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CONFLITOS PELO USO DA ÁGUA

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1 FATOS E FUNDAMENTOS TÉCNICO-JURÍDICOS SOBRE A ÁGUA E SUA GESTÃO

1.3 CONFLITOS PELO USO DA ÁGUA

Quando as pessoas, no processo de desenvolvimento de suas atividades, necessitam cada vez mais de água, os conflitos e disputas por este bem se tornam cada vez mais iminentes.

Devido à discrepância entre quantidade de água disponível em determinado território e quantidade de água consumida, a possibilidade de embates homéricos por este bem é tão iminente que os sinais já estão sendo dados por nações que, pela história, não medirão esforços para ter acesso ao recurso natural indispensável à sua existência.

Plauto Faraco de Azevedo alerta para o iminente aparecimento de conflitos em razão da escassez de água em pontos distintos do globo:

Desde o começo dos anos 70, o mundo sofreu diversos choques petrolíferos. Este século poderá “conhecer conflitos geopolíticos e comerciais de ainda maior envergadura, ligados ao domínio de um recurso indispensável à vida, não substituível, e existente em quantidade fixa”. A água tem-se ressentido da demanda incontrolada da indústria, da agricultura, do turismo e do uso doméstico nos países ricos, tudo antecipando a possibilidade de sua severa escassez futura. (...)39

Por sua vez, João Alberto Alves Amorim aponta que:

Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano, editado pelo Banco Mundial em 1995, os Estados Unidos da América tinham um consumo per capita de água doce, para uso domiciliar, de 244 m3/dia, enquanto o Brasil consumia na mesma categoria 54 m3/dia e Moçambique 13 m3/dia. Os Estados Unidos consomem mais que a soma do total gasto pela França e pelo Japão. Outro país que utiliza muita água são os Emirados Árabes: quase o dobro do Brasil, gastando cerca de três vezes mais do que dispõe em seu território, o que indica que a importação de água não é um mercado futuro, mas uma realidade para alguns países do mundo. A situação de Israel é singular. Utiliza pouco mais que a metade da França e do Japão, mesmo tendo renda elevada, mas que corresponde a 86% de suas reservas. Isso explica a relutância em devolver as Colinas de Golã e as dificuldades em se chegar a um acordo com a

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Disponível em <http://www.rededasaguas.org.br/quest/quest_05.asp> Acesso em 04 ago 2010.

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Palestina, que tem sido privada de grande parte dos recursos hídricos que correm em seu território.

Segundo o FAO, os países da OCDE consomem cerca de 27% do total de água utilizada pela espécie humana, comportando, porém, apenas 15% da população mundial, e gastam mais água na indústria do que o total consumido mundialmente para uso domiciliar. 40

Nota-se que a disputa pelo acesso à água é inevitável, pois não existe um consenso de que este bem deva ser dividido igualmente a todas as nações41. Impera a ideia de que o direito à água está ligado à zona de dominação de cada país. Portanto, cada nação pode desfrutar das águas contidas até o limite de suas fronteiras42.

Essa concepção é conveniente para aqueles que dispõem de fartura em seus lençóis freáticos e aquíferos43. Nações pobres que já amargam com a escassez e suas consequências, ou seja, seca, fome, doenças e mais pobreza, ficam entregues à sorte e a população tem que se tornar um povo nômade, à procura de um lugar que disponha de água para poder sobreviver. As nações ricas que não possuem mananciais suficientes em seus territórios, têm de comprar a água de outros países ou, numa visão pessimista, mas concreta, optar por invadir terras alheias ostentadoras de mananciais que resguardem sua carência aquífera. Portanto, não são apenas os países pobres que vivem a escassez, mas são eles os que mais sofrem com ela.

Por oportuno, veja como se comporta o Índice de Pobreza Hídrica (IPH)44, segundo João Alberto Alves Amorim:

Recentemente, em 2003, foi publicado o Water Poverty Index, índice de pobreza hídrica, criado para estabelecer o índice de pobreza em relação à disponibilidade de recursos hídricos. O índice se baseia em cinco componentes básicos:

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AMORIM, João Alberto Alves. 2009, p. 132.

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O Princípio da utilização equitável e razoável do curso d’água, arquitetado pela Convenção de Nova Iorque de 1997, foi eleito o princípio base da utilização dos cursos de águas internacionais e dispõe que os Estados do curso d’água devem utilizá-lo de maneira equitável e razoável.

