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CÁLCULO DOS VALORES COBRADOS

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2 COBRANÇA PELO DIREITO DE USO DA ÁGUA: SOLUÇÃO PARA A GESTÃO SUSTENTÁVEL DO RECURSO?

2.6 CÁLCULO DOS VALORES COBRADOS

Com relação à tarifação da água e esgoto relativa à provisão dos serviços de abastecimento e coleta e tratamento de efluentes, também conhecida como cobrança pela água tratada, Mari Elizabete Bernardini Seiffert ensina que:

Esta cobrança é a que afeta diretamente o comportamento do usuário doméstico, podendo induzir a redução do uso. Essa cobrança, sem dúvida, pode efetivamente dar sustentabilidade ao setor de saneamento, não só no sentido de prover recursos para operação e manutenção dos serviços nos níveis atuais, mas também para expansão e melhoria da eficiência dos sistemas de coleta e tratamento dos efluentes e de abastecimento. No Brasil, a tarifa média de água e esgoto praticada é, em média, de US$ 1,00/m3. Aqui, da mesma forma que na “cobrança pela água bruta”, os baixos níveis de renda da população brasileira tendem também a limitar as possibilidades de repasse integral dos custos de coleta e tratamento dos efluentes para as tarifas de saneamento. O comprometimento de renda com a conta de água e esgoto, no Brasil, já representa cerca de 1% da renda, considerando-se as tarifas e os níveis de atendimento atuais. Supondo-se a extensão a toda a população do serviço de coleta de esgotos, e mantendo-se as tarifas atuais, a conta de água e esgoto chegaria a 2% da renda per capita. 135

De uma forma geral e numa abordagem por custo-benefício, o valor da cobrança pelo uso da água deve ser determinado de forma a compensar a percepção social do dano ambiental causado por aquela utilização.

O valor do aludido dano pode ser calculado, por exemplo, pela determinação dos aumentos de custos representados pela majoração de gastos públicos e privados com tratamento da água, aumento da incidência de doenças de veiculação hídrica, perdas da flora e da fauna, perda de atividades de lazer, desvalorização de áreas marginais etc.

Acerca dos valores relativos à cobrança, Maria Luiza Machado Granziera dispõe que:

Constituem proposta da Agência aos Comitês de Bacia Hidrográfica, nos termos do art. 44, XI, b, da Lei nº 9.433/97, a eles cabendo sugerir ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos os valores a serem cobrados, conforme estabelece o art. 38, VI. Ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos compete fixar critérios gerais para cobrança, de acordo com o que estatui o art. 35, X da Lei nº 9.433/97, e definir os valores nos termos do art. 44, XI, b, da Lei nº 9.433/97. 136

Importante frisar que o artigo 21 da Lei nº 9.433/1997 define que:

135

SEIFFERT, Mari Elizabete Bernardini. 2007, p. 142/143.

136

Os valores a serem cobrados pelo uso dos recursos hídricos devem ser observados, dentre outros: I – nas derivações, captações e extrações de água, o volume retirado e seu regime de variação; II – nos lançamentos de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, o volume lançado e seu regime de variação e as características físico- químicas, biológicas e de toxicidade do efluente.

Com relação aos incisos elencados no artigo 21, cabe trazer a lume os mecanismos citados por Cid Tomanik Pompeu:

São mecanismos para definição dos valores da cobrança: I – nas derivações, captações extrações: a) a natureza do corpo de água (superficial ou subterrâneo); b) a classe em que estiver enquadrado o corpo de água, no ponto de uso ou da derivação; c) a disponibilidade hídrica; d) o grau de regularização assegurado por obras hidráulicas; e) a vazão reservada, captada, extraída ou derivada e seu regime de variação; f) a vazão consumida, ou seja, a diferença entre a vazão captada e a devolvida ao corpo de água; g) a finalidade a que se destinam; h) a sazonalidade; i) as características e a vulnerabilidade dos aquíferos; j) as características físicas, químicas e biológicas da água; k) a localização do usuário na bacia; l) as práticas de racionalização, conservação, recuperação e manejo do solo e da água; m) as condições técnicas, econômicas, sociais e ambientais existentes; n) a sustentabilidade econômica da cobrança por parte dos segmentos usuários; o) práticas de reúso hídrico; II – no lançamento com o fim de diluição, assimilação, transporte ou disposição final de efluentes: além dos acima enumerados, excluídos os constantes das alíneas e a i, m e o: a) a carga de lançamento e seu regime de variação, ponderando-se os parâmetros biológicos, físico-químicos e de toxicidade dos efluentes; b) a natureza da atividade; c) o grau de comprometimento que as características físicas e os constituintes químicos e biológicos dos efluentes podem causar ao corpo receptor; d) as vazões consideradas indisponíveis em função da diluição dos constituintes químicos e biológicos e da equalização das características físicas dos efluentes; e) a redução da emissão de efluentes em função de investimentos em despoluição; f) o atendimento das metas de despoluição programadas nos Planos de Recursos Hídricos pelos Comitês de Bacia; g) a redução efetiva da contaminação hídrica; h) a sazonalidade do corpo receptor; III – aos demais tipos de usos ou interferências que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade água de um corpo hídrico: além dos enumerados no Item I, excluídos os constantes das alíneas f, g. l, m e o: a) a alteração que o uso poderá causar em sinergia com a sazonalidade; b) as características e a vulnerabilidade dos aquíferos; c) a finalidade do uso ou interferência.

