• Nenhum resultado encontrado

EM NOME DA ORDEM: as leis de segurança nacional e segurança pública

No documento Download/Open (páginas 131-147)

2 O CARNAVAL E A REPRESSÃO ATRAVÉS DOS DOMÍNIOS DE

3.3 EM NOME DA ORDEM: as leis de segurança nacional e segurança pública

O assunto Segurança, por si, tornou-se delicado. Dentre suas diversas explicações e definições, uma ganha fôlego nesta temática: aquela onde se justifica sua aplicabilidade para garantir as formas expressas, desde séculos por legislações, para garantir os direitos fundamentais do Homem e do Cidadão. Com o objetivo de estabelecer um campo de atuação

organizado para a liberdade de expressão e pensamento, o direito de ir e vir, a igualdade entre os membros de uma sociedade, a manifestação cultural, dentre outros a Segurança surgiu como instrumento aplicado por vias do Estado, detentor das técnicas de manipulação desta de maneira correta e planificada, com o intuito de garantir o exercício das faculdades humanas fundamentais requeridas enquanto reconhecimento dos cidadãos como elementos ativos de um determinado corpus social.

Ao longo da História, vários teóricos do pensamento político trouxeram à discussão os principais fundamentos constantes na questão da palavra Segurança, bem como as formas pelas quais deveria ser guiada sua aplicabilidade. Decerto, percebemos que a Segurança foi um elemento variável, pois tinha seu campo de atuação limitado à variabilidade social a qual precisava adaptar-se para determinar as regras que deveriam ser cumpridas mediante um acordo social (ou aquilo que Rousseau também chamaria de Contrato Social) ou até mesmo através da coerção, do uso da força e de um aparato humano especialmente preparado para situações adversas. O Brasil, durante os Anos de Chumbo, optara por escolher o segundo caminho.

Segundo elucidou o jurista e jornalista Fidélis (1979), o Regime Militar Brasileiro utilizou-se da palavra Segurança como um escudo para garantir sua manutenção e prolongar sua estadia no poder. Com ações e ideologias pautadas pelo Sistema de Defesa Norte- Americano, os militares brasileiros impuseram à sociedade brasileira pós-1968, através da Lei de Segurança Nacional n° 898 de 29/09/1969 complementar ao Ato Institucional nº 5, que se expressava por meio de normas que prevaleceram sobre todos os direitos da sociedade, explicitando os ideais de uma classe que mais parecia estar vivendo um clima de guerra ante a população civil. Tentar ilustrar essa situação:

[...] Cumpre relembrar que a continuidade da segurança nacional significa não só uma constelação satisfatória de certos fatores militares, mas também de elementos políticos, econômicos e sociológicos. Uma ameaça à segurança nacional pode provir de uma dentre muitas direções e envolver estes ou aqueles de seus elementos essenciais; mas a perda ou subversão de qualquer deles assinalará a perda final dos outros (FIDÉLIS, 1979, p. 34).

Neste intuito de manter, acima de qualquer suspeita, a ordem e a segurança nacional, não somente os setores político, econômico e social foram afetados. Na área cultural, notadamente no Carnaval, o Recife vivenciou um exemplo de legislação específica para as festividades no ano de 1968, perdurando até 1975 que era composto por uma série de

atribuições aos foliões em consonância com a Lei de Segurança Nacional em vigência. Este dispositivo, conhecido por Portaria Municipal ou Lei de Segurança Pública do Carnaval, seguiu os mesmos moldes ideológicos da sua referente federal: busca pela preservação dos bons costumes, evitar o abuso da liberdade, limitar o excesso nas brincadeiras, banir qualquer forma de uso de psicotrópicos (lança-perfume, maconha, solventes e demais produtos), coibir o uso de trajes impróprios em relação aos conceitos de família e moral eram apenas alguns dentre os exemplos que a mencionada legislação apresentou.