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De acordo com Oliver Sefrin (2008, p. 30), “já agora, em algumas regiões, é um desafio garantir o abastecimento de água da população, tendo ao lado a necessidade de água da agricultura e da indústria em períodos de seca. E também além das fronteiras, isto significará possivelmente tensões sociais e econômicas. Cerca de 40% da população mundial compartilham águas correntes com muitos vizinhos”.

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Os lençóis freáticos são um tipo de reservatório das águas subterrâneas chamados, também, de “aquíferos artesianos livres”: aquífero é uma massa rochosa que acumula água em quantidade elevada devido à alta porosidade e permeabilidade do solo (ou rochas) onde se encontra. Quando eles se encontram a uma pressão elevada, maior que 1 atm (atmosfera), dá-se o nome de “artesianos”. Os “artesianos livres” são aqueles que possuem pressão atmosférica igual a da superfície. Essa diferença de pressão entre um tipo e outro de reservatório subterrâneo se deve a ocorrência de desnível da superfície do aquífero e do confinamento de uma ou mais camadas de baixa permeabilidade que fazem pressão sobre o líquido acumulado. Nos lençóis freáticos ou “aquíferos artesianos livres” não há confinamento, a água flui livremente e, eles geralmente se encontram há uma profundidade não muito grande. Quando isso ocorre e eles se encontram muito próximos a superfície, pode acontecer da água “brotar” formando uma nascente.

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O Índice de Pobreza Hídrica (IPH) ou Water Poverty Index (WPI) procura integrar dados das ciências sociais e biofísicas com o uso de indicadores sobre a disponibilidade e o acesso à água. O IPH utiliza dados de desenvolvimento humano, disponibilidade, distribuição e acesso à água, bem como visa nortear ações de gestão.

disponibilidade, acesso, capacidade de manejo pela população, uso e qualidade ambiental em torno da fonte. O estudo mostra algumas obviedades, como o fato de os países desenvolvidos e ricos ocuparem a maioria dos 50 primeiros lugares, mas, também revela facetas ocultas das pesquisas oficiais, que emergem quando à conta da disponibilidade e do acesso são agregados os valores de capacidade de gestão e qualidade ambiental. O Brasil ocupa, neste índice, o quinquagésimo lugar, atrás de muitos de seus vizinhos, como Colômbia, Peru, Venezuela, Guiana e Bolívia, e à frente apenas de Argentina e Paraguai, muito embora comporte, sozinho, quase 13% de toda a água doce disponível do mundo. Seja no atual cenário de degradação e de crise, seja no cenário futuro de crise e exclusão, a possibilidade de conflitos e de situações que violem frontalmente as condições de sobrevivência e de dignidade dos seres humanos é uma realidade. 45

Há 19 bacias hidrográficas internacionais cujas águas são compartilhadas por 5 ou mais países. A bacia do Rio Danúbio, por exemplo, hoje é resultado do uso por 17 países (eram 12 em 1978). Estas bacias internacionais geram grande número de problemas políticos complexos, resultantes da disputa pelas águas e usos múltiplos por diferentes países. Além disso, ainda existem os conflitos internacionais pelas águas como resultado de animosidades religiosas, disputas ideológicas, problemas fronteiriços e competição econômica46.

Veja os números que tratam dos conflitos e cooperações realizados até o ano de 2004:

Quadro 06 – Conflitos e cooperação

I) Houve 1.831 interações (tanto conflitivas como cooperativas) nos últimos 50 anos; II) 7 disputas envolveram violência e houve 507 episódios conflitivos;

III) Firmaram-se aproximadamente 200 tratados, com um total de 1.228 eventos cooperativos; Fonte: D’Isep, Clarissa Ferreira Macedo. 2010, p. 36.

Mesmo que a apropriação da água seja objeto de controvérsias entre países, tais animosidades, geralmente, são resolvidas via diplomacia internacional. O uso de normas do Direito Internacional é uma opção na tentativa de se reduzirem as tensões entre nações, haja vista terem um importante papel na resolução dos conflitos de água, utilizando-se, basicamente, da premissa geral do uso equitativo que sugere uma ideia de justiça na distribuição igualitária deste recurso natural47.

Um exemplo a ser citado é o ocorrido em 1970, quando Brasil e Paraguai acertaram a construção da Usina de Itaipu, situada no Rio Paraná que faz divisa entre os dois países. A barragem, construída em regime de consórcio entre as duas nações, afetaria um projeto de

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AMORIM, João Alberto Alves. 2009, p. 134.

