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3. A Fotografia e a Cobertura de Guerra após

3.3. O Embedded Midia Program

Todo o período da Guerra no Iraque, desde Março de 2003 até os dias de hoje, ficou marcado pela cobertura jornalística por meio do sistema embedded, que ora foi visto com dúvidas e necessidade de debate (Fontenelle, 2004; Oehl, 2004), ora como sendo bem sucedida e o futuro das relações entre militares e jornalistas (Rodriguez, 2004; Starnes, 2004; Paul e Kim, 2004). O sistema foi empregado na invasão do Afeganistão, primeiro alvo das movimentações norte-americana após o ataque ao World Trade Center, em 2001.

Starnes (2004) observa que Donald Rumsfeld, então Secretário de Defesa do governo Bush durante a Operation Iraqi Freedom, tinha três opções para o sistema de fluxo de informação e a cobertura da imprensa. A primeira, seria restringir o acesso ao teatro de operações e utilizar a prática de briefings disponibilizados a partir do Pentágono. A segunda seria o sistema de pool, que privilegiaria os membros do DNMP44 e a terceira aplicar o Embedded Midia Program (EMP), criado por Victoria Clarke e Bryan Whitman, ambos do setor de Relações Públicas do Departamento de Defesa (Rodriguez, 2004).

O modelo conceitual do sistema teve vários alicerces fundamentais, o principal, do ponto de vista jornalístico, foi o acesso e democratização da informação, que também possibilitou ao mundo, segundo Rodriguez (2004, p. 57), uma visão sem precedentes do conflito e dos combatentes:

Este estado-da-arte visual trouxe ao público imagens em tempo real, sons e o universo do soldado por meio de veículos com satélites, videofones, telefones móveis e fotografia de visão noturna.45

Outro alicerce, que serviu propósitos de estratégia militar, foi o controle psicológico proveniente da relação entre soldado e jornalista para conseguir reportagens favoráveis e positivas. Naturalmente que a influência por meio da aproximação dos principais agentes das duas instituições não foi assumida, nem proclamada abertamente

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 Department of Defense National Media Pool 

45 “This state‐of‐the‐art view brought the public real‐time images, sounds, and soldiering via gyroscopic 

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por parte dos militares. Mas, foi possível identificar em investigações posteriores e no reconhecimento de manipulação psicológica, pelos próprios jornalistas (Fontenelle, 2004).

A princípio, as intenções, nas palavras de Bryan Whitman (cit in Rodriguez, 2004, p. 61), eram “neutralizar os esforços de desinformação dos nossos adversários (…) queríamos estar aptos para demonstrar o profissionalismo do exército dos Estados Unidos46”. O EMP resultou em mais de 600 jornalistas (80% norte-americanos e 20% estrangeiros), incluindo profissionais árabes como os da rede de televisão Al-Jazeera, embutidos com os soldados (Rodriguez, 2004; Paul e Kim, 2004).

Oehl (2004) defende que o sistema deve continuar à medida que possa resultar num melhor entendimento não apenas da necessidade de relacionamento entre imprensa e militares, mas como ele pode trazer benefícios para ambas instituições. Segundo ele, o processo embedded vem servindo para quebrar os preconceitos e visões pré-concebidas que tanto a mídia como os militares têm entre si.

Victoria Clarke (cit in Paul e Kim, 2004, p. 2) defende o mesmo, de forma mais direta: “este será o modelo agora, eu acredito, a não ser que você conheça outro para o futuro47.” Entretanto, Fontenelle (2004) vê o sistema com cautelas e faz críticas, apesar de reconhecer que foi estabelecida uma relação proativa entre mídia e militares. Segundo ela (2004, p. 89), que recolheu depoimentos de 18 jornalistas:

Ao contrário do que a maioria dos repórteres entrevistados acreditam, por trás da cobertura, houve sim manipulação e controle. E do pior tipo: aquele cujos objetivos são claros para quem os planeja e ocultos para os que ajudam a alcançá-los.

