um lado pelo avanço em direção a uma Reforma Agrária ampla, geral e irrestrita, de outro pelo recuo cada vez maior na proposta reformista em marcha no governo Sarney. A chamada "bancada ruralista”, com o apoio declarado da UDR, venceu a batalha parlamentar, e a Constituição de 1988 passou a conter uma legislação mais reacionária do que o próprio Estatuto da Terra. (OLIVEIRA, 2007, p. 126).

Pela maneira como foi conduzida a elaboração da Constituição Federal em 1988, podemos corroborar que os mecanismos de regulação territorial contidos no texto final eram – assim como no I PNRA – deficitários em relação ao Estatuto da Terra. Nitidamente, ao adentrar na seara da normatização do espaço rural, o Estado buscou preservar a todo custo a manutenção da grande propriedade. De forma explícita, ao restringir as áreas desapropriáveis a latifúndios improdutivos, o Governo Sarney reafirmou o seu compromisso com a classe ruralista, impedindo o progresso da reforma agrária e abandonando as metas estabelecidas para a execução da política pública. Novamente, os trabalhadores rurais organizados passaram a utilizar as ocupações de terra como mecanismo para pressionar o governo a concretizar os compromissos firmados com os movimentos sociais do campo.

Ao analisarmos o panorama político e social da época, podemos verificar que, se de um lado o jogo de disputas em favor da execução/obstrução da reforma agrária marcava significativamente o Congresso Nacional, por outro, os conflitos agrários no estado do Rio Grande do Norte reproduziam-se acentuadamente15. As forças armadas, que no período militar cumpriam o papel do Estado repressor contra os movimentos

15 De acordo com a Comissão Pastoral da Terra - CPT (2012), somente entre 1985 e 1986, período em que não houve nenhum avanço em relação ao assentamento de trabalhadores rurais no estado potiguar, foram contabilizados 17 conflitos agrários, envolvendo ameaças e repressão aos trabalhadores rurais acampados.

sociais de luta pela terra, foram gradualmente substituídas – durante o Governo Sarney – pelas polícias militares. Essa substituição, conforme aponta a Comissão Pastoral da Terra, acompanha o movimento de descentralização do poder que se constituiu em virtude da eleição dos governadores estaduais, consolidada em 1986. Em lugar da força repressiva do regime civil-militar, a propriedade latifundiária no estado potiguar, passou a utilizar a polícia como milícia particular para coerção dos trabalhadores rurais (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA - CPT, 1987).

Portanto, como forma de conter as tensões sociais que se adensavam no campo, o Governo Sarney implantou os primeiros assentamentos rurais como sinônimo de reforma agrária no estado. Ainda assim, a quantidade de hectares desapropriadas, assentamentos criados e famílias assentadas em muito divergia das metas estabelecidas para o Rio Grande do Norte. Por outro lado, ao observarmos o período de duração do referido governo, percebemos que, ao contrário de outras unidades da federação, os impactos iniciais da política de reforma agrária federal no estado só se materializaram após o terceiro ano de mandato presidencial de José Sarney (ano de 1987). Até então, conforme dados divulgados pelo INCRA (2014), as áreas de reforma agrária existentes no contexto rural potiguar eram oriundas de políticas agrárias implementadas pelo governo estadual (Projetos de Assentamento Estaduais – PE’s).

Dissertando acerca do período inicial do Governo Sarney, Rech (1986) reiterou o estado de imobilidade do Plano Nacional de Reforma Agrária apresentado à sociedade. Na visão do autor, além de distorcer os princípios constitucionais e metas estabelecidas durante a concepção do plano, após a sua aprovação,

[...] o governo não conseguiu começar efetivamente a execução da reforma agrária. A Nova República comemorou o 1º ano de vida e a promessa continuou promessa. Aliás, continua promessa pra quem não conhece o que será a “reforma agrária” do Plano Nacional de Reforma Agrária. E continua numa esperança para quem não conhece ainda o PNDR, já que esse coloca a reforma agrária como uma medida auxiliar do desenvolvimento no Brasil. (RECH, 1986, p. 13).

Analisando os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) referentes a materialidade da política de reforma agrária no Rio Grande do Norte entre os anos de 1987 e 1989, verificamos um total de 18 assentamentos rurais implantados, beneficiando aproximadamente 1.163 famílias, em áreas desapropriadas que juntas, somam 34.337 hectares (INCRA, 2014). Observando a

Figura 4 temos, portanto, o panorama significativo acerca da involução do processo de desapropriação de áreas e assentamento de trabalhadores rurais no estado durante a execução do I PNRA (Governo Sarney). Assim, constatamos, primeiramente, um total de 11 assentamentos rurais implantados no ano de 1987, retraindo-se para 4 PA’s no ano conseguinte, e alcançando o número de 3 PA’s no ano de 198916.