Pelo termo Segurança Nacional, a Escola Superior de Guerra (apud FIDÉLIS, 1979, p. 2-43) o definia como sendo “o grau de garantia que através das expressões do poder nacional o Estado proporciona à nação. As expressões do poder nacional eram: política, psicossocial, econômica e militar”. Essas práticas deveriam, de acordo com a ideologia democrática, manter a liberdade e a garantia de ação plena, acesso e expressão ao povo brasileiro mediante as mãos dos governantes por intermédio do Estado. No entanto, o que observamos foi exatamente o contraponto da proposta descrita pela Lei: a garantia do Estado Autoritário se fez mediante a negação, perseguição e repressão àqueles que deveriam ser beneficiados pela legislação em favor de um discurso que prezava, antes de tudo, por uma sociedade doutrinada, pautada em um conjunto de possíveis relações de convivência que pudessem aceitar as determinações sem contradições ou levantes para que o Estado conduzisse seu objetivo de maneira tranquila, sem grandes conturbações35.

Enquanto referencial, o Estado assumiu o papel de organizador das ações em torno do estabelecimento de um plano de Segurança Nacional voltado para medidas que se faziam justificáveis através da necessidade que o povo brasileiro tinha em possuir uma nação coesa, organizada e bem estabelecida em termos de objetivos e metas, fossem essas ligadas aos setores básicos como saúde, transporte, educação ou aos demais como indústria, fundo monetário, etc ou simplesmente mantenedoras do Estado de Direito. Dessa forma, as estruturas de dominação se valeram do caráter plural da gramática para exercer uma dominação ideológica a partir do abuso do poder sobre os grupos sociais. Esse discurso empregado pela violência também simbólica do Estado pode ser entendido segundo as ideias encontradas em Orlandi (2007), Bourdieu (2007a) e Van Djik (2008).

Para uma melhor definição, direcionados pela Análise Crítica do Discurso, optamos por identificar o Estado como dominante, uma vez que buscamos enfatizar as práticas da Lei

35 Isso pode ser observado a partir da Emenda Constitucional nº 1, de 1969 em seu art. 86, onde dizia que “toda

de Segurança Nacional e da Portaria Municipal, bem como por dominados os sujeitos sociais que delas foram agentes receptores, emitindo igualmente respostas posteriores. Assim, essa dominação se deu, especialmente, mediante alguns critérios, a saber: a) as relações de dominação se estabeleceram por via de um posicionamento e ideologia dos que estavam sofrendo sua ação; b) as experiências dos dominados também contribuíram para a tecedura do discurso dominante; c) as ações dos dominantes passaram pelo questionamento acerca da legitimação ou não de seus discursos; d) houve momentos de instabilidade entre dominantes e dominados36.

Tais critérios provocaram um abuso do poder que foi avaliado no sentido de um discurso capaz de, através da legislação, impor à sociedade elementos silenciadores, provocando um contra-argumento que ansiava por libertar-se, por ser reconhecido no tecido social em que se manifestava, sendo coibido pelos primeiro através de métodos rigorosos de controle. De outra forma, seria reconhecer que “o controle se aplica não só ao discurso como prática social, mas também às mentes daqueles que estão sendo controlados, isto é, aos seus conhecimentos, opiniões, atitudes, ideologias, como também às outras representações sociais ou pessoais” (VAN DIJK, 2008, p. 18).

Cabe aqui relembrar que o controle e a vigilância representavam a consolidação do Estado Autoritário e essa unilateralidade cerceadora do poder mostra que, acima de tudo, houve um arrefecimento da participação dos cidadãos na vida pública devido às buscas, capturas, torturas e assassinatos praticados pelos militares e pela polícia (HUGGINS, 1998). Neste caso, o estudo de Martins (2004) merece destaque quando este exemplifica que a intenção contida nas ações do Estado de Exceção primava, sumariamente, pela alienação total das consciências que envolviam aqueles elementos sociais engajados na luta contra o regime, de modo que atingissem um estado ideológico onde a negação de seus preceitos acabaria por se tornar uma verdade não imposta pelo mecanismo da força, mas reconhecida pelo próprio militante como ineficiente.

Da mesma forma que o Estado exercia essa mediação mental, este também deixava alguns poucos espaços de real liberdade e mais lugares de formação de resistências por parte daqueles que eram subjugados. Neste caso, o poder só tornou-se um instrumento de controle social a partir do momento em que houve a “violação de normas e valores fundamentais no interesse daqueles que têm (tinham) o poder e contra os interesses dos outros” (VAN DJIK,

36

Para uma melhor compreensão de como os discursos políticos influenciam leituras semióticas partindo de uma compreensão de que as palavras são as primeiras formas de exercer arbitrariamente o poder, ver Van Dijk (2008, p. 15).

