• Nenhum resultado encontrado

1. Fotografia de Guerra e o Panorama Histórico-Cultural do Início da Fotografia

1.1. A câmera chega aos campos de batalhas

Em 1853, a Rússia invadiu províncias Turcas na região do Danúbio e no ano seguinte, uma coalizão formada pelo Reino Unido, França e Áustria declarou guerra à Rússia em apoio ao Império Turco, iniciando a ofensiva sobre os russos. A Guerra da Criméia ocorreu na região dos Balcãs, do Mar Negro e da Península da Criméia (sul da Ucrânia). O fotógrafo britânico Roger Fenton, que tinha um estúdio em Regent’s Park, onde era conhecido por fotografar still life de flores, embarcou para a região em 1855, acompanhado de três ajudantes (Sougez, 2001).

Segundo Sougez (2001), foram feitas semelhantes iniciativas de enviar outros fotógrafos10 e oficiais treinados para registrar o conflito, como no caso dos oficiais Brandon e Dawson, enviados “depois de receberem aulas práticas do fotógrafo londrino Aldemen Mayal (...)”. Porém, ainda de acordo com a autora (2001, p.130), “considera- se, em geral, que o primeiro repórter foi Roger Fenton”.

O trabalho de Fenton foi encomendado pelo editor e empresário Thomas Agnew, sob carta de recomendação do príncipe Albert e publicado no The Ilustrated London News e no Il Fotografo, de Milão. Fenton foi orientado a não registrar os horrores dos campos de batalha. Suas fotografias foram também usadas para mostrar o ponto de vista do governo – já que o The Ilustrated seguia essa linha editorial – na tentativa de acalmar a pressão que os artigos do Times sobre a guerra estavam fazendo na opinião pública (Lacayo e Russel, 1995; Howe, 2002; Sontag, 2003).

A cobertura da Guerra da Criméia inicia a iconografia fotográfica sobre a cobertura de conflitos e marca o início de uma nova especialidade no ramo da fotografia do século XIX, a reportagem de guerra. Fenton produziu retratos de soldados em situações cotidianas dos batalhões, passando a ideia de que ir à guerra era como um acampamento no parque ou um grande de piquenique de homens uniformizados (Freund, 1989).        10 A autora faz referência ao livro de Georges Potonniée, Cent ans de Photographie, onde é citado o  fotógrafo Nicklin como sendo o primeiro na Criméia, e também Tannyon, enviado pelo governo francês.  Outros fotógrafos são citados pela autora: C.Cap de Szathmari (teria fotografado o exército russo) e  James Robertson.

33

Sougez (2001, p.130) diz que Fenton:

(...) juntou mais de 300 negativos e, ainda que o processo não lhe permitisse trabalhar em horas de muito calor, recolheu, não obstante, imagens de números oficiais, cantoneiras, acampamentos e lugares devastados pela batalha.

Mesmo que tentassem aproximar-se das áreas de ação, no calor da batalha, Fenton e os demais fotógrafos que cobriram guerras nesse período estavam limitados pela tecnologia disponível na época, o colódio húmido, que exigia um processo de produção lento e complexo, com tempo de exposição entorno de 15 segundos. Todo o aparato técnico necessário para fotografar era ainda muito rudimentar, o que dificultava a mobilidade, tanto na hora de realizar a imagem, como no processo posterior, de revelação e fixação.

As fotografias de Fenton possuem a estética heróica, são retratos dos soldados com a imponência de seus uniformes, sempre impecáveis, e por vezes reunidos em grupos, além de fotos gerais do batalhão em formação e cenas dos campos de batalhas depois das ofensivas, sem os mortos (Fig. 04). Por vezes, suas fotografias são carregadas pela aura da pintura. De qualquer modo, tanto as dificuldades técnicas ligadas ao colódio, como o limite daquilo que poderia ou não ser mostrado, foram fatores que podem ter influenciado essa exclusão da violência nas imagens.

Em termos de enquadramento temático, Fenton e os demais fotógrafos não tinham experiências com os procedimentos de reportar uma notícia – até porque eles não eram ainda definidos como hoje – e estavam impulsionados pelo mesmo espírito aventureiro dos soldados. Sentiam-se, pode-se dizer, com a missão de dignificar seus companheiros de batalha.