Demais disso, calha observar que não basta apenas sugerir os valores, estes têm de ser aprovados. Veja o que diz Cleuler Barbosa das Neves a respeito:

Em verdade, a competência para aprovar os valores sugeridos pelo CBH a serem cobrados em decorrência das outorgas de direitos de uso dos corpos de água é do ente federado, União ou Estado, titular da dominialidade do mesmo. Até porque, pensar de forma diversa implicaria admitir a venda de água a non domino nos casos, por exemplo, de derivação de um corpo de água doce. Assim, se o corpo de água é do Estado, o CBH, recebendo a proposta da AA, sugerirá os valores a serem cobrados e os encaminhará ao CRHE, que é o órgão do Estado com poder para a sua aprovação (...). Se o corpo de água é da União, o CBH sugerirá os valores propostos ao CNRH, que tem poder para a sua aprovação, assim como a competência para

estabelecer os critérios gerais para a cobrança, que nortearão todos os CBH’s de corpos de água, sejam estes da União ou dos Estados.137

Os exemplos ilustrativos referentes ao cálculo dos valores da cobrança pelo uso da água serão apresentados no tópico referente às experiências nacionais na Bacia do Rio Paraíba do Sul e na Bacia dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí.

2.7 ARRECADAÇÃO

Com relação às receitas auferidas, novamente são trazidas a lume as considerações de Vladimir Passos de Freitas:

Os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos deverão ser aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados e serão utilizados no financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos e no pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. 138

Aliás, comungando com o doutrinador e ressaltando a ideia da bacia hidrográfica como unidade de planejamento e gerenciamento, o artigo 22 da Lei nº 9.433/1997 estabelece que os valores arrecadados com a cobrança pelo uso das águas serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados.

De acordo com Maria Luiza Machado Granziera, o termo “prioritariamente” merece comentário especial:

No que se refere ao termo prioritariamente, pondera-se que a redação dada ao dispositivo não garante um fator basilar da descentralização da política de recursos hídricos: que os recursos arrecadados com a cobrança sejam inteiramente aplicados na bacia. A lógica é que os valores são propostos pelo Comitê, assim como o plano de aplicação dos recursos. Não há sentido em deixar que haja discricionariedade nessa aplicação, por outro ente que não o Comitê. Tais valores serão utilizados no financiamento de estudos, programas, projetos e obras previstas nos planos de recursos hídricos (art. 22, I) e também no pagamento de despesas e implantação e custeio administrativo nos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (art. 22, II). 139

137

NEVES, Cleuler Barbosa das. 2002, p. 223.

138

FREITAS, Vladimir Passos de. 2008, p. 76.

139

Ademais, vale destacar que o dispositivo da Lei nº 9.433/1997 que conferia competência para aprovar o plano de aplicação da receita auferida com a cobrança pelo uso da água foi vetado. No entanto, vigora na mesma norma o artigo 44, inciso XI, alínea “c”, que garante essa atribuição aos comitês.

Somente o acompanhamento do destino dos fundos arrecadados, com a cobrança da água pela sociedade e uma ampla e eficaz fiscalização da ANA em nível federal e dos comitês das bacias hidrográficas em nível estadual pode-se garantir que as receitas sejam utilizadas conforme previsto.

Ademais, assevera-se novamente que a cobrança em comento não é um imposto e sim um preço público, sendo que na maior parte dos países onde é aplicada, inclusive no Brasil, os valores arrecadados são reinvestidos na própria bacia hidrográfica onde foram gerados140.

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