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Busca por informações junto à população

2. QUADRO REFERENCIAL CONCEITUAL

3.2 Busca por informações junto à população

Buscou-se obter informações que pudessem dar o mínimo de embasamento sobre as condições com que são feitos os deslocamentos nos morros da cidade. O objetivo da coleta das informações foi tentar confirmar uma realidade já conhecida nos morros do Recife, por meio da escuta de pessoas com conhecimento profundo da comunidade, da dinâmica de circulação e das necessidades reais da microacessibilidade.

A escuta dessas pessoas se deu na tentativa de registrar dados relacionados à necessidade de deslocamento por meio motorizado, ou não, para as atividades diárias com trabalho, estudo e

ainda outras menos frequentes como compras e lazer. Sem dúvida que um registro com maior nível de sistematização, por meio do uso de técnica de entrevistas estruturadas, por exemplo, se faz necessário para a apreensão, na sua completude, da questão da acessibilidade e microacessibilidade nos morros recifenses.

Quando se trata de coleta de dados, a entrevista também se mostra como importante técnica de investigação científica. Segundo Marconi e Lakatos (2007, p. 93), há três tipos de entrevista:

 Padronizada ou estruturada: é aquela em que o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido; as perguntas feitas ao indivíduo são predeterminadas.  Despadronizada ou não estruturada: o entrevistado tem liberdade para desenvolver cada situação em qualquer direção que considere adequada. É uma forma de explorar mais amplamente uma questão.

 Painel: consiste na repetição de perguntas, de tempo em tempo, às mesmas pessoas, a fim de estudar a evolução das opiniões em períodos curtos.

No âmbito da entrevista padronizada, Selltiz et al. (1987, p. 287) conceituam os tipos de pergunta como Perguntas com “alternativas fixas” e Perguntas “abertas”. A pergunta com alternativa fixa, ou alternativa fechada, é aquela em que não há possibilidade de outra resposta senão uma daquelas apresentadas. Entre as possíveis respostas, os autores colocam que:

Estas podem ser apenas Sim ou Não, mas podem também permitir a indicação de vários graus de aprovação ou desaprovação, ou podem consistir de uma série de respostas, dentre as quais a pessoa escolhe uma, como a mais próxima de sua posição.

As perguntas abertas permitem resposta livre, sem apresentação de alternativas, conforme abordam Selltiz et al. (1987, pg. 288):

A característica distintiva das perguntas abertas é o fato de apenas apresentarem uma questão, mas não apresentam nem sugerem qualquer estrutura para as respostas; a pessoa tem a oportunidade de responder com suas palavras e com seu quadro de referência.

Boni e Quaresma (2005) colocam que a técnica da estrevista aberta atende, principalmente, a finalidades exploratórias e a interferência do entrevistador deve ser a mínima possível, assumindo a posição de ouvinte. E acrescentam que com relação à estruturação da entrevista “[...] o entrevistador introduz o tema e o entrevistado tem liberdade para discorrer sobre o tema sugerido”.

Há também a técnica de entrevista semi-estruturada que é composta por perguntas abertas e fechadas, onde o entrevistado tem a possibilidade de expor melhor seu ponto de vista. Segundo Boni e Quaresma (2005), o pesquisador deve seguir um conjunto de questões previamente pensadas e definidas, mas aborda o informante numa condição mais informal. Acresecentam que a sua principal vantagem, juntamente com a entrevista aberta, é que ela quase sempre produz uma melhor amostra da população de interesse. Essa característica mostra ser bem proveitosa para os fins da presente dissertação, uma vez que, a área de estudo engloba vários bairros com alta densidade demográfica, e a pesquisa por amostragem com grupos focais aparece como a melhor alternativa para obtenção de dados da população.

A depender do tipo de entrevista, se individual ou em grupo, diferentes posicionamentos e habilidades são exigidas do entrevistador, que no caso da entrevista em grupo também é chamado de mediador. Para Bauer e Gaskell (2002), no grupo focal o entrevistador é o catalisador da interação social (comunicação) entre os participantes. E a respeito da formação do consenso, os autores acrescentam que “a emergência do grupo caminha lado a lado com o desenvolvimento de uma identidade compartilhada, esse sentimento de um destino comum presente quando dizemos ‘nós’”.