Para ela, a partir do momento em que o embedded estabelece uma relação de proximidade com os militares, sua percepção dos fatos é alterada. Fica evidente a influência psicológica. Oehl (2004, p. 52), apesar de não concordar com essa perspectiva, também verificou por meio de depoimentos de jornalistas que essa

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 “Neutralize the disinformation efforts of our adversaries (…) we wanted to be able to demonstrate the  professionalism of U.S. military”. 

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influência desconcertou alguns profissionais na hora de produzir suas notícias, como no exemplo a seguir, citado por Andy Rooney48:

É muito difícil escrever alguma coisa crítica sobre um soldado com quem você vai tomar o café da manhã no próximo dia (…) Suspeito que nesta guerra teremos um monte de histórias sobre heróis.49

David Howard, do Ministério de Defesa britânico, que comandou a operação de mídia na frente inglesa, confirmou essa estratégia (cit in Fontenelle, 2004, p. 89): queríamos uma cobertura favorável e nós sabíamos que conseguiríamos dessa forma”. Percebe-se, portanto, que há duas visões distintas e conflituosas longe de alcançarem um entendimento e que, se realmente debatidas, podem significar o sucesso ou a falência do EMP.

Considerações

A evolução técnica da fotografia e sua relação ideológica com o meio social no qual esteve inserida ao longo dos anos, desde sua invenção, influenciaram no modo como seus conteúdos foram produzidos, distribuídos e compreendidos. O surgimento de tecnologias criou facilidades, democratizou seu processo e ampliou sua distribuição.

Como visto, enquanto meio e mensagem, a fotografia percorreu os anos modernos da história e por mais variadas que fossem as intenções de seus produtores ela não deixou de ser um documento representativo, resultante de uma complexa elaboração técnica, estética e cultural, que deve ser compreendida dentro do contexto no qual foi criada.

Com relação à fotografia de guerra, viu-se que esta possui sua própria história entrecruzada pela história da fotografia, da imprensa e da instituição militar enquanto organismo social e cultural a serviço de nações e seus interesses. Neste contexto, as

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 Andy Rooney, na altura, fazia parte do programa 60 Minutes, da CBSNews.  

49 “It’s very difficult to write anything critical about a guy you’re going to have breakfast with the next 

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relações entre jornalistas, fotojornalistas e militares passaram por períodos de adaptações e sistemas foram criados para aliviar as tensões e sistematizar as coberturas.

De uma cobertura militante e congruente com a imagem nacionalista e propagandista (e.g. Criméia, Primeira e Segunda Guerra), passou-se para a liberdade assistida e apoio logístico irrestrito (e.g. Vietnã), fazendo crescer as tensões entre jornalistas e militares. Após esse período entrou-se numa era de restrições (e.g. Panamá, Granada e Golfo) e posteriormente na abertura do acesso e controle psicológico (e.g. Iraque e Afeganistão).

Com o paradigma digital ocorre um vácuo no controle por parte dos militares, mas rapidamente são buscadas formas de contornar esse problema, surgindo novas tensões. No próximo capítulo aborda-se o universo do ciberespaço e as implicações ocorridas com o processo de digitalização da sociedade, do jornalismo e da fotografia.

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Capítulo II

Neste capítulo são apresentadas, de forma concisa, as definições usadas para conceituar os formatos de Web discutidos atualmente, bem como os modelos de relações sociais surgidos da consolidação do formato Web2.0 e do uso da fotografia digital doméstica. Assuntos desenvolvidos com contextualização histórica e observando suas aplicações na sociedade.

Abordam-se também, histórica e conceitualmente, o jornalismo produzido em ambiente Web e as características de desenvolvimento das suas gerações. Procura-se abranger os pontos principais das discussões atuais sobre o assunto, além de apresentar o modelo investigado por Barbosa (2007): jornalismo digital em base de dados.

Ainda no contexto do jornalismo on-line, avaliam-se os estágios da digitalização do fotojornalismo e seus formatos de aplicabilidade na Web, sem deixar de contextualizar a evolução tecnológica que levou ao surgimento da fotografia digital. Por fim, são observados os modelos possíveis de se encontrar atualmente, contribuindo para dar continuidade à discussão sobre o lugar do fotojornalismo digital na história do fotojornalismo moderno.