O número de famílias assentadas também acompanhou o mesmo ritmo de involução. Verificamos o quantitativo de 620 famílias assentadas no ano de 1987, decrescendo para 384 famílias no ano de 1988, e 159 famílias no último ano delimitado. Os dados relativos à área desapropriada apontam a concentração de 19.656 ha em 1987, contraindo-se para 10.043 ha em 1988, estabilizando-se em 4.638 ha no ano de 1989. De forma geral, todas as nuances destacadas (assentamentos implantados; famílias assentadas; área desapropriada) apresentaram resultados que evidenciam a existência de ritmo equivalente de retração.

Assim, ao observarmos o perfil de execução da reforma agrária no referido governo, constatamos a concentração mais significativa dos dados referentes ao no ano de 1987, que apresentou 11 assentamentos rurais implantados, beneficiando aproximadamente 620 famílias, ocupando, por fim, 19.656 ha. Ao analisar a maneira como a reforma agrária foi sendo implementada ao logo do Governo Sarney podemos constatar, efetivamente, a influência de alguns fatores preponderantes para a maior concentração dos dados observados nesse período (1987).

16 Em virtude da maior expressividade dos dados de famílias assentadas e de área desapropriada, utilizamos o recurso da potenciação matemática na apresentação dos gráficos.

Figura 4 – Rio Grande do Norte: perfil da política de reforma agrária durante o Governo Sarney (1987-1989)

Fonte: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, 2014. Elaboração do autor, 2015.

De início, é preciso considerar que havia grande represamento e, consequentemente, demanda para a implantação de novas áreas de reforma agrária no Rio Grande do Norte, fato este, que contribuiu para a concentração dos dados no período destacado. Em segundo lugar, à medida que a influência política dos setores tradicionalistas do campo avançavam para a desmobilização sócio-institucional da reforma agrária, os seus resultados práticos tendiam a ser menos efetivos ano após ano. Por fim, é inegável a capacidade dos movimentos sociais de luta pela terra para levar adiante à execução da reforma agrária, pois, a territorialização dos conflitos agrários que sacudiram o campo no estado potiguar até o período referido (1987), também fora decisiva para os avanços comedidos da política de reforma agrária no contexto rural local.

De acordo com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST (1989), ficou definitivamente clara durante o ano de 1987, a posição do Governo Sarney de não levar adiante a reforma agrária. A política pública foi enterrada, então, pelas duas vias possíveis: politicamente e legalmente. Legalmente, pela aprovação em maio do mesmo ano, do Decreto-Lei 2.363/87, impedindo qualquer forma de desapropriação de terras produtivas e outorgando ao poder judiciário a última palavra sobre o direito de uso dos latifúndios. Em novembro, o Estado revogou o decreto de regulação territorial nº 1.164/71

– aprovado durante o período militar – que restringia a doação de terras localizadas às margens de rodovias federais. Com o fim de sua validade, grande parte das áreas foram doadas aos estados e distribuídas a apadrinhados políticos dos governadores.

Politicamente, o governo recuou de todas as formas para não levar a cabo a execução da reforma agrária. A crise, a incompetência e a ausência de intervenção mais abrangente por parte do Governo Sarney contribuíram para a instauração do caos no campo até a primeira metade de seu mandato. “Além da incompetência e má vontade, deixou que a organização direitista, paramilitar, a UDR se armasse até os dentes e, dessa forma, a maioria dos despejos fossem feitas de forma conjunta: Polícia Militar-UDR” (MST, 1989, p. 01).

Os dados do INCRA do ano de 1988 revelam que a “reforma agrária” executada por José Sarney no Rio Grande do Norte, apresentava resultados insignificantes. Ainda com relação a figura 4, verificamos que nesse período foram implantados pelo INCRA quatro assentamentos rurais, beneficiando 384 famílias, em 10.043 hectares de terra, ou seja, em números absolutos, apresentou a metade dos resultados do ano anterior. Evidentemente, a reforma agrária estava comprometida tanto em virtude da redução do plano de metas/ações, como pela própria qualidade dos assentamentos rurais implantados. Assim, a execução da reforma agrária pelo Governo Sarney continuava a apresentar impactos territoriais irrelevantes, pois

[...] até este ano, apenas 5,8 % das metas estabelecidas foram cumpridas. A regularização e medição das áreas é extremamente lenta, o crédito rural não chega nos períodos de plantio, [...] o PROCERA17 não tem recursos orçamentários, e não existe nenhum apoio para a infraestrutura social básica, como: escolas, postos de saúde, transportes, etc. Sobreviver num assentamento do MIRAD é um ato de teimosia. (MST, 1988, p. 03).

Ao contrário do que se esperava, o último ano do Governo Sarney caracterizou-se como o pior para a resolução das questões socioterritoriais do campo no Rio Grande do Norte. A capacidade de intervenção do Estado foi reduzida a seu nível mínimo, e os conflitos agrários continuavam a preencher a longa marcha pela reforma agrária. Segundo o INCRA (2014), foram implantados no estado, em 1989, apenas 3 assentamentos, comportando 159 famílias de trabalhadores rurais, numa área de 4.638 ha (Figura 4).