Para Gondim (2003), o que confere unidade à análise do grupo focal é o próprio grupo. Quando uma opinião é esboçada, mesmo não sendo compartilhada por todos os integrantes do grupo, para efeito de análise e interpretação dos resultados, ela é referida como do grupo.

Para levantamento das informações foram feitas adaptações de metodologia participativas, enfocando os problemas a serem discutidos em workshops sobre questões relacionadas com a mobilidade urbana e acessibilidade aos locais onde se desenvolvem as principais atividades econômicas e sociais dos moradores. O modelo de diagnóstico aplicado no presente trabalho utilizou os elementos citados por Gomes e Alves (2001): apreensão das demandas da

comunidade e dos serviços oferecidos pelo poder público na infraestrutura de transporte público e privado.

Para averiguação da realidade social nos morros, entendida como de segregação pela baixa mobilidade e acessibilidade, foram utilizadas técnicas de aplicação de entrevistas semi- estruturadas por meio de oficinas e discussões com grupos focais de pessoas conhecedoras da realidade da comunidade local (vide Apêndice C – Etapa 1).

As oficinas são conduzidas por um moderador que procura respostas para questões como escolhas modais e viagens, média de tempo para o deslocamento para o trabalho, escola, compras, lazer e atendimento médico. Também é seu papel fazer uma análise dos principais destinos de viagem por várias razões e as questões que envolvem a acessibilidade ao transporte público.

Inicialmente, as áreas de estudo foram visitadas para realização de entrevistas em grupo com o objetivo de identificar os modos de transporte utilizados, os principais locais de trabalho, estudo, lazer e compras, bem como as dificuldades enfrentadas nos deslocamentos a pé. No segundo momento foi feito o teste dos resultados apontados pelo estudo do indicador de impedância escolhido com grupos focais das comunidades. A dinâmica foi realizada no local onde vivem as pessoas, permitindo, assim, uma melhor abordagem e interação com o grupo investigado.

Associadas às entrevistas foram feitas outras consultas a fontes de dados secundários, realizadas visitas, espacialização do sistema de tranporte e mapeamento. Contudo, vale destacar que não é o objetivo principal deste trabalho realizar uma pesquisa detalhada sobre os modos de transporte utilizados na área, nem sobre os destinos dos moradores quando vão trabalhar, estudar, fazer compras etc. Fica como sugestão, para pesquisas futuras, o aprofundamento na apreensão da questão da microacessibilidade nessas áreas, no sentido de contribuir nos estudos sobre novas políticas públicas que possibilitem a elevação da qualidade de vida das pessoas.

A metodologia aplicada ao trabalho baseou-se em pesquisa de campo e foi realizada em duas etapas, utilizando informações obtidas de moradores de bairros da zona norte situados em

áreas de morro. Na primeira etapa foram escolhidas duas localidades, uma no bairro do Alto José Bonifácio e a outra no bairro de Dois Unidos, localidade conhecida como Alto do Capitão, para aplicação de entrevistas semi-estruturadas. O primeiro momento da pesquisa de campo serviu como uma tentativa de captar a percepção que os moradores das áreas em estudo têm sobre a situação do sistema de circulação viária do seu bairro. As respostas foram confrontadas com dados socioeconômicos disponibilizados pelo poder público e outras entidades de pesquisa.

A escolha dos participantes seguiu o critério de representatividade da população local, tanto no tocante ao conhecimento da realidade como de popularidade entre os moradores, além de serem moradores do local há muitos anos. Entre eles estão representantes, presidentes das associações de moradores, ONGs e outras organizações de apoio social atuantes nas comunidades. Observam-se, em certa medida, fragilidades neste tipo de abordagem, principalmente quando verificamos a quantidade de entrevistadas, num total de 12 pessoas na primeira etapa e 24 pessoas na segunda, muito em função das limitações de pessoal e recursos financeiros disponíveis para a realização das entrevistas. No entanto, a aplicação da técnica é válida, enquanto instrumento de coleta de dados, pois evidencia parte de pressupostos colocados na revisão bibliográfica e na descrição da área de estudo.

A segunda etapa de campo serviu para testar os resultados obtidos com o cálculo de esforço físico (MET), apreendendo a percepção dos moradores das áreas estudadas e testando os pressupostos do indicador de impedância proposto.