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Disponível em <http://www.multiciencia.unicamp.br/art03.htm> Acesso em 03 mar 2010.

47

Disponível em <http://revistadasaguas.pgr.mpf.gov.br/edicoes-da-revista/edicao-atual/materias/Artigo_AGU AS_TRANSFRONTEIRICAS_E_TRANSNACIONAIS.pdf> Acesso em 03 mar 2010.

usina hidrelétrica da Argentina, situado a jusante48. Após discussões chegou-se à conclusão de que o Brasil reduziria o número de turbinas, adotaria a notificação prévia e a premissa de não causar prejuízo significativo. Diante disto, a Argentina concordou em desistir da construção de sua usina e a avença diplomática evitou uma disputa entre os vizinhos.

Infelizmente, não são todas as nações que possuem a cautela e diplomacia nas relações exteriores, sendo que muitas optam pela deflagração de verdadeiras guerras na busca de seus interesses.

Com relação a esse tipo de guerra, Maria Luiza Machado Granziera dispõe que:

O uso da força pode condicionar a utilização da água da mesma forma que pode decidir qualquer conflito. Esse é, inclusive, um dos fantasmas do século XXI, no plano internacional. E, conforme estabelece o princípio 24 da Conferência das Nações Unidas de 1992, a guerra é, por definição, contrária ao desenvolvimento sustentável, e o pior meio de solução de conflitos. 49

No contexto nacional, o aumento das áreas irrigadas tem aumentado a ocorrência de animosidades em diversas partes do Brasil e já é notório o crescimento de conflitos entre os vários usuários da água, bem como aos relativos a aspectos institucionais, envolvendo a dominialidade dos corpos hídricos e sua influência na implementação dos instrumentos de gerenciamento das águas.

O relatório acerca da Disponibilidade e Demandas de Recursos Hídricos no Brasil, confeccionado pela ANA, aponta suas considerações acerca da demanda e disponibilidade nas bacias hidrográficas:

A relação entre as demandas e a disponibilidade de recursos hídricos aponta a situação atual da utilização dos recursos hídricos no País. Em relação a este indicador, a região Atlântico Nordeste Oriental é a mais crítica, onde quase todas as sub-bacias apresentam uma relação entre demanda e disponibilidade de mais de 40%. A região hidrográfica do São Francisco também tem diversas sub-bacias em situação muito crítica, como a maioria dos rios localizados na região semi-árida da bacia. Algumas bacias do Atlântico Leste também apresentam dificuldades no atendimento às demandas, como as dos rios Vaza-Barris, Itapicuru e Paraguaçu. Adicionalmente, apresentam um quadro pelo menos preocupante, as bacias próximas aos centros urbanos nas regiões Atlântico Sudeste, Atlântico Sul e Paraná. Por fim, algumas bacias localizadas na região do Uruguai encontram-se em uma situação que exige intenso gerenciamento e intervenções, em virtude, principalmente, de conflitos de usos com a irrigação (rios Icamaquã, Ibicuí, Santa Maria e Quaraí, entre outros). 50

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De acordo com o Dicionário Aurélio (www.dicionarioaurelio.com), jusante é “s.f. Baixa-mar. / Refluxo da maré. // &151; loc. prep. A jusante de, parte ou lado de baixo, falando-se de um rio para onde correm suas águas: Foz do Iguaçu fica no rio Paraná, a jusante de Guaíra”.

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GRANZIERA, Maria Luiza Machado. 2006, p. 140.

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Além disso, há uma década já eram registradas mortes causadas pela disputa hídrica em Birigui/SP, no Vale do Rio Verde Grande/MG, na bacia do Rio Salitre/MG, etc. No ano de 2001, a estiagem baixou o nível do reservatório de Sobradinho, na Bacia do São Francisco, gerando uma disputa entre agricultores e o setor elétrico. A ANA teve que atuar como mediadora na quizila51. Aliás, os casos mais notórios podem ser observados na bacia do São Francisco, em que as projeções de demanda de água para atender à irrigação, à navegação, à transposição, ao provimento humano e de animais e à manutenção da geração das atuais usinas hidrelétricas, têm provocado conflitos de toda ordem, inclusive política, como se observa com relação à questão da transposição.

Pelos fatos ocorridos em diversos pontos do globo pode-se chegar à triste constatação que as guerras do século passado originaram-se da busca do petróleo e as relativas a este, provavelmente, estarão vinculadas à água.

No documento Download/Open (páginas 34-38)