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Brincantes e foliões: diferenças etimológicas, semelhanças na brincadeira

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2 O CARNAVAL E A REPRESSÃO ATRAVÉS DOS DOMÍNIOS DE

2.3 ORDEM E DESORDEM NO CARNAVAL DE CHUMBO: subversão ou

2.3.1 Brincantes e foliões: diferenças etimológicas, semelhanças na brincadeira

Ao perceber as formas carnavalescas, independente de recorte temporal, uma distinção logo parece bastante clara de ser feita – existe um limiar que separa aquele que está envolvido diretamente com a festividade enquanto meio de sobrevivência, espaço de constituição de valores, tomada de elementos e perpetuação da tradição daquele que participa do folguedo intensamente, mas não faz deste seu meio de vida, não observa a brincadeira como negócio ou precisa desta para caracterizar-se enquanto elemento social ativo. Neste âmbito, brincantes e foliões, apesar de estarem localizados no mesmo universo cultural, consideram diferenças que são bastante pertinentes.

A respeito de como os brincantes são caracterizados, José Lins do Rêgo já nos dava uma dimensão da importância que tinha o brincante enquanto organizador da festa desde os bastidores até mesmo quando a agremiação colocava os pés nas ruas em Moleque Ricardo:

[...] Não é de hoje que brinco carnaval, porque se a gente afrouxar, a canalha acaba na rua com o bloco. Eu já vi um clube se acabar na Rua do Hospício. O presidente foi mole e quando se viu, a canalha caiu em cima das moças que foi aquela desgraça. A bandeira saiu nas mãos dos outros no deboche. Depois disso, Chico Cação abandonou o carnaval e não se meteu mais a presidente (REGO apud SOUTO MAIOR; SILVA, 1991, p. 386).

Este olhar sobre as responsabilidades de Chico Cação não distavam mesmo que houvesse uma diferença de vinte, trinta anos entre o relato de José Lins do Rêgo e o período dos Anos de Chumbo: a vitalidade empregada pelo brincante enquanto organizador, incentivador, gestor das ações que levavam a agremiação para as ruas em dias de desfile e negociação das subvenções pagas pela Prefeitura para a realização da temática escolhida para aqueles anos tornavam a vida destes homens bastante particulares desde cedo.

Zene dos Anjos, presidente em exercício do Clube das Pás e brincante ativa que esteve nas ruas com a agremiação durante o Carnaval de Chumbo, nos revela por meio de suas memórias que a preparação dos brincantes começava muito cedo, ainda em janeiro com pequenos bailes nas sedes sociais22, quando se arrecadavam fundos para contribuir com as fantasias e alegorias do desfile. Todo o trabalho era realizado conjuntamente, contando com a colaboração da comunidade e mantendo uma identidade associada a pessoas como mecânicos, engraxates, sapateiros, médicos, vereadores, professores, entre outros (informação verbal)23.

O caso do Clube das Pás é um entre tantos, assim como do Lenhadores de São José, do Madeiras do Rosarinho, Gigante do Samba e Maracatu Elefante que apresentam a manutenção de elementos que identificam um determinado grupo com o contexto no qual se inserem. Durante os Anos de Chumbo, o trabalho dos brincantes era diferenciado porque seus temas deveriam estar de acordo com a conjuntura, uma vez que as subvenções pagas dependiam também dos temas, assim como dos cadastros das agremiações na FECAPE e na Delegacia de Costumes.

As dificuldades eram maiores do que propriamente os ganhos com o Carnaval. Este nos parece ser um fato bastante presente em diversos exemplos analisados no decorrer da pesquisa, no entanto, há de se ressaltar a presença de espírito dos brincantes como um dos subsídios necessários para dotar a festa de alegria, motivação e energia, superando as dificuldades e ampliando os horizontes da cultura.

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É importante frisar, aqui, que nem todas as agremiações dispunham de sedes sociais na transição da década de 1960 para 1970 devido à condição social que se encontravam, representando pessoas de baixa renda em bairros humildes da periferia do Recife. No caso em questão, o Clube das Pás, apesar de ter em suas raízes uma origem ligada a carvoeiros ainda no século passado, apresentava uma organização que a distava de outras concorrentes do carnaval durante o recorte em tela.

