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2. A fotografia de guerra na primeira metade do século

2.1. O avanço da imagem no contexto das duas grandes guerras

No fim do século XIX houve nos Estados Unidos o desenvolvimento do jornalismo de vertente mais popular, dito sensacionalista. É chamado pelos historiadores como a segunda geração da imprensa popular. As publicações buscavam ser mais acessíveis e queriam alcançar o público comum, não apenas a elite econômica e política (Sousa, 2006). A guerra Hispano-Americana (1898) foi bastante explorada, jornais e revistas responderam à demanda do público pela fotografia investindo na tecnologia halftone e na cobertura do conflito. Os jornais sensacionalistas, diga-se de passagem, tendem a fazer mais uso de imagens, mesmo nos dias atuais. No caso deste conflito, Becker (apud Sousa, 2004), afirma que os editores perderam o controle ao utilizarem uma generosa quantidade de imagens, por vezes forjadas e duvidosas, para atrair os leitores e promover suas publicações.

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A popularização das câmeras fotográficas, que vinham conquistando o consumidor comum desde a invenção da primeira Kodak11, em 1888, e o crescimento do uso da fotografia na mídia, preocuparam os militares durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Segundo Howe (2002, p. 18), o conflito “foi o primeiro a ser fotografado por fotógrafos militares” que tinham acesso controlado às movimentações de tropas e às batalhas, sendo proibido tirar fotografias sem autorização, o que tentava controlar os soldados que levaram máquinas portáteis para o conflito.

A distribuição de fotografias, e também filmes de propaganda que eram produzidos pelos governos, foi utilizada de maneira psicológica, tornando-se parte da estratégia de guerra das organizações militares. Espécies de centros de comunicação foram organizados para tentar garantir o controle da produção de imagens, a mesma experiência será aperfeiçoada na guerra seguinte.

Durante a Primeira Guerra, os militares franceses foram exemplo de organização de jornalistas, formando “um grupo de correspondentes de guerra oficiais fardados, com uma faixa verde no braço e a patente de capitão” (Pereira, 2005, p. 44). Na frente norte- americana, Edward Steichen, um dos fotógrafos fundadores do Photo Secession12, comandou parte dos serviços fotográficos da American Expeditionary Forces, porém os milhares de negativos produzidos foram extraviados e os que ainda estavam conservados só apareceram para o público anos após a guerra (Howe, 2002; Sousa, 2000).

Os Estados Unidos começaram a treinar soldados para filmar e fotografar no fim de 1942, já na Segunda Guerra (1939-1945). Os fotógrafos e cinegrafistas combatentes usavam câmeras Eyemo 35mm para filmagens e câmeras Speed Graphic 4x5 para fotografias. Cerca de 1.500 homens foram treinados e desembarcaram na Europa e Ásia para a documentação do espetáculo da guerra (Schickel, 2000).

Em 1914, quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial, apareceram fotógrafos independentes interessados em fotografa-la. O inglês James Hare, que trabalhava nos Estados Unidos, havia fotografado a guerra Hispano-Americana para a revista Collier’s

      

11 A campanha publicitária da Kodak dizia: Você aperta o botão. Nós fazemos o resto. Isso promoveu a 

fotografia a um produto de massa.  

12 Movimento fotográfico fundado no início do século XX que se emancipou dos pictorialistas, buscando 

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Weekly e ofereceu-se para retornar à Europa com intuito de trabalhar pela Leslie's Weekly. Tentou-se pela primeira vez num conflito o fluxo de produção fotográfica, mesmo que não houvesse como utilizá-lo no timing da notícia. Mas, é ainda um panorama que está se organizando e que vai se consolidar posteriormente, durante a iminência da Segunda Guerra.

De 1815, com o fim das invasões napoleônicas, até 1914 o mundo não havia presenciado guerras de proporções territoriais mundial envolvendo diversas nações, muito menos as batalhas que ocorreram eram travadas em seus próprios territórios, à porta de suas próprias casas. Foram, segundo Hobsbawn (2008, p.33), mais de trinta anos de guerra até 1945 e a primeira “envolveu todas (grifo do autor) as grandes potências, e na verdade todos os Estados europeus”, com exceção de poucos.

Seria natural, portanto, que houvesse uma comoção maior no esforço de união e cada população via-se no dever patriótico de defender seu lado, seu território. Não foi diferente com os fotógrafos e jornalistas, que foram chamados pelos militares e governantes para uma grande mobilização nacional e “prestaram-se mesmo à função de veículos de divulgação da propaganda do Governo” (Pereira, 2005, p. 45). Mesmo assim, a ação de jornalistas e fotógrafos durante as duas grandes guerras do século XX foi amplamente controlada, na maioria das vezes sobre alegação de poder alimentar os inimigos com informações importantes que comprometeriam a estratégia.

Nas publicações, a fotografia transformou a maneira como a notícia era produzida e passou acompanhar reportagens de todos os tipos: assuntos domésticos; cultura; moda; ciência e vários outros, além das notícias sobre o que acontecia no mundo. As imagens eram cada vez mais recorrentes e, ilustrando os acontecimentos da semana, faziam as revistas atingirem seu público consumidor.