2008, p. 29). Os abusos de poder significaram “a violação dos direitos sociais e civis das pessoas” da maneira como se processou no Brasil a partir de dezembro de 1968, após a adoção do AI-5 (VAN DJIK, 2008, p. 29).

Enquanto instrumento representativo da força e da disciplina, a Lei de Segurança Nacional utilizou-se da censura como arma para atingir seus objetivos sobre a população não levando em conta que a mesma tinha interesses e aspirações37. A finalidade de censurar estava, além de outros propósitos, na manutenção da ordem e no impedimento da subversão. Assim, o Carnaval, enquanto festa de rua e de espaços fechados no Recife demonstrou (sobretudo porque pode – e deve - ser classificado como elemento sem regras legislativas) um espaço da liberdade, do riso, do escracho, da baderna e da brincadeira que seria difícil determinar ou considerar que fossem de caráter atentatório, subversivo ou ofensivo à moral e aos bons costumes dentro da manifestação cultural. Observamos, porém, que a Lei de Segurança Nacional procurou enquadrar-se ao âmbito cultural das festas de rua e postar-se além do disposto para a política. Atuando através das Delegacias de Censura e Diversões Públicas (DCDP), as autoridades militares se fizeram presentes através das Portarias Municipais.

A partir de 1969, as Forças Armadas passaram a atuar diretamente nos casos considerados de subversão ou na espionagem e intervenção policialesca, estando mais presente no combate aos inimigos do Regime. Até então, esta função pertencia aos órgãos ligados às polícias estaduais, como é o caso das Delegacias da Ordem e Política Social (DOPS), mas que passaram a ser taxadas pelas próprias Forças Armadas de incompetentes na caça as bruxas. Esta delegação de poderes aos órgãos estaduais pode ser explicada através do Decreto-Lei n° 667 de 02 de julho de 1969, que reorganizava as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros de acordo com os preceitos da Segurança Nacional. Aplicada ao Carnaval, podemos perceber duas diretrizes nas quais os policiais estavam diretamente envolvidos em sua atividade dentro dos festejos, como:

a) art. 3°, (Inciso b)  atuar de maneira preventiva, como fôrça de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem.

b) art.3°, (Inciso c)  atuar de maneira regressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprêgo das Forças Armadas (BRASIL, 1969a, p. 1394).

37

“[...] Cerceando, limitando, proibindo, a censura trata cada um de nós como crianças, como imaturos, como débeis mentais, sem capacidade de escolha, de livre arbítrio” (Ignácio de Loyola Brandão, escritor, autor do romance Zero).

Promovendo uma tentativa de normatização e o controle da brincadeira, o Estado Militar, em sua esfera municipal, imaginou que poderia silenciar em partes o riso, determinar até que ponto haveria irreverência e o que realmente seria considerado expressamente proibido. Essa normatização adotou caracteres civis através da chamada Federação Carnavalesca de Pernambuco (FECAPE), que orientava as agremiações presentes de acordo com a legislação estatutária no Carnaval Recifense desde a década de 1930. O fato é que algumas modificações foram iminentes, como aquelas que atendiam a preceitos da Segurança Nacional referentes a usos de trajes, psicotrópicos e armas, fossem de brinquedo ou não; tendo em outros casos os legisladores buscado contar com a colaboração dos brincantes em torno do estabelecimento de um ambiente pautado na ordem e até certo ponto livre, contanto que não fossem cometidos exageros, como o mela-mela, o uso de máscaras após as 20h sem autorização expressa, o uso de bebida alcoólica em demasia, etc.

Porém esperar que o Carnaval se utilizasse de tais métodos clamados pelas autoridades dos Anos de Chumbos no Recife seria uma exigência além das faculdades aplicáveis ao Carnaval, uma vez que não se podia modificar uma brincadeira milenar como esta repentinamente, nem mesmo para atender às leis do país em vigência. É importante relembrarmos que a ordem do Carnaval estabelece um reflexo da sociedade naquilo que ela tem de mais comum, naquilo que está na tradição e pertenceu ao povo como conjunto de práticas enraizadas há bastante tempo, sem sofrer grandes mudanças estruturais a menos que fosse pelas práticas e invenção dos próprios brincantes. Sobre essas modificações, o compositor Capiba escreveu que a experiência vivida em mais de trinta e oito carnavais lhe permitira concluir que não se podiam modificar, de maneira alguma, os festejos consagrados a Momo, suprimindo certos elementos de destaque do Carnaval Recifense; caso isso ocorresse, as tradições do mesmo estariam morrendo. Elementos característicos da brincadeira como fantasias não eram ao lado das máscaras, as únicas alegorias proibidas, o mesmo exemplo era válido também para minissaias, biquíni e a presença das travestis nos festejos momescos. Na fala do compositor: “[...] não se pode deter a marcha do tempo”. “Eu já tenho dito – observou – inúmeras vezes, que é muito perigoso se pensar em modificar os folguedos populares e não se pode impor ao povo o que ele deve fazer para se divertir” (PROIBIR..., 1968, p. 6).