Um segundo momento diz respeito à postura assumida pela maioria das agremiações brincantes no Carnaval de Chumbo: ainda segundo Dona Zene, o luxo era uma busca constante nas fantasias, mesmo com as dificuldades para montá-las. No entanto, a agremiação procurava manter um caráter apolítico, o que de certa forma conservava um distanciamento com as questões imediatas de envolvimento com o Estado Marcial, concentrando as atenções em montar a festa, ir para a rua e exibir o colorido das fantasias e a alegria própria daqueles que dedicaram um ano inteiro a montagem do trabalho (informação verbal)24.

Esse trabalho esmerado, exaustivo e prazeroso também podia ser observado em relação à montagem das fantasias dos foliões que gostavam de exibir sua alegria e seus coloridos nas ruas. O folião, em sua gênese, não tem obrigações reais em estar envolvido com os bastidores oficiais da festa – seu compromisso é com a diversão, é com o colorido e a invenção de formas de redesenhar a realidade que vive, de forma que se sinta em um estado mítico confortável o suficiente para se reconhecer enquanto parte essencial dos Dias Gordos.

Dessa maneira, o folião acaba por tomar conta de espaços diferentes e estabelece conexões inevitáveis com os brincantes, direcionando para si parte das responsabilidades pelo sucesso do Carnaval, entendendo principalmente que a construção daquele processo envolve, entre outras características, a formação de uma linguagem que rompe com o linear, funda o trágico, o épico e se utiliza de inversões que proporcionam um cruzamento ideal entre os eixos da contiguidade e da simultaneidade (PINHEIRO, 1995).

Visto tais fomentações, pois, observamos que não existem mais do que distâncias etimológicas entre os brincantes e foliões, uma vez que, mesmo em suas atribuições diferentes, desde a obrigação e prazer do primeiro ao livre uso da farsa como arma da diversão do segundo, a proximidade entre ambos referencia algo que já institui o carnaval como a travessia do avesso que embala os corpos numa loucura geral (PINHEIRO, 1995).

Entretanto, ao observar outro relato de brincantes, dessa vez de Dona Isabel Bezerra, presidente do Bloco da Saudade, percebe-se que, da mesma forma que não havia regra para se tornar um folião, assim ocorria com o brincante em determinadas ocasiões - para ser um deles, havia muito mais do que laços consanguíneos ou mesmo participação efetiva nos combates por subvenções junto à Comissão Organizadora do Carnaval (COC)/Comissão Promotora do Carnaval (CPC) e Empresa Metropolitana de Turismo (Emetur) – contavam, nestas veredas, o sentimento envolvido para com a farsa. O brincante poderia confundir-se com um folião e dele emanar o sentimento em possuir sua própria agremiação como uma representação, uma

alegoria que simbolizava sua devoção ao reinado de Momo, como se depreende no relato da brincante/foliã: É, brincar o carnaval [...] eu realmente conheci o carnaval em 1977 [...] de 1968 a 1975 eu não ia pro carnaval. Então em 1977 foi que eu comecei a brincar no Bloco da Saudade, num grupo de amigos que nos convidaram para participar. Então eu fui ver o que era o bloco e nos encantamos [...] até hoje (informação verbal)25.

O caso de Dona Isabel não é isolado, uma vez que nasce da observação, muitas vezes, um sentimento tão grandioso pelo carnaval que leva um simples folião a confundir-se com os brincantes, envolvidos por outras questões (até mesmo históricas) com a festa, guardados as devidas proporções de seus papéis, história e motivações que os fazem participar diretamente do processo carnavalesco. Entre estas diferenças, estava o caráter independente do Bloco da Saudade, que não recebia subvenções das autoridades ligadas ao Carnaval de Chumbo. A origem diferente do Bloco pode ser referenciada pela fala de Oliveira (apud AMORIM, 2008, p. 55):

A origem dos blocos se liga à rapaziada que gostava de fazer serenatas e vinha também às ruas, em dias de carnaval. Acabaram por organizar-se famílias inteiras, pais com suas filhas, maridos com suas esposas, namorados e namoradas, todos pertencentes à classe média, moradora em bairros burgueses, gente a quem não agradava o rojão do frevo, nem mistura com o povo.

