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1 APRESENTAÇÃO DAS SOCIEDADES POR AÇÕES

3.4 Governança corporativa no Brasil

3.4.1 Código de governança corporativa do IBGC

No Brasil, o documento mais avançado sobre governança corporativa foi elaborado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativo (IBGC). Sua primeira edição publicada é de 1999 e no ano de 2004 sofreu substancial aperfeiçoamento, ampliando o detalhamento das preocupações e recomendações das melhores práticas para as empresas.

Basicamente, trata-se de um documento que envolve seis partes: propriedade, conselho de administração, gestão, auditoria independente, conselho fiscal, e conduta e conflito de interesses.

430 Cf. WYMEERSCH, Eddy. The transfer of the company’s seat in European company law.

ECGI Law Working Paper, n.8, 2003, p.10-1.

431 Não se dará destaque a Cartilha da CVM, pois para admissão nos mercados premium, requer-

se o exposto nos Regulamentos da Bovespa e os demais temas são melhores abordados pelo IBGC. Entretanto, para não ser ausente, resume-se em três tópicos: transparência, conselho de administração e proteção a minoritários.

Quanto à transparência: a) facilitar o acesso dos acionistas às assembléias gerais; b) tornar os acordos entre acionistas disponíveis aos demais sócios da empresa; c) tornar claras as exigências necessárias para o voto e representação de acionistas; d) convocar as assembléias com antecedência mínima de 30 dias, quando houver assuntos complexos em pauta; e, e) divulgar relação dos acionistas detentores de mais de 0,5% do capital da empresa e suas respectivas quantidades de ações.

Quanto ao conselho de administração: a) ter de 5 a 9 membros, com o maior número possível de membros independentes da administração da companhia; b) mandato unificado de 1 ano, permitida a reeleição; c) adoção de regimento sobre atribuições e periodicidade mínima das reuniões; d) avaliar formalmente, a cada ano, o desempenho do principal executivo da companhia; e) permitir a eleição de 1 membro do conselho pelos detentores de ações preferenciais; e f) cargos de Presidente do Conselho de Administração e Presidente da Diretoria Executiva exercidos por pessoas diferentes.

Por último, quando à proteção a minoritários: a) conceder direito de voto às ações preferenciais, pelo menos, em decisões de alta relevância; b) extensão de tag along a todos os acionistas, independente de espécie ou classe de ações; c) proibição de contratos de prestação de serviços por partes relacionadas com a companhia, com remuneração baseada em faturamento ou receita; d) direito a voto para ações preferenciais em caso de não pagamento de dividendos; e) privilegiar a solução de impasses entre acionistas por meio de arbitragem; f) buscar o aumento da participação de ações ordinárias no capital e não emitir novas ações preferenciais. (COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). Recomendações da CVM sobre governança corporativa. São Paulo: CVM, 2002).

432 Disponível em http://www.ibgc.org.br/ibConteudo.asp?IDArea=864&IDp=3. Último acesso

Os objetivos primordiais são: aumentar o valor da empresa, melhorar seu desempenho, facilitar seu acesso ao capital a custos mais baixo, e finalmente, contribuir para sua perenidade.

Embora muitos temas já estejam cobertos pela legislação, o Código do IBGC tem como mérito aprofundar as discussões, fundando-se nos seguintes princípios:

1. Transparência (disclosure): dever de informar, fundado em comunicação rápida, disseminada e precisa sobre desempenho econômico-financeiro e outros que norteiem a ação empresarial e a criação de valor;

2. Eqüidade (fairness): tratamento justo e igualitário, não discriminatório ou equânime dos acionistas, independente do tamanho da participação acionária, bem como das partes interessadas; 3. Prestação de contas (accoutability)433: os agentes de governança

devem prestar contas de seu desempenho a quem o elegeu e responder integralmente pelos atos praticados;

4. Responsabilidade corporativa: o enfoque do gestor deve ser a visão de longo prazo e sustentabilidade434 da empresa, incorporando elementos sociais e ambientais na definição de estratégias empresarias435.

433 Relação custo-benefício entre objetividade e proximidade no controle de informações: BOOT,

Arnoud; MACEY, Jonathan; SCHMEITS, Anjolein. Towards a new theory of corporate governance: objectivity versus proximity. Columbia, Fevereiro, 2005.