17 Segundo Rezende (1998), o Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária (Procera) foi criado pelo Conselho Monetário Nacional em 1985 com o objetivo de aumentar a produção e a produtividade agrícolas dos assentados da reforma agrária.

Mesmo reconhecendo que apenas desapropriar áreas e assentar famílias não representem efetiva política pública, é inegável a sua importância para o processo de reordenamento da estrutura fundiária predominante no estado, assim como, para a melhoria das condições de reprodução socioeconômica da população rural demandante.

Ao relacionarmos as metas estabelecidas no Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária (I PNRA) com as ações efetivamente concretizadas pelo Estado no Rio Grande do Norte, percebemos que os números da reforma agrária referentes ao período de vigência do plano foram significativamente irrisórios. Conforme aponta a CPT (1990), a reforma agrária tão prometida pelo Governo Sarney, não passou de um engodo para os trabalhadores rurais. Reforma agrária, em sentido lato, implicaria modificações profundas da estrutura agrária, correções de distorções seculares na questão fundiária e social. O último PNRA demonstrou o seu fracasso: menos de 10% das metas foram cumpridas.

Assim, ao vislumbrarmos a tabela 5, constatamos a diferença existente entre a concepção da política pública e sua efetiva execução. Das metas estabelecidas para assentamento de famílias (5.200 no total) e áreas à desapropriar (150.000 no total) no ano de 1987, foram cumpridas apenas 11,9% e 13,1%, respectivamente, ou seja, 620 famílias assentadas em 19.656 ha, distorção aguda para as primeiras ações do governo federal no Rio Grande do Norte.

Tabela 5 – Rio Grande do Norte: perfil das metas e ações do I Plano Nacional de Reforma Agrária (1985-1989)

Fonte: Comissão Pastoral da Terra – CPT, 1987. Elaboração do autor, 2015.

Em 1988, a redução foi ainda mais significativa. O governo estabeleceu a meta para assentamento de 7.800 famílias e 230.000 hectares. Contudo, foram assentadas

apenas 384 (4,9%) famílias numa área de 10.043 há (4,3%). No último ano de governo, o percentual de cumprimento das metas estabelecidas foi insignificante. Havia a previsão de assentamento para 8.600 famílias e desapropriação de 270.000 ha, mas, foram efetivamente beneficiadas 159 famílias (1,4%) e desapropriadas 4.638 ha (1,7%).

Portanto, os dados absolutos das metas para o I PNRA no Rio Grande do Norte ratificam que, de 24.200 famílias a serem beneficiadas e 730.000 ha desapropriáveis, apenas 1.163 (4,8%) e 34.337 (4,7%), respectivamente, foram cumpridas.

Conforme aponta a Comissão Pastoral da Terra, ao final do I PNRA, eram inegáveis os prejuízos causados pela “reforma agrária” do Governo Sarney. Não somente pelo descumprimento das metas, mas principalmente porque

[...] na sua concepção profunda, o PNRA deixava aparecer uma dupla contradição entre o diagnóstico e o remédio para a questão agrária. O diagnóstico foi o reconhecimento pela Nação de uma enorme dívida social em relação aos deserdados da terra. O remédio escolhido em 10/10/85 foi enfiado goela abaixo em nome da modernidade, e inviabilizava o uso das desapropriações como instrumento jurídico, protegendo as terras ditas produtivas. Confirmava a exclusão secular dos camponeses e trabalhadores rurais. Para as classes dominantes o país precisava de uma política agrícola “empresarial”, e não de reforma agrária. [...] A Aliança Democrática esqueceu o que devia e tinha prometido aos seus filhos deserdados. O Estado revelou sua verdadeira face, negando a milhares de trabalhadores o acesso à terra. Estes receberam em troca parcas desapropriações, cassetetes e balas18. (CPT, 1990, p. 18).

Analisando a configuração territorial da política pública no Rio Grande do Norte, durante o Governo Sarney (Mapa 2), constatamos a implantação de assentamentos rurais em 13 municípios potiguares, em sua maioria, situados na Mesorregião Oeste. Dentre estes, são verificados os maiores percentuais de implantação para Mossoró (23,1%), Areia Branca (15,3%) e São Rafael (15,3%).

18 De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (1990), ao final da década de 1980 foi registrado o assassinato de um trabalhador rural envolvido em conflitos pela terra no Rio Grande do Norte.

Com relação a quantidade de famílias assentadas, verificamos percentuais mais significativos nos municípios de Assú (30,9%), São Rafael (23,7%), Mossoró (23,3%) e Areia Branca (10,4%). O percentual de área desapropriada concentrou-se entre Assú (29,2%), Mossoró (25,2%), São Rafael (22,3%) e Areia Branca (12,1%), conforme destacado no mapa 2. Entretanto, evidenciamos que os assentamentos rurais implantados em Mossoró e Areia Branca apresentaram melhor qualidade na distribuição das áreas,