No entanto, mesmo com as palavras de Capiba, as modificações buscaram ser feitas pelas autoridades em nome dos preceitos morais e da segurança. Desta forma, o Secretário de Segurança Pública, o Gal. Adeodato Mont‟Alverne, às 18 horas do dia 15/02/1968, baixou a primeira das Portarias Municipais ao longo dos Anos de Chumbo, buscando disciplinar o

Carnaval, hábito que vigoraria no seio das autoridades policiais até 1975. Pela mesma, estavam proibidos, por exemplo:

Art. 1º:

 Qualquer tipo de brincadeira que fizesse referência ao entrudo, como lança-perfume, goma, sacos d‟água, pó, talco e semelhantes;

 A execução, por cântico ou instrumento, de hino nacional ou estrangeiro;

 O uso de bandeira ou símbolo de qualquer instituição, particular ou pública, inclusive a bandeira da Cruz Vermelha;

 O ultraje a crenças religiosas ou instituições nacionais/estrangeiras;

 A apresentação de dísticos ou canções ofensivas a autoridades, corporações militares ou instituições religiosas;

 O uso de vestes que se assemelhem a instituições militares ou religiosas;

 Obrigatoriedade no uso de trajes que façam jus a moral e bons costumes, inclusive nos locais que peçam tal prerrogativa;

 O uso de máscaras após as 20h, salvo se tiver autorização especial para tal;  O uso de animais para fins carnavalescos, com exceção de bandas de clarins;

 O fornecimento de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos e a quem já estivesse embriagado ou a deficientes mentais;

 Qualquer motorista que transportar elemento que conduza consigo objetos nocivos à saúde ou então trajes inadequados;

 A qualquer motorista dar carona a passageiros nos pára-lamas, pára-choques, capotas ou capuzes dos veículos;

 Levar para o Corso, caminhões com peso superior a cinco toneladas;

 Dirigir, em qualquer circunstância, sem os devidos documentos de habilitação;  Dirigir em estado de embriaguês bem como perigosamente, transgredindo qualquer

norma de trânsito;

 A exibição de qualquer conjunto carnavalesco que não esteja devidamente licenciado pela Divisão de Licenciamento das Diversões Públicas da Secretaria da Segurança Pública;

 O encontro frontal de conjuntos carnavalescos de forma a produzir choques. Art. 5º:

 Estava proibido o porte de armas desde o dia 23 até o dia 28, salvo se o portador estivesse enquadrado nos serviços de segurança pública e estivesse em efetivo exercício.

Art. 6º:

 Os transgressores serão enquadrados no Código Penal e na Lei de Contravenções Penais em diversos artigos.

Art. 7º:

 A realização de qualquer baile, em âmbito particular, fica a cargo do licenciamento da Divisão de Diversões Públicas, após a satisfação de todas as exigências, inclusive do

pagamento de taxa estipulada por lei em vigor (PERNAMBUCO, 1968, p. 1490)38.

Como se pode ver, a Lei de Segurança Pública voltada ao divertimento do Carnaval Recifense foi um instrumento cerceativo de muitas características praticadas há anos pelos brincantes. As autoridades se faziam presentes nos locais de agitação foliã através do discurso que justificava apenas a fiscalização da brincadeira, cabendo ao folião a forma como ele iria

38 Os exemplos mostrados são grifos nossos para artigos da legislação normativa municipal em relação ao Carnaval do Recife. A legislação completa encontra-se no Diario de Pernambuco, Primeiro Caderno, p. 8, 16/02/1968 por meio da matéria “Secretário da SSP baixou portaria, disciplinando o Carnaval”. A referida portaria consta do número 71.

se comportar, dando a entender que o Carnaval deveria ser dotado de elementos que reprimissem sensações, exaltações ou qualquer tipo de comportamento considerado subversivo mediante a Portaria Municipal.

