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COMITÊS DE BACIA HIDROGRÁFICA

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1 FATOS E FUNDAMENTOS TÉCNICO-JURÍDICOS SOBRE A ÁGUA E SUA GESTÃO

1.9 GESTÃO HÍDRICA

1.9.4 COMITÊS DE BACIA HIDROGRÁFICA

A competitividade exercida pelos usuários de água na bacia hidrográfica acentua-se na medida em que se diminui a disponibilidade hídrica per capita. A maneira de dar

sustentabilidade e equidade a essa competição foi definida pela Lei nº 9.433/1997 e se dá via da instância de decisão local que são os comitês de bacia hidrográfica97.

Para proceder à gestão dessa competição é preciso criar um conjunto de regras para a alocação98 da água, o que é a essência do sistema de gerenciamento hídrico. Trata-se de instrumento de responsabilidade central do comitê e sua quantificação faz parte do processo da solução dos conflitos pela água na própria bacia, uma vez que é o primeiro grande acordo de distribuição de água na bacia hidrográfica, fornecendo diretrizes gerais para a outorga e para a definição de regras operativas de reservatórios. No entanto, para que tal conjunto de regras seja instituído, são necessários os instrumentos de gestão que as institucionalizam e a criação da instância de decisão local.

Pela Lei nº 9.433/1997, essa instância de decisão foi batizada de comitê de bacia hidrográfica e a deliberação é trazida para o nível local. Aliás, em relação ao caráter sistêmico do conceito de bacia hidrográfica, a norma deixou que as bacias, na forma de unidades de gestão, fossem definidas caso a caso, dando a possibilidade de conformá-las de acordo com a escala e as características da problemática local. Desta forma, pode-se afirmar que os comitês de bacia hidrográfica são órgãos colegiados onde são debatidas as questões referentes à gestão das águas.

Com relação à abrangência do comitê de bacia, destaca-se o estabelecido no artigo 37 da Lei nº 9.433/1997:

I – a totalidade de uma bacia hidrográfica;

II – a sub-bacia hidrográfica do tributário do curso d’água principal da bacia, ou de tributário desse tributário; ou;

III – grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas.

Vislumbra-se um caráter propositalmente flexível na sua abrangência, decorrente da preocupação do legislador em possibilitar o acomodamento de várias formas de bacias hidrográficas, bem como a articulação política possível nas diversas regiões do país.

97

De acordo com a ANA, em 2010, existem 7 comitês federais e 156 comitês estaduais cadastrados.

98

Nos moldes do relatório Aproveitamento do Potencial Hidráulico para Geração de Energia no Brasil, da ANA (2007, p. 152), “a alocação das águas de uma bacia é um componente do plano de recursos hídricos que objetiva a garantia de fornecimento de água aos atuais e futuros usuários de recursos hídricos, respeitando-se as necessidades ambientais em termos de vazões mínimas a serem mantidas nos rios. Depois de definida a alocação de água, a autorização ao acesso a cada usuário ocorre por meio do instrumento da outorga”. Em outras palavras, a alocação de água é o grande pacto de repartição de água na bacia hidrográfica que fornece diretrizes para implementação de diversos instrumentos de gestão, em particular, a outorga. Nesse processo, são adotados a abordagem sistêmica e o princípio de gestão participativa e integrada, tendo como unidade de planejamento a bacia hidrográfica.

As competências do comitê estão definidas no artigo 38 da Lei nº 9.433/1997 e cada uma delas exterioriza um caráter político. As principais atividades inerentes aos comitês são: a) promover o debate das questões relacionadas aos recursos hídricos da bacia; b) articular a atuação das entidades que trabalham com este tema; c) arbitrar, em primeira instância, os conflitos relacionados aos recursos hídricos99; d) aprovar e acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da Bacia; e) estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados; f) estabelecer critérios e promover o rateio do custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo100.

Assim, a atuação do comitê apresenta-se como um dos princípios orientadores à implantação de um processo decisório participativo, a fim de assegurar benefícios para toda a coletividade, em que os diferentes usuários em geral apresentam interesses conflitantes quanto ao uso dessa água. Nesse caso, busca-se avaliar a quantidade e qualidade de água disponível e as necessidades características dos diversos usuários, de modo a garantir seu uso racional.

No que toca à sua estrutura, o artigo 39, da Lei nº 9.433/1997, expõe que os comitês são formados por representantes da União, Estados, DF, Municípios, usuários e entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia.

Nos moldes do § 1º, do dispositivo em comento, a participação dos poderes executivo federal, estadual, distrital e municipal não poderá exceder à metade do total dos membros do Comitê, e o § 4º é taxativo ao estabelecer que a participação da União nos comitês de bacia hidrográfica, com área de atuação restrita às bacias de rios sob domínio estadual, dar-se-á na forma estabelecida nos respectivos regimentos. Entende-se que os comitês objeto do artigo 39, são os estaduais, que poderão, quando da elaboração de seus regimentos, prever a participação da União. Trata-se, pois, de norma que permite à União participar de comitês estaduais.