3.2.1 Etapa 1 - Tentativa de percepção da realidade – identificação dos problemas enfrentados pela população.

O questionário foi aplicado em dois bairros, em diferentes porções da zona norte da cidade do Recife: no bairro de Dois Unidos, mais especificamente na localidade do Alto do Capitão, e no bairro do Alto José Bonifácio. A escolha pelas áreas seguiu o critério de proximidade com os principais eixos viários da zona norte da cidade, a Av. Norte e a BR 101. O Alto do Capitão está localizado mais ao norte e fica mais distante do centro da cidade e de eixos de transporte importantes. O Alto José Bonifácio fica localizado próximo à Av. Norte, no entanto, para chegar a esse eixo é necessário utilizar a Rua Nova Descoberta, importante via

de transporte da zona norte. A princípio, a localidade impõe menos dificuldade de acesso para quem quer acessá-la a partir do centro, pelo menos em termos geográficos.

No Alto do Capitão, a entrevista foi aplicada a um grupo de três pessoas com tempo médio de residência no local de 20 anos. Um deles já foi líder comunitário e outros dois estão na atual gestão da associação de moradores. No Alto José Bonifácio participaram oito pessoas, dentre os quais estavam representantes da Associação de Moradores, comerciantes e outras pessoas atuantes na comunidade. O tempo médio de moradia dos participantes na comunidade foi de 37 anos, com mais da metade vivendo há mais de 40 anos no bairro. Nesta primeira etapa, a pesquisa foi estruturada observando as necessidades básicas que geram as viagens por motivo de Trabalho, Saúde, Estudo, Compras e Lazer.

Para o motivo trabalho foi questionado o percentual de pessoas que trabalham fora do bairro ou da comunidade. A intenção foi apreender a necessidade de utilizar o transporte motorizado nas viagens a trabalho. Foi perguntado ainda quais os bairros que predominantemente absorvem essa mão de obra local, além do tempo médio de deslocamento. Com relação aos modos de transporte utilizados pela população local, foi questionado, em termos percentuais, quantos se deslocavam a pé, de bicicleta, motocicleta, carro, transporte público ou algum outro não listado.

Por motivo saúde, foi questionado sobre as unidades de atendimento, nos diversos níveis de complexidade, utilizados pela comunidade e forma de deslocamento. As informações a respeito dos postos de saúde e hospitais existentes estão disponíveis em outras fontes como a internet, por exemplo. Porém, houve a necessidade de se obter a informação diretamente das pessoas que utilizam os serviços de saúde, e captar suas especificidades e nuances, principalmente das preferências e necessidades, considerando a qualidade dos serviços de saúde ofertados pelo poder público.

Para os deslocamentos por motivo de estudo, a pesquisa foi estruturada pelos níveis Fundamental, Médio e Superior. Também foi perguntado o percentual de alunos em escolas pública e privadas. A intenção foi entender onde os alunos estudam e como se dão seus deslocamentos (modos de transporte). Após a pesquisa, os dados foram espacializados, com o

auxílio de mapas e aplicativos on line, para observação das distâncias percorridas a pé e tempo de deslocamento, seja até o transporte público, seja até a própria escola.

Para a realização das compras, foram separados os bens de primeira necessidade (feira, padaria, mercadinho, açougue) dos bens semiduráveis (roupas, sapatos, eletrodomésticos etc.). Nessa parte é possível observar onde são feitas as compras e como é o transporte das mercadorias. Estão incluídos os serviços bancários e utilização das casas lotéricas para pagamentos e recebimentos.

No tocante às viagens com intuito de lazer, o questionário procurou identificar onde a população busca o lazer e em quais períodos é feita essa atividade. Foi questionado quais os modos de transporte utilizados, expressos em termos percentuais. A escuta teve como objetivo a apreensão dos costumes e modos de vida das pessoas, confrontado as respostas com a presença, ou não, de equipamentos de lazer na localidade e em bairros vizinhos, além dos grandes equipamentos de lazer e cultura e das áreas livres, como praças, parques e praias existentes na cidade.

Ao final, foi perguntado quais os principais problemas enfrentados pelas pessoas da comunidade no acesso ao transporte público de passageiros, ficando os respondentes livres para a resposta. Da mesma forma, foi questionado qual a sua visão de futuro para a questão de mobilidade na comunidade, ou seja, o que eles esperam para o futuro em relação a melhoria das condições do transporte em geral, incluindo o transporte público e a infraestrutura viária, (calçadas, condição da pavimentação, escadarias etc.).