Não custa reforçar que o conceito de subversivo, para o Carnaval, não difere muito do que fora determinado pelo Regime Militar para outros exemplos observados na sociedade da época como Movimentos Estudantis, Partidos Políticos, expressões artísticas como teatro, cinema e música, entre outros. Apesar deste tipo de subversão conter elementos próprios, no Carnaval, vários segmentos da sociedade formavam o universo dos brincantes, que almejavam expressar seus sentimentos, revelar suas alegrias, praticar suas transgressões e entrar no universo de Momo de maneira espontânea, sem regulações ou vigília, pois viviam neste imaginário durante o ano inteiro, sendo as festas momescas uma forma de escapar à rigorosidade da época, já que os representantes de Estado não poderiam (e até onde entendemos, não pretendiam) impedir a realização das mesmas. Entretanto, igualmente não hesitariam em agir ostensivamente para que a força de suas diretrizes fosse respeitada.

Em nome da ordem, da moral e dos bons costumes, faltando dias para a folia acontecer de verdade, o General Mont‟Alverne esperava contar com a colaboração da população para fazer do Carnaval uma festa tranqüila durante o ano de 1968. Segundo o mesmo, o povo pernambucano sempre contribuiu para o brilhantismo da festa máxima e o carnaval daquele ano não fugiria à regra. As palavras do mesmo foram:

O que existe na realidade é uma minoria que vê no carnaval oportunidade propícia para a prática de atos repelentes, empanando os festejos carnavalescos. Contra estes, a polícia agirá com o máximo rigor, porquanto não se pode admitir que meia dúzia de desajustados esteja a intranqüilizar a grande maioria que vai às ruas ou aos clubes animada pelo propósito de se divertir (SECRETÁRIO..., 1968b, p. 10).

Realizando um cotejo com as palavras do ex-arcebispo emérito de Olinda e Recife, perseguido e prontuariado pela polícia política em Pernambuco (DOPS), Dom Hélder Câmara, percebemos que o mesmo tinha uma opinião clara acerca da atuação, em diversas esferas da sociedade, dos agentes militares e denunciava ao povo, por meio da imprensa e das representações episcopais sociais a forma como eles agiam em quaisquer ocasiões, ferindo até mesmo os princípios da Lei de Segurança Nacional: “Não há ordem de prisão devidamente assinada e datada por autoridade competente e com indicação de motivo. Sempre com violência extremada, depredação de residência, e até no trabalho. Usam viatura sem identificação oficial” (MACIEL, 2000, p. 23).

O ano de 1969 não fugiu à regra. Capiba, que um ano antes expusera sua insatisfação quanto às posturas das autoridades perante a modificação do Carnaval, externou através de um frevo-canção seu sentimento em relação ao que estava sendo feito com a festa:

Na minha Rua

Tinha um lampião a gás Iluminando o céu E, hoje, não tem mais! Tiraram tudo!

Lhe tiraram toda a paz: A Rua ficou triste! Isso não se faz! O trovador

que cantava canções Lindas canções de amor, Ah!

Ah!

Hoje não canta! E a Rua, tão triste, Não mais viu seu cantor!

Até as flores murcharam E nunca mais

Ninguém viu a Lua! Hoje, não há alegria: Só há tristeza

Na Minha Rua! (CAPIBA, 1969).

É interessante ainda considerar que, em Pernambuco, o ambiente de agitação, de efervescência não foi muito diferente de outros estados. O fato destacável girava em torno das manifestações de diversos cunhos, sobretudo políticos e estudantis que aconteceram ainda próximas ao mês do Carnaval (notadamente em Janeiro) e estarem dotados de um forte espírito lúdico e uma espontaneidade que já prenunciava a festa, mesmo que aquele fosse contido em certa medida, como ilustra Lima (2008, p. 173): “Mas como a censura, desde que o Golpe se instalou, era frequente, nem sempre se podia contar com esse momento lúdico- crítico, que ia preparando os espíritos pernambucanos para a brincadeira geral que já era anunciada no mês que precedia o carnaval [...]”.

Assim, a partir de 1970, o mês de fevereiro, mês do Carnaval, festa onde o público dita suas próprias leis e determina os limites de sua brincadeira de acordo com sua disposição,

No documento Download/Open (páginas 131-147)