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Breves notas sobre a formação da luta pela reforma agrária no Rio Grande do

3. A MATERIALIDADE DA POLÍTICA DE REFORMA AGRÁRIA NO ESTADO

3.1 Breves notas sobre a formação da luta pela reforma agrária no Rio Grande do

No contexto da luta pela terra no estado do Rio Grande do Norte, a participação dos trabalhadores na busca por justiça e igualdade no campo ganhou maior relevo a partir das primeiras ações de organização dos movimentos sociais rurais ocorridas, sobretudo, após a década de 1960. As consequências históricas do modelo agrícola predominante (concentração fundiária, pauperização, êxodo rural, desemprego) aliadas ao processo de modernização da agricultura iniciado pelo Estado nessa mesma década, contribuíram para engrossar a massa de trabalhadores rurais excluídos e sem perspectivas de melhores condições de vida no campo. Portanto, foi em virtude do acirramento desse cenário de desigualdades, que os trabalhadores rurais passaram a reivindicar a implementação da reforma agrária enquanto via possível para garantir reestruturação fundiária, socioeconômica e política.

Segundo relata Barros (2005) o processo de luta pela terra no Rio Grande do Norte se intensificou a partir da segunda metade da década de 1960, momento em que, os focos de resistência camponesa no território potiguar ganharam maior notoriedade. Nesse contexto (entre os anos de 1950 e 1960), os trabalhadores rurais organizados – na qualidade de sujeitos políticos – mobilizaram-se coletivamente, originando os primeiros movimentos sociais de luta pela terra, especialmente, as Ligas Camponesas11 que, juntamente com os Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR’s), passam a questionar a

11 As Ligas Camponesas consistiu no movimento social mais representativo de trabalhadores rurais entre as décadas de 1950 e 1960. Com o apoio político do PCB, lutava por reforma agrária ampla e massiva, tendo como um dos seus maiores defensores o advogado Francisco Julião (BARROS, 2005).

estrutura fundiária concentrada sob a égide de uma classe elitista que detinha o monopólio da propriedade privada. A partir daí, “o debate sobre a problemática agrária assumia dimensão social e a reforma agrária passou a ser disputada por várias forças políticas, pois, até então os conflitos agrários ocorriam de forma localizada e por alguns grupos de trabalhadores” (BARROS, 2005, p. 27-28).

Aquele período ficou marcado pelo descenso em relação à luta pela reforma agrária. A partir da instituição do regime militar, os movimentos sociais organizados e os Sindicatos de Trabalhadores Rurais foram violentamente perseguidos pelas forças coercitivas do Estado – tanto pela detenção de parte das lideranças sindicais, quanto pelo impedimento dos trabalhadores rurais filiarem-se sindicalmente –, num movimento articulado para tentar barrar qualquer processo a favor de modificações na estrutura fundiária e no modelo de desenvolvimento agrícola do campo. Essa tentativa do governo militar em dirimir o avanço democrático da luta pela reforma agrária ocasionou “um grande impacto nos movimentos sociais e particularmente no sindical, quando este já se encontrava com uma estrutura montada em razão da sindicalização empreendida desde o início dos anos de 1960” (SILVA, 2006, p. 34). Ainda assim, apesar de toda a repressão contra as organizações sindicais, essas entidades continuaram articulando-se, coordenando novas discussões sobre a importância da reforma agrária e das demais políticas de reordenamento social e territorial no campo.

Nessa conjuntura de articulação para a execução de políticas agrárias no estado, a Igreja Católica, representada pelo Serviço de Assistência Rural, Comissão Pastoral da Terra e Movimentos de Educação de Base, desempenhou papel de destaque, sobretudo, atuando na mediação dos conflitos agrários, prestando assistência às famílias envolvidas em ocupações de terra e coordenando o processo de sindicalização dos trabalhadores rurais no Rio Grande do Norte junto aos STR’s. Em virtude disso, é possível afirmar que os principais avanços na questão agrária nesse período estão relacionados a função desempenhada pela igreja, mesmo porque, o campo de abrangência dos movimentos sociais do campo ainda era limitado, considerando que a representatividade dos agricultores – em se tratando de organização política – estava condicionada à atuação das Ligas Camponesas que concentrava os seus esforços em alguns municípios potiguares.12

12 Segundo destaca Barros (2005), as ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no território potiguar se iniciaram somente no início dos anos 1990, com a chegada de lideranças nacionais vindas de outros estados. Nesse momento, iniciaram o processo de organização dos trabalhadores rurais nos municípios do Vale do Açu, a partir de contatos estabelecidos com os STR’s. Foram esses contatos que possibilitaram ao MST realizar as primeiras ocupações de terra no estado.

De acordo com Silva (2006), em virtude da experiência de lutas acumulada pela Igreja Católica no Rio Grande do Norte, o processo de sindicalização de trabalhadores rurais cresceu significativamente, sobretudo, em virtude da articulação realizada pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio Grande do Norte (FETARN), que buscava estabelecer diretrizes para a política sindical em nível estadual. Com o agravamento dos conflitos agrários na primeira metade da década de 1970, a FETARN, o SAR e demais organizações eclesiais que atuavam no campo, principalmente a Animação dos Cristãos no Meio Rural (ACR), promoveram diversos encontros regionais para discutir a problemática da questão agrária no estado. Essa aproximação permitiu, por um lado, o desenvolvimento de ações fundamentais para o acompanhamento das famílias envolvidas nos conflitos pela terra e, por outro, o fortalecimento da organização política no meio rural. Ainda assim, não foram suficientes para, naquele momento, forçar o Estado a realizar as primeiras intervenções na estrutura fundiária potiguar.