Essa distância entre o Clube das Pás e o Bloco da Saudade, como exemplos das fronteiras que poderiam separar brincantes e foliões (e até mesmo brincantes deles próprios) em alguns aspectos e aproximá-los em outros, representa as diversas formas pelas quais a festa encontrava seu modo de acontecer. Mesmo considerando tais fundamentações, ambas as agremiações colocaram seus membros nas ruas e clubes e passaram a preocupar-se com um objetivo em comum: colorir o carnaval, respeitar a lei de Momo e motivar a diversão, o riso e o esquecimento de anos conturbados que envolveram muitos aspectos ligados a fatores políticos, enfatizando que as pessoas também deviam pensar em seus espíritos jocosos, em suas tantas maneiras de representar a identidade, a alegria e a tradição dos Dias Gordos.

No entanto, é pertinente concordar com Vila Nova (2007) quando este cita que o Carnaval produzido mediante a visão parca e incompleta de uma festa democraticamente integrante dos espaços ocupados por toda população ainda é bastante difundida. De fato, há um pouco dessa referência pelo olhar que se pode ser feito nesta aproximação e nessa distância que existe entre o brincante e o folião, onde no limiar de suas atuações no brinquedo

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se tem as problematizações referentes ao cotidiano social brasileiro. Em especial, a década de 1970 apresentou contrastes que são bastante destacados, estabelecendo as raias existentes no Carnaval pela presença dos cordões de isolamento e das arquibancadas que eram instaladas no meio das ruas, separando os personagens não meramente por uma questão organizacional, mas especialmente econômica, embora culturalmente estivessem estreitamente próximos.

Ortiz (apud VILA NOVA, 2007) nos dá outra compreensão possível acerca dessa situação existente no recorte em tela, apresentando o carnaval brasileiro como uma consequência da dominação processual capitalista que se desenvolvia no país à altura dos anos do chamado milagre brasileiro:

Em momento nenhum a ordem do cotidiano deixa de existir. Pode-se argumentar ainda que as inversões são segmentadas e estratificadas. Não é por acaso que se exagera a ritualização da inversão sexual, mas são reduzidas as inversões de caráter propriamente político. A própria divisão da folia em classes contribui para isso. [...] Contesta-se a posição do rei, mas nunca a autoridade real, os gestos não são revolucionários, mas simplesmente rebeldes (ORTIZ apud VILA NOVA, 2007, p. 34).

No momento em que observamos esta realidade se transparecendo no Carnaval de Chumbo do Recife, podemos ter um horizonte de compreensão a partir de matérias como se depreende no Diário da Manhã de 22 de janeiro de 1973, quando da organização do Carnaval Nelson Ferreira26: o presidente da Comissão Promotora do Carnaval (CPC), professor Alfredo de Oliveira, solicitava maior concentração do desfile do Corso nas ruas centrais da cidade, uma vez que por conta das brincadeiras desmedidas, pela descentralização dos carros no cortejo e pela separação econômica presente nesta farsa exclusivamente (presença de veículos automotivos como caracterização), o Carnaval do centro estava perdendo espaço para os pequenos eventos que aconteciam nas periferias, tendo as autoridades da festa uma maior preocupação em trazer as atenções para as principais artérias do coração da cidade.

Esta atitude nos permite perceber que o Carnaval de Chumbo deixava bem claros estes contrastes sociais comentados por Ortiz (1994) a partir do momento em que a maioria dos foliões se concentrava em eventos localizados nos bairros onde residiam por dois motivos: não teriam que brincar isolados por um cordão nem estariam sendo alvo de vigilância do policiamento ostensivo, podendo curtir o momento sem maiores preocupações e olhares das autoridades sobre suas fantasias, objetos e comportamentos. Normalmente, nos carnavais de periferia se localiza todo um conjunto de atitudes e valores que mantém o caráter de

26 No quarto capítulo, ao realizar a descrição dos Carnavais pelos olhares da Imprensa, destacamos a iniciativa

resistência apresentado pela cultura diante de modificações impostas pelos sistemas políticos e os personagens, fossem brincantes ou foliões, são os melhores exemplos dessa observação, a partir do instante que reúnem um conjunto simbólico de atitudes que se refletem enquanto constituintes de uma realidade idealizada. Bourdieu (2007b) oferece-nos esta compreensão, percebendo um poder simbólico que estabelece o paradigma onde:

