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Impactos sociais da política de reforma agrária: algumas considerações

4. CONCEPÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO E RESULTADOS: AS INTERFACES DA

4.3 Os resultados efetivos da política de reforma agrária no espaço rural do Rio

4.3.2 Impactos sociais da política de reforma agrária: algumas considerações

Sob a perspectiva intra-institucional (concepção/planejamento), a política de reforma agrária configura-se como importante mecanismo de redefinição das práticas

sociais no campo, garantidas, primeiramente, pela desapropriação de áreas e assentamento de trabalhadores rurais e, em seguida, pela consolidação de direitos e garantias fundamentais ao exercício pleno da cidadania. Neste sentido, entendemos por política pública efetiva àquela que ao transpor do plano teórico para o prático, corrobora para a manutenção de estratégias de desenvolvimento continuado das áreas reformadas, ou seja, que coloca em mesmo pé de igualdade o direito fundamental à propriedade da terra e a instituição das demais estruturas que permitam aos assentados ter garantida a sua reprodução (social e econômica), independência e autonomia plena:

A criação do assentamento, ao invés de ser um ponto final de um processo de luta que às vezes durou anos e anos, tornou-se um ponto de partida para novas demandas daqueles que tiveram acesso à terra e que procuram nela se viabilizar econômica e socialmente: escolas, atendimento à saúde, estradas, transporte, créditos, assistência técnica são apenas algumas das reivindicações que emergem e que obrigam os assentados a intensificar experiências a que, na sua situação de vida anterior, dificilmente teriam acesso. Passam a organizar-se, procurar os poderes públicos, demandar, pressionar, negociar enfim um amplo espectro de atividades que os colocam frente ao exercício da participação política e que os levam a ter, em muitos municípios, peso no cotidiano da vida pública, impondo-se como interlocutores em diversas iniciativas. (LEITE et al,, 2004, p. 260).

Sabemos, entretanto, que a instituição e manutenção dessas estratégias de desenvolvimento continuado torna-se difícil face aos problemas – de caráter político e econômico – que, historicamente, tem limitado a abrangência das ações institucionais. Em virtude disso, os impactos da política de assentamentos rurais, quiçá, da política de reforma agrária, continuam intimamente dependentes da intensificação de novas lutas, novas estratégias de organização para reivindicar o acesso aos direitos mais básicos, o que nem sempre acaba acontecendo. Consequentemente, o que se constata é que muitas das áreas de reforma agrária implantadas apresentam indicadores sociais baixos, seja pela indisponibilidade de infraestruturas no local ou pelas péssimas condições daquelas que foram instituídas durante o processo de assentamentos das famílias. Tal fato, acaba impactando negativamente na capacidade de reprodução dos assentados, materializada pela carência de ferramentas sociais de desenvolvimento, como o acesso a melhores condições de saúde e escolaridade.

Conforme destacam Medeiros e Leite (2004), apesar dos investimentos realizados pelo poder público federal nos assentamentos da reforma agrária, ainda é perceptível a sua insuficiência, tanto na implementação de novos equipamentos sociais e infraestrutura,

quanto na qualidade dos equipamentos disponíveis nessas áreas. Quanto à infraestrutura social, especificamente, nas questões ligadas à saúde e educação, tem-se constatado situações de maior gravidade. Apesar de alguns assentamentos terem sido beneficiados com a construção de unidades físicas (postos de saúde e escolas), o grande problema está relacionado à pouca disponibilidade ou inexistência de recursos humanos para garantir o seu funcionamento regular. É comum constatarmos postos de saúde fechados por falta de pessoal ou medicamentos, escolas funcionando sem profissionais de ensino e de forma precária. Muitas vezes, o poder público municipal tem tomado para si a responsabilidade de garantir essa assistência continuada, mesmo havendo precariedade de seus recursos financeiros. Resumidamente, não se constatam profundas transformações de caráter social nos assentamentos oriundos da política de reforma agrária do INCRA, mas sim, melhorias pontuais em virtude das limitações existentes.

Portanto, ainda que os impactos sociais da reforma agrária nas áreas de assentamento possam ser considerados insuficientes, tanto do ponto de vista da introdução de novas estruturas51 quanto pela adoção de medidas para qualificar àquelas pré-existentes, não se pode negar que em alguns desses locais identificamos situações exitosas, a depender da capacidade de articulação dos trabalhadores rurais e das políticas de intervenção em serviços sociais básicos realizadas pelos governos municipais. O fato é que essas situações exitosas não deveriam estar relacionadas apenas a casos isolados – como constatamos atualmente nas áreas de reforma agrária do Rio Grande do Norte – mas sim, representar o quadro social dos assentamentos rurais implantados em sua totalidade. Assim, o que deveria ser regra, inexiste pela maneira como se executa a reforma agrária, priorizando apenas o assentamento das famílias, muito embora isso ocorra em parte pela grande demanda por terra, e colocando a qualificação das áreas de reforma agrária para um momento subsequente.