99

A Lei nº 9.433/1997 dispõe, no inciso I do artigo 32, como princípio do SINGREH, a “coordenação da gestão integrada das águas”, cujo detalhamento deve ser objeto de regulamentação. Da leitura do inciso II entende-se que os conflitos relacionados aos recursos hídricos tendem a aumentar, seja nas bacias hidrográficas industrializadas, onde a poluição é causa da escassez, como é o caso da bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (São Paulo), rio Paraíba do Sul (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro) e do rio das Velhas (Minas Gerais), seja em regiões mais áridas, onde a escassez decorre efetivamente da falta de chuvas, como ocorre na região do Semi-Árido, no Nordeste. Os comitês de bacias hidrográficas são os órgãos da Administração Pública que, em primeira instância, deverão sanar tais conflitos. Ao CNRH, em segunda instância, cabe exercer a função decisória de tribunal, em nível administrativo. A solução de conflitos enseja a existência de um processo administrativo, em que se deve garantir às partes o direito à ampla defesa e ao contraditório, na forma do disposto no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal. Ademais, há de se observar procedimento formal, tal qual o estabelecido na Lei nº 9.784, de 29.01.1999, que regula o processo administrativo no âmbito federal. Além disso, o SINGREH tem por escopo, nos moldes do inciso II, a “implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos”, bem como “promover a cobrança pelo uso dos recursos hídricos” com fundamento na ênfase de que a cobrança é um passo de extrema importância na implementação da política em comento.

100

A Lei nº 9.433/1997 conjeturou comitês de bacia de ordem federal, tendo em vista que a União não legisla sobre a organização dos Estados ou em nome do SINGREH.

Há, seguramente, dificuldades em se lidar com o recorte geográfico desses comitês, uma vez que os recursos hídricos exigem a gestão compartilhada com a administração pública101, órgãos de saneamento, instituições ligadas à atividade agrícola, gestão ambiental e outros, bem como a cada um desses setores corresponde uma divisão administrativa certamente distinta da bacia hidrográfica.

Ademais, deve-se ater que, embora a ideia de gestão por este colegiado seja um avanço nas questões hídricas, em razão de deliberações que podem decidir de forma sóbria e planejada os rumos a serem dados aos recursos hídricos, as reuniões dos integrantes dos comitês também podem se transformar em assembleias dotadas de burocracia, em plena dissonância com a finalidade a que se propõem, e contaminadas por desacordos políticos que impeçam a tomada de decisões de cunho eminentemente técnico.

Assim, a participação ativa dos usuários, sociedade civil e Municípios, nos comitês, é a condição sine qua non capaz de garantir comprometimento de cada um e contribuir para tomada de decisões técnicas e sóbrias, haja vista que a presença destes integrantes enriquece o diagnóstico e planejamento por serem os sujeitos passivos dos resultados das deliberações.

Registra-se que o comitê deve promover cursos de capacitação que proporcionem aos seus integrantes que não têm formação técnica, uma visão metodológica acerca dos recursos hídricos para que suas contribuições sejam ainda mais proveitosas em razão da qualificação.

Embora seja difícil vislumbrar este tipo de execução no cenário brasileiro, as decisões qualificadas e eficientes dependem tanto de capacitação, quanto de bons sistemas de informação que tragam os dados reais das características geográficas, sociais, econômicas e ambientais dos Municípios contemplados naquela bacia hidrográfica.

-dos-comites-da-bacia-hidrografica> Acesso em 16 dez 2009.

101

Para Odete Medauar (2008, p. 44), “sob um aspecto funcional, Administração Pública significa um conjunto de atividades do Estado que auxiliam as instituições políticas de cúpula no exercício de funções de governo, que organizam a realização das finalidades públicas postas por tais instituições e que produzem serviços, bens e utilidades para a população, como, por exemplo, ensino público, calçamento de ruas, coleta de lixo. Na verdade, apresenta-se difícil a caracterização objetiva da Administração Pública, daí por vezes se buscar o modo residual de identificá-la: conjunto de atividades que não se enquadram na legislação, nem na jurisdição – assim, nem o Legislativo nem o Judiciário cuidam do calçamento de ruas, da coleta do lixo, da rede de escolas públicas por exemplo. Sob o ângulo organizacional, Administração Pública representa o conjunto de órgãos e entes estatais que produzem serviços, bens e utilidades para a população, coadjuvando as instituições políticas de cúpula no exercício das funções de governo. Nesse enfoque, predomina a visão de uma estrutura ou aparelhamento

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