A razão e a razão de ser de uma instituição (ou de uma medida administrativa) e dos seus efeitos sociais, não está na „vontade‟ de um indivíduo ou grupo mas sim no campo de forças antagonistas ou complementares no qual, em função dos interesses associados às diferentes posições e dos habitus dos seus ocupantes, se geram as „vontades‟ e nos qual se define e redefine continuamente, na luta – e através da luta – a realidade das instituições e dos seus efeitos sociais, previstos e imprevistos.” (BOURDIEU, 2007b, p. 81).

Assim, perceber as fronteiras entre brincantes e foliões representa o reconhecimento de que as produções sociais históricas são resultado de confrontações existentes a partir da constituição de um pensamento e ação universais que partem de interesses particulares. Se existe uma dicotomia entre conceitos e constituição desses dois grupos, significa ao mesmo passo reconhecer que, dado momento, estes se aproximam e determinam as fundamentações para que exista um lugar onde as categorias fundantes do jogo de poder (BOURDIEU, 2007a, p. 72) demonstrem uma visão e um sentido dos mundos social e natural que norteiam as ações desses dois grupos.

O rompimento de entraves e dificuldades a estes impostas pelas legislações presentes no Carnaval de Chumbo os colocava em situação de escolha – participar da farsa utilizando todas as suas características, fossem permitidas ou não (no caso de determinados foliões, especialmente os da rua), ou render-se às imposições culturais dos tempos ditatoriais. Significava uma escolha entre a participação no Reinado da Alegria ou o trancafiar-se psicologicamente no Império da Tristeza.

2.4 CARNAVAL DE CHUMBO: império da tristeza ou reinado da alegria?

O que existe na fronteira entre o choro e o riso? No Carnaval, estes dois estados de espírito se confundem no passo do folião, no colorido das fantasias, no entusiasmo da orquestra ao tocar um ritmo como o frevo ou no passo da flauta dos caboclinhos e até mesmo nos tambores silenciosos dos maracatus. Entretanto, é preciso atentar para o fato que tanto a alegria como a tristeza, nos Anos de Chumbo, não se apresentaram apenas enquanto sentimentos ligados às festividades momescas – seu sentido passa por uma amplitude que envolve, principalmente, conceitos antes mencionados como o estabelecimento da ordem e a preocupação com os excessos.

Desta forma, observar como alegria e tristeza transitam no Carnaval de Chumbo do Recife é realizar um exercício de observação das imagens que caracterizaram esse tempo, uma vez que as expressões captadas, as reações apresentadas e as relações desenvolvidas entre os segmentos sociais envolvidos no evento nos permitam determinar as fronteiras existentes entre a brincadeira e sua tentativa de normatização diante da busca pelo controle dos sentimentos para que os mesmos não fossem vistos enquanto de mau gosto, ofensivos ou perigosos aos olhos das autoridades.

Esta preocupação fica expressamente clara em diversas matérias que circulam nos periódicos do Recife durante o período em questão. A preocupação primordial é deixar a população ciente de que existem olhares atentos para a forma como estes sentimentos estão sendo evidenciados por aqueles que estão na brincadeira, posteriormente passando a falsa impressão de que as autoridades apenas buscam o bem de todos pela ostensividade que empregavam.

Craveiro (1970a), em sua coluna semanal do Jornal do Commercio veiculada em 05 de fevereiro de 1970 aborda que o Carnaval era para ele não a alegria que tomava as ruas e salões dos clubes, mas antes representava um sentimento profundo de tristeza. Esta era a feição na qual idealizava uma festa que não veria mais, uma vez que os valores haviam sido invertidos por aqueles que brincavam e, principalmente, pela presença das autoridades que se faziam mais presentes, especialmente coibindo as travestis (tipos característicos do escárnio e da alegria) de forma mais contundente.