3.2.2 Etapa 2 - Pesquisa para teste da hipótese

A segunda etapa da pesquisa de campo dedicou-se à verificação dos resultados obtidos através do cálculo de mensuração do esforço físico dispensado pelas pessoas, enquanto fator de impedância para se alcançar o transporte público.

Foram escolhidas três localidades dentro da área pesquisada: Alto José Bonifácio, Alto do Refúgio e Morro da Conceição. O critério principal para escolha das áreas foi a presença de pontos muito próximos com grandes diferenças de nível de esforço para acesso ao sistema de

transporte público. O Morro da Conceição apresenta situação melhor no que se refere à proximidade com um eixo de transporte, ficando localizado às margens da Av. Norte.

A escolha das pessoas seguiu os mesmos critérios utilizados na primeira etapa da pesquisa de campo, ou seja, procurou-se incluir aquelas pessoas que detinham grande conhecimento da dinâmica urbana da área, sobretudo no que diz respeito aos costumes da população e modos de transporte utilizados. O sucesso na coleta de resultados fidedignos está associado, em grande medida, à escolha correta dos atores a serem questionados e instigados a exprimir sua visão.

As entrevistas foram estruturadas de modo a tentar colher a percepção dos entrevistados, no tocante aos resultados do mapa de esforço, a partir de endereços específicos, escolhidos após análise das curvas de Isoesforço. Foram escolhidos, pelo menos, seis endereços em cada área pesquisada, para contemplar todas as situações possíveis de comportamento das Curvas de Isoesforço. A definição de locais específicos para pesquisa, com precisão de lote e não apenas de rua, surgiu da constatação de que, numa mesma rua, o nível de gasto energético per capita pode variar muito, indo do nível 10 kCal até 38 kCal. Logo, a depender da conformação da via, se em escadaria, nível ou rampa, e ainda, da localização dos pontos de parada de ônibus mais próximos, determinado lote será mais acessível do que outros em uma mesma rua.

A Ficha utilizada na primeira parte para registro das informações fornecidas pelos respondentes contém, além do endereço avaliado, uma escala de gradação do nível de dificuldade enfrentado pelas pessoas para se chegar ao transporte público, representado pelos pontos de parada dos ônibus. Vale ressaltar que foram incluídas as linhas do Sistema de Transporte Público de Passageiros (STPP) e do Sistema de Transporte Complementar de Passageiros do Recife (STCP).

A escala de gradação vai do nível 1 (um) até o 5 (cinco). O nível um, representa o acesso ao transporte público feito de forma muito fácil e sem obstáculos. Como exemplo ilustrativo foi dada a situação em que uma mãe, ou um pai, poderia alcançar a parada de ônibus, a partir do endereço escolhido, com sua criança num carrinho de bebê sem problemas. O nível 5 representa a pior situação possível, onde qualquer pessoa, independente de sua condição física, motora ou mental teria sérias dificuldades em acessar a parada de ônibus. Para ilustrar

essa situação foi exemplificado um trajeto com a presença de vias com grandes desníveis, em escadaria, com longas distâncias a serem percorridas. Não foram definidas paradas de ônibus específicas para os endereços escolhidos, a resposta foi livre para que as pessoas formulassem individualmente seu melhor trajeto e, assim, construir um diagnóstico mais próximo possível da percepção comum. Em seguida foram listados os principais fatores que levaram a escolha do caminho para que se chegasse ao nível de dificuldade apontado. Foram colocadas as seguintes opções:

 Distância para o ponto de parada do ônibus;  Ruas com desnível (rampas e escadarias);

 Condição do passeio (largura, barreiras, estado de conservação); e  Segurança pública.

Foi dada a opção Outros, para o caso da citação de fatores não listados e que, porventura, fazem parte da realidade local, configurando-se como especificidade da comunidade. Foram pedidas também as linhas que serviam ao local pesquisado com o intuito de verificar a oferta de transporte e o número de viagens por dia e a frequência dos ônibus.

Para auxiliar na discussão em campo, foi utilizada base cartográfica da área mostrando o traçado das vias com a marcação dos pontos de ônibus, além disso, quais as ruas são em escadaria, em rampa ou planas.