Portanto, conforme destaca Braga (2006), a política agrária implementada durante o regime militar brasileiro não permitiu qualquer avanço no processo de assentamento de trabalhadores do campo no Rio Grande do Norte, aliás, serviu de lastro para intensificar as contradições sociais e a repressão da luta pela reforma agrária. As estratégias de incentivo às grandes empresas privadas tornaram mais evidente a aliança estabelecida entre Estado e o “setor produtivo” e a oposição de interesses e projetos voltados para as questões sociais do campo. Nem mesmo a promulgação do Estatuto da Terra – que configurou-se enquanto importante mecanismo de regulação do território para a execução da política de reforma agrária – contribuiu para que fossem feitas quaisquer alterações na estrutura fundiária do estado potiguar, mesmo porque,

[...] o Estatuto da Terra de 1964 seguiu a tradição dos sistemas anteriores de permitir um discurso reformista ao governo mas impedir, de fato, uma quebra da tradição latifundiária da ocupação territorial. É verdade que modernizou os termos, humanizou os contratos, impediu velhas práticas semifeudais e pós-escravistas, mas na essência manteve intacta a ideologia da supremacia da propriedade privada sobre qualquer benefício social. Apesar da novidade do conceito de função social da propriedade introduzido no nunca aplicado Estatuto da Terra, a situação não ficou tão diferente dos séculos anteriores: a propriedade da terra continuou absoluta. A desapropriação é a velha medida do liberalismo, pois mantém a integridade do patrimônio individual. (MARÉS, 2003, p. 110).

Evidentemente, a militarização da questão agrária serviu de lastro para enfraquecer todas as tentativas dos trabalhadores rurais de lutarem pelo direito democrático à terra, bem como, inviabilizar a implementação da reforma agrária. Mesmo considerando a amplitude das diretrizes contidas no Estatuto da Terra, as estratégias de desenvolvimento agrícola praticadas durante o regime civil-militar impediam que a desapropriação dos latifúndios por interesse social fosse, efetivamente, concretizada. Durante o governo militar as políticas públicas de reordenamento da estrutura fundiária ficaram restritas, sobretudo, à esfera institucional, sem efetivamente sair do papel e, foram gradualmente substituídas pela política agrária de incentivo financeiro às grandes empresas que passavam a dominar as relações de trabalho e produção no campo. Como consequência disso, durante todo esse período não foi assentado nenhum trabalhador rural no estado do Rio Grande do Norte via política de reforma agrária federal.

Nesse contexto, são contabilizadas algumas ações pontuais de distribuição de terras no estado potiguar enquanto sinônimo de reforma agrária, sendo estas, oriundas da política estadual de colonização levada a cabo pelo Instituto de Terras do Rio Grande do Norte13 (ITERN). A atuação do governo estadual, naquele momento, se restringiu basicamente à criação de “[...] projetos de reforma agrária baseados na exploração econômica do caju, sorgo e culturas de subsistência na região da Serra do Mel, passando pela disseminação do cultivo intensivo do coco no Projeto de Assentamento Boqueirão, na região de Touros” (Rio Grande do Norte, 1979, p. 16). Neste sentido, Silva (2012) relata que os primeiros assentamentos rurais do Rio Grande do Norte foram implantados durante os anos 1970,

[...] período em que foram desenvolvidas, em vários estados da federação, algumas experiências de intervenção fundiária por meio de ações dos governos estaduais. São exemplos dessas ações estatais o Projeto Lagoa do Boqueirão, em Touros, iniciado em 1974 e o projeto das vilas rurais da Serra do Mel, na região Oeste Potiguar, inaugurado em 1975. Tais empreendimentos constituíram os chamados projetos de colonização e foram os primeiros assentamentos do estado. Um programa de reforma agrária via desapropriação por interesse social só se iniciaria no estado, de forma tímida, na segunda metade dos anos 80, acelerando-se a partir de 1995, período no qual houve um recrudescimento da luta no campo, acelerando-se a construção dessas unidades produtivas em todo território nacional. (SILVA, 2012, p. 87).

13 O Instituto de Terras do Rio Grande do Norte foi uma autarquia do governo do estado responsável pela desapropriação de imóveis, criação de projetos de reforma agrária e regularização fundiária. Foi extinto em 1999 com a Criação da Secretaria do Estado para Assuntos Fundiários e Reforma Agrária – SEARA (RIO GRANDE DO NORTE, 1999).

Essas, contudo, foram as únicas medidas de distribuição de terras no Rio Grande do Norte até o fim do regime militar sem, efetivamente, constituírem-se enquanto política pública de assentamento de trabalhadores rurais. Em virtude da inércia do Estado em mitigar as desigualdades do campo, os movimentos sociais estabeleceram novas frentes de luta e ações de ocupação a latifúndios em diversos municípios potiguares numa tentativa de conquistar condições de vida mais dignas. Assim, resguardadas as diferenças entre os diversos momentos da questão agrária norte-rio-grandense, o acesso à terra foi sendo promovido a custa de intensos conflitos e relações de disputa pelo território entre diferentes agentes sociais. A reforma agrária só entraria novamente na pauta das discussões governamentais após a implantação do I Plano Nacional de Reforma Agrária, momento em que, ocorreu o processo de redemocratização política do país e o estabelecimento das novas diretrizes governamentais para a execução das políticas públicas para o campo.

3.2 Breves notas acerca da política de reforma agrária no Governo Sarney (1985-