Observando a forma como Craveiro (1970a) coloca-se diante do Carnaval, podemos entender que o mesmo apresenta um olhar de parca amplitude da festa. Mesmo que houvesse de fato uma mudança nos valores e atitudes, como se observava na euforia desmedida do mela-mela ou até mesmo na quantidade considerável de policiamento nas ruas, os Dias

Gordos eram determinados pela forma como as fantasias se misturavam ao calor dos passos de frevo, da cerveja gelada, do calor e clima da cidade. Durante o dia ou à noite, o folião estava nas ruas e nos clubes ativamente, buscando divertir-se e deixar de lado, momentaneamente, seus problemas, vendo as festividades como uma solução temporária para recobrar os sorrisos encerrados no fundo de suas almas em decorrência da dureza apresentada pelos Anos de Chumbo.

Este retrato apresentado do folião pode ser mais bem visto através das expressões dos jovens que estiveram nas festas durante as décadas de 1960 e 1970. Juventude ativa, com muitos valores e questionamentos diferentes de seus pais, estes buscaram transparecer na farsa os novos conceitos de mundo que carregavam consigo e entendiam serem as melhores formas de comportamento. Destarte, o que na visão das autoridades e algumas pessoas mais tradicionais eram um comportamento exagerado e de mau gosto destes jovens, para muitos era visto como uma subversão suave que se traduzia numa canção ou sorriso usado para “aguçar a arte de ler nas entrelinhas, de oferecer à adivinhação o óbvio” (DIAS, 2003, p. 51).

Foto 5 - A juventude “brincava à valer” e não cumpria determinações

da Portaria Municipal.

Fonte: Diario de Pernambuco, 27 de fevereiro de 1973. Fundo APEJE,

Recife/PE

Fosse pelo ácido tomado durante os três, quatro dias do Carnaval, ou seguindo o modo Leila Diniz de ser, através de uma liberdade desmedida (DIAS, 2003), esta juventude que fez ativamente o Carnaval de Chumbo ao lado de antigos valores contrastava motivos para determinar as fronteiras da alegria e da tristeza presentes em muitos aspectos durante a festa

de Momo. A rua e o clube eram o lugar onde a alegria se traduzia pela substituição da liberdade política por outras liberdades como a sexual, a de tomar drogas ou se pensar em realizar a loucura que se queira (DIAS, 2003). Assim, a patota ia mudando os conceitos de uma época e determinando o que era careta ou bacana.

Posto isso, os conceitos de Império da Tristeza e Reinado da Alegria foram determinados nestas duas direções – na brincadeira de Carnaval que ultrapassava os limites ou se apresentava enquanto cumpridora de certas determinações das autoridades em nome do colorido da festa; e nas proibições e perseguições a costumes e práticas da farsa. Ambas dividiram espaços que puderam ser direcionados nestas considerações.

A este respeito, novamente Craveiro (1970c), desta vez em sua coluna Meditações de Momo no Jornal do Commercio do dia 06 de fevereiro de 1970 apresentou o sentimento que era expresso por boa parte da população que costumava ver o Carnaval enquanto a preservação de velhas tradições. Agora, a festa transitava entre a alegria de um período onde retomava a personalidade infantil, brincando entusiasticamente, porém com limites; e a tristeza de mudanças tão significativas que faziam daqueles anos um conjunto de inovações (a seus modos incompatíveis com a tradição). Segundo o jornalista:

Por que devo ser coagido pelos carnavalescos que não respeitam o direito do próximo? A resposta a esta questão envolve problemas éticos que talvez não sejam esclarecidos sem colocar-se em dúvidas conceitos sobre civilização e seus estágios. Porque reajo ao „slogan‟ de que os incomodados se mudam, aqui estou pronto para responder aos desafios (CRAVEIRO, 1970c, p. 8).

Pensando nestes desafios, ou seja, em colocar a tradição diante da mudança e promover a transição entre a alegria de uns, em detrimento da tristeza de outros, as autoridades mediavam o discurso da ordem como justificável para estabelecer o limiar entre os conjuntos de atitudes aceitáveis ou não para caracterizar a festa e não observar um momento de embate cultural que ameaçasse a primeira.

Assim, uma explicação possível é observada nas palavras do jornalista e letrista de Carnaval Antônio Maria. Segundo este, é preciso entender o Carnaval do Recife enquanto

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