Em 1861, o fotógrafo norte-americano Mathew Brady, que vinha trabalhando com fotografias de retratos em Nova Iorque, partiu por iniciativa própria para fotografar a Guerra Civil Americana (1861-1865). No período do conflito estima-se que havia cerca de 2 mil fotógrafos trabalhando nos Estados Unidos e muitos viram nas imagens da guerra uma oportunidade de negócios. O conflito é considerado o primeiro a ter cobertura massiva de fotógrafos, e segundo Pereira (2005), cerca de 150

34

correspondentes de guerra estiveram diretamente ao lado dos soldados, reportando o evoluir das ações.

Fig. 04 – Roger Fenton. Cornet Wilkin, 11th Hussar. Library of Congress, Washington D.C.

Brady não foi sozinho para as zonas de conflito, com bom faro para negócios levou colaboradores, entre eles Alexander Gardner, e pouco fotografava. Enquanto administrava às vendas das imagens para publicações como as revistas Leslie’s e a Harper’s, a produção das imagens ficava nas mãos de seus assistentes (Brewer, 2005; Sousa, 2004).

As fotografias de seus colaboradores, em especial Gardner, retratavam as batalhas e os campos de prisioneiros, além de estarem mais próximas da gravidade do conflito, mostrando os feridos, os resultados após as batalhas, os corpos mortos (Fig. 05), mesmo que em posição alterada, criando, possivelmente, aquilo que Sousa (2004) considerou serem as primeiras manipulações do fotojornalismo.

As imagens não tinham a ação dos soldados na luta armada, mas mostravam as consequências. A reprodução destas fotografias em jornais, bem como a edição do Catalogue of Photographic Incidents of the War e a exposição The Dead of Antietam, em 1862, tiveram um impacto imenso no restrito público da cidade de Nova Iorque. Acostumados com um intervalo de semanas ou até meses entre o acontecimento e a

35

notícia, os leitores não ficaram indiferentes frente a possibilidade de finalmente ver aquilo que acontecia longe de suas casas (Ruminski, 2007).

Fig. 05 – Alexander Gardner. Dead Confederate soldiers in "the devil's den. Library of Congress, Washington D.C.

Arrisca-se dizer, que tanto para o grupo norte-americano como para Fenton, a cobertura de guerra teve mais um carácter de registro documental do que fotojornalístico, visto que ainda não podia-se definir bem uma deontologia para o fotógrafo na cobertura, fazendo com que ele parecesse mais um entre os soldados.

Emtermos tecnológicos a fotografia de guerra no século XIX sofria pela falta de capacidade para movimentação e, devido à técnica de difícil manuseio e processo, a cobertura dificilmente podia ir além do estático. O registro da morte foi proibido no princípio, mas não escapou das lentes. Após a queda de Sebastopol, em Setembro de 1855, principal base marítima dos russos no Mar Negro, na Criméia, James Robertson teria, pela primeira vez, fotografado os mortos do confronto. O “universo do mostrável”, na expressão de Andión (cit. in. Sousa 2004 p.35), havia sido aberto para os horrores da guerra. Será então no século XX que a cobertura de conflitos ganhará maturidade e partirá para outra fase evolutiva.

Uma série de guerras e conflitos regionais por todo o mundo foram registrados por fotógrafos durante o século XIX, entre eles a guerra civil no Egito, em 1882, a guerra Anglo-Zulu, na África do Sul, em 1879. Porém, a autoria dessas fotografias geralmente são dúbias ou anônimas e são citados apenas os nomes de colecionadores, museus ou agências de imagens que detêm seus direitos de reprodução.

36

Sobre essa questão, Kossoy (2007, p. 70) lembra que resgatar do anonimato os fotógrafos regionais ou itinerantes é tarefa importante, “seja sob o ângulo da história social e cultural da fotografia, seja sob a perspectiva da memória histórica”. Mesmo não sendo foco deste estudo, entende-se a urgência de sensibilizar historiadores locais para dedicarem-se a rastrear sistematicamente fotógrafos que trabalharam numa certa região ou período, contribuindo para diminuir assim a falta de conhecimento sobre eles, o processo de produção e aquilo que fotografaram.