A criação dos assentamentos em si e as expectativas que os cercam acabam por dar origem a uma série de reivindicações. [...] A potencialização das demandas trazidas pelos assentados relaciona-se com sua capacidade organizativa e com a conjuntura política local em que se inserem, resultando, ao longo de sua constituição, quer no reforço dos tradicionais mecanismos de clientela, comuns em situações de precariedade, quer na constituição de novas lideranças que passam a disputar espaços públicos. Entre esses pontos, são múltiplas as

51 Quando recorremos ao termo estrutura, não estamos nos restringindo apenas às formas materiais presentes no assentamento, como por exemplo escolas, postos de saúde, mas sim a uma estrutura funcional (forma-ação-processo), que depende da disponibilidade de recursos humanos básicos, ou seja, profissionais habilitados em áreas específicas para poderem atuar nos assentamentos rurais.

potencialidades políticas dos assentamentos. Além das condições internas ao lote, diversos outros elementos de infraestrutura são indispensáveis à produção e à sobrevivência das famílias na área, e em grande medida dependem diretamente do Estado. (LEITE; MEDEIROS, 2004, p. 87).

Nas análises realizadas, constatamos que as condições de infraestrutura produtiva e social, de boa parte das áreas de reforma agrária implantadas pelo INCRA no Rio Grande do Norte, não atendem às necessidades mais básicas da vida cotidiana. Talvez por isso, os próprios assentados estabelecem um rol de demandas consideradas mais prioritárias, numa tentativa de reivindicar o seu atendimento junto aos órgãos competentes. Desta maneira, a disponibilidade de unidades de escolarização e saúde, o abastecimento de água com qualidade (seja para consumo domiciliar ou para estruturar a produção agrícola) e a assistência técnica regular são, de forma geral, as demandas consideradas mais urgentes pelos assentados. Daí por diante, emergem àquelas consideradas secundárias, porém, tão importantes quanto estas, a exemplo da manutenção das vias de acesso ao assentamento, o serviço regular de recolhimento de lixo doméstico, a implementação de áreas de lazer, melhores condições de iluminação pública, dentre outras.

Em alguns casos, consideramos que a falta de infraestrutura social ou produtiva dos assentamentos implantados, inclusive no estado potiguar, não resultam apenas da fragmentação das ações institucionais, mas sim, da ausência de planejamento efetivo durante a implementação de novas áreas de reforma agrária. É o que ocorre em alguns PA’s onde o acesso à água encontra-se dependente da pluviosidade ou do transporte externo (carros-pipa), sobretudo, por estarem situados em regiões onde o afloramento rochoso impede o acúmulo de água subterrânea e a consequente perfuração de poços para garantir o abastecimento da comunidade (ou nos casos onde o teor de salinidade da água é extremamente elevado). Da mesma maneira, verificamos situações onde o assentamento não consegue manter condições mínimas de produtividade, em virtude da pobreza de nutrientes ou de determinadas características do solo que impedem o plantio. Em ambos os casos destacados, a implementação de infraestruturas no PA perpassa o atendimento das demandas, haja vista que estão condicionadas à própria composição natural do lugar, ou seja, pela ineficiência do planejamento anterior à implantação do assentamento (sobretudo referente a escolha da área), parte das demandas produtivas ou sociais não poderão ser atendidas em sua plenitude pelo poder público.

Analisando as características sociais dos assentamentos de reforma agrária no Rio Grande do Norte até o ano de 2005, Fernandes relata que, sob o prisma da infraestrutura presente nessas áreas, é possível perceber grande precariedade dos serviços sociais mais básicos. Seja pela falta de abastecimento d’água, pela indisponibilidade de escolas nos assentamentos, ou pela inexistência de atividades geradoras de trabalho e renda, muitos trabalhadores rurais acabam optando por deixar o assentamento, haja vista o estado de abandono que alguns chegam a apresentar. Isso acaba sendo agravado pelo fato desses assentamentos estarem localizados em municípios pobres, onde a arrecadação é suficiente apenas para custear as despesas administrativas municipais, não sendo possível implementar políticas sociais mais sólidas para combater as deficiências socioeconômicas na qual a população dessas áreas rurais encontra-se submetida (FERNANDES, 2005).

Entretanto, mesmo considerando esse quadro de abandono das áreas de reforma agrária implantadas pelo INCRA no estado, não se pode negar que a constituição dos assentamentos rurais representa, em si própria, um avanço inicial em direção a reestruturação mais ampla das dinâmicas sociais locais, sobretudo, se compararmos às péssimas condições de vida pretéritas dos trabalhadores rurais beneficiados. Como toda política pública, existem inúmeros problemas que precisam ser sanados, pois disso dependerá a consolidação das práticas sociais que delimitam o desenvolvimento e a autonomia plena do assentamento rural. Portanto, ainda que exista grande “precariedade do ponto de vista infraestrutural dos assentamentos, é preciso atentar para as mudanças que eles são capazes de imprimir nas experiências de vida da população, gerando melhores condições para as famílias instaladas” (FERNANDES, 2005, p. 182).

Sob a perspectiva da verticalidade, as condições de infraestrutura presentes nos assentamentos podem revelar a dimensão dos impactos sociais resultantes da implementação da política pública. Contudo, a compreensão desses processos dependerá da sobreposição de outras condicionantes que acabam limitando ou ampliando as possibilidades de autonomia dessas áreas rurais. É preciso, então, aprofundarmos as nossas análises evidenciando a trama de situações de cada lugar e a influência desta na composição da estrutura social da reforma agrária no Rio Grande do Norte como um todo. É o que nos propomos a fazer no capítulo que se segue.

5. CARACTERÍSTICAS SOCIOECONÔMICAS DOS ASSENTADOS DA