De acordo com Freund (1989, p. 136), para garantir os lucros com aumento das tiragens “era preciso tornar as revistas atraentes para uma grande massa de compradores”. A autora lembra que o surgimento de revistas no período entre guerras estava sendo impulsionado pela publicidade, que foi sua fonte de lucro. Segundo ela, os progressos da fotografia vieram com os novos processos de impressão, com a criação do

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belinógrafo13 e com os anúncios: “um dos factores decisivos para o seu sucesso foi o papel todo-poderoso da publicidade”. Por isso, para os editores, capturar o mundo e seus acontecimentos em imagens tornava-se tarefa primordial para o sucesso das revistas e jornais. O mundo, então, não seria visto da mesma maneira. Nem as guerras.

A Guerra Civil Espanhola (1936) foi, segundo Sousa (2004, p.85), “a primeira guerra moderna amplamente fotografada por órgãos de imprensa de todo o mundo”, o que fez dela um laboratório de experimentação para fotógrafos e editores que se envolveriam na cobertura da Segunda Guerra Mundial.

Para diversos historiadores da fotografia (e.g. Persichetti, 2005; 2006; Sousa, 2004) o período dos anos 20 e 30 foi determinante para definir a fotojornalismo. Isso não se deve somente ao surgimento de revistas e agências importantes, como as norte- americanas Life (1936) e Associated Press (1935), ou a revista francesa Vu (1928), ou ainda a russa USSR Im Bild (1930), que tiveram fotógrafos em suas equipes que tornaram-se ícones nos anos posteriores. O cimento para a eclosão dessas publicações estava, entretanto, na consolidação de uma sociedade de consumo e nas infinidades de assuntos a serem fotografados na pós-Primeira Guerra.

A Europa, após o catastrófico período de 1914-18, estava em colapso econômico, com suas grandes potências endividadas e sem recursos. Os Estados Unidos passavam por um período de desenvolvimento econômico, iniciado desde antes de 1914. Em 1929, dominavam 42% da produção industrial mundial (Hobsbawn, 2008) e eram, em larga escala, dependentes da economia europeia. A grande depressão, que vai ter seu pior período entre 1932-33, estava então anunciada desde o fim da guerra e com o enfraquecimento dos países europeus e o colapso das bolsas em 1929, os demais países, chamados então de terceiro mundo, foram arrastados juntos (Hobsbawn, 2008, p. 98):

Houve uma crise na produção básica, tanto de alimentos como de matérias- primas, porque os preços, que haviam deixado de ser mantidos pela formação de reservas como antes, entraram em queda-livre.

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 O aparelho foi inventado por Edouard Belin, em 1907, e servia para enviar imagens fixas por telefone.  Foi aperfeiçoado pelos japoneses e nos dias de hoje o conhecemos pelo nome de fax (abreviatura de 

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Por outro lado, na contramão desta retração econômica, o jornalismo passava por sua idade de ouro. É justamente nestes momentos que a informação, matéria-prima dos jornalistas, torna-se um bem valorizado. As pessoas envolvidas nas produções destas revistas, jornais, agências, estavam, de alguma forma, circulando pelo centro do poder econômico e político, fazendo girar a informação pela demanda de interesse. Não é óbvio dizer, entretanto, que a concentração deste interesse não estava na esmagadora população sem emprego, que atingiu 23% da população norte-americana, 29% da austríaca ou 44% da alemã (Hobsbawn, 2008).

Juntamente com as consequências que atingiram mais de perto essa massa populacional desempregada em todo mundo – um dos motivos de surgir a Farm Security Administration14 – e os demais pequenos conflitos que eclodiram, na Irlanda (1919-1923), na Espanha (1936), o levante bolchevita na ex-URSS, enfim, todo o mundo oferecia ao fotojornalismo circunstâncias fenomenais para alimentar sua produção. Não que em anos anteriores isso não aconteceu, mas a fotografia nunca esteve tão preparada como naqueles anos.

Assim, após guerras, conflitos regionais, as evoluções tecnológicas das câmeras portáteis e sua propagação pelo mundo, os avanços no processo de impressão, o surgimento de meios de transmitir fotografias por telefone, o panorama para o fotojornalismo estava completamente alterado em relação às experiências de Fenton, lá em 1855.

Ressalta-se ainda que na primeira metade do século XX, a conjuntura econômica, política e tecnológica que alavancou os meios de comunicação, foi responsável pela ascensão da fotografia, usada de forma estratégica – no caso militar – propagandística, artística e jornalística, mas também consagrou um elevado número de fotógrafos que, a partir dos anos 30, aventuravam-se pelo mundo nas coberturas dos mais diferentes assuntos de interesse noticioso, fazendo aquilo que Hare, Fenton e muitos outros tinham iniciado quase cem anos antes.

      

14 Criado durante o New Deal, o projeto FSA (1935) tinha o intuito de fazer um levantamento 

fotográfico‐documental sobre a realidade rural dos Estados Unidos. Do grupo contratado para o  trabalho saíram nomes importantes para a fotografia moderna, entre eles Dorothea Lange e Walker  Evans. 

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