434 Sobre sustentabilidade, não é possível deixar de mencionar o esforço no seio das Nações

Unidas para a defesa desse tema, manifestamente declarado no Pacto Global (www.globalcompact.org). O objetivo do Pacto Global é encorajar o alinhamento das políticas e práticas empresariais com os valores e os objetivos aplicáveis internacionalmente e universalmente acordados, cujos princípios são: Princípios de Direitos Humanos: 1. Respeitar e proteger os direitos humanos; 2. Impedir violações de direitos humanos; Princípios de Direitos do Trabalho: 3. Apoiar a liberdade de associação no trabalho; 4. Abolir o trabalho forçado; 5. Abolir o trabalho infantil; 6. Eliminar a discriminação no ambiente de trabalho; Princípios de Proteção Ambiental: 7. Apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais; 8. Promover a responsabilidade ambiental; 9. Encorajar tecnologias que não agridem o meio ambiente. Princípio contra a Corrupção: 10. Combater a corrupção em todas as suas formas inclusive extorsão e propina.

435 Neste princípio, no próprio código do IBGC é citado o valor da criação de empregos e

riquezas para a comunidade, o desenvolvimento pela tecnologia e a melhoria da qualidade de vida.

Tem como premissa que os sócios são proprietários da sociedade, na proporção de sua respectiva participação no capital social436, e cada ação deve assegurar um voto437. O objetivo principal é alinhar os interesses entre todos os sócios, sendo o voto instrumento eficiente para fiscalização. Há uma preocupação de superação da diferença entre ações ordinárias e preferenciais, tornando todas as ações votantes em igualdade de condições. Em não sendo possível, todas as situações de direito de voto para ações preferenciais devem constar no estatuto social.

O Código autoriza o acordo de acionistas, desde que devidamente arquivado na sociedade e plenamente disponível a qualquer interessado. É recomendado que não vincule ou restrinja o direito de voto, inclusive especificando indicações a diretores da sociedade.438

Todos os sócios estarão registrados, bem como sua participação acionária e nos valores mobiliários. Tal informação deve ser disponibilizada a qualquer sócio.439

A assembléia geral, na visão do Código é o órgão soberano, e sua competência exclusiva deve ser respeitada440. Sugere-se que sua convocação seja feita com antecedência mínima de trinta dias441, e a escolha de local, data e hora

condicionada a facilitação da presença de todos442. A pauta e documentação devem ser disponibilizadas na primeira convocação e a inscrição de temas como itens genéricos (outros assuntos) deve ser vedada. Recomenda-se que a documentação seja amplamente detalhada para assegurar o exercício de voto adequado443. Os acionistas podem realizar proposições à assembléia e perguntas prévias à diretoria podem ser feitas444. As regras de votação devem ser bem

436 Item 1.1 437 Item 1.2 438 1.3 439 1.4 440 1.5.1 441 1.5.2 442 1.5.3 443 1.5.4 444 1.5.5 e 1.5.6

definidas e amplamente divulgadas, criadas com o propósito de facilitar a votação. O voto por procuração ou outro canal deve ser permitido. E, os mandatários devem votar de acordo com as instruções expressas dos acionistas445.

Havendo conflito de interesses, o acionista se absterá de discutir e deliberar sobre o tema, por si ou por representante446.

A oferta de compra de ações que resulte na transferência do controle societário deve ser dirigida a todos os sócios e não apenas aos detentores do bloco de controle447. Os acionistas devem ter a opção de vender suas participações nas mesmas condições, e o prêmio de controle pago deve ser dividido entre todos os sócios. A transferência de controle deve ser feita a preço transparente. Em caso de fechamento de capital, no estatuto deverá constar que o direito de retirada será calculado no mínimo com base no valor econômico.

Informações internas (ou privilegiada, ou insider information) ainda não divulgadas ao mercado não deverão ser usadas, por quem tenha conhecimento, para benefício próprio ou de outrem. A sociedade criará uma política de divulgação de informações cuja adesão será obrigatória a todas as partes internas.448

A arbitragem deve ser o meio preferencial para resolução de conflitos entre sócios e sócios e sociedade, devendo constar sua previsão em estatuto e firmado em termo próprio individualmente.449

As companhias de capital aberto devem estimular a dispersão e manter em circulação o máximo possível de ações, garantindo condições de liquidez a tais títulos450.

Empresas familiares451 devem considerar a implementação de um

Conselho de Família para definir interesses familiares e empresarias, determinando limites, preservando valores, planejando sucessão etc452.

445 1.5.7 446 1.5.8 447 Tag Along 1.6 448 1.8 449 1.9

É recomendação presente no Código que toda organização tenha um conselho de administração eleito pelos acionistas e designado para representá- los. O conselheiro deve atuar pró-objeto social e pró-sustentabilidade de longo prazo, ou seja, decidindo no melhor interesse da companhia, dissociando-se do grupo que o elegeu e buscando a consideração de todos os agentes no processo453. É função do Conselho de Administração proteger o patrimônio, maximizar o retorno do investimento e agregar valor, zelando pela manutenção dos valores da empresa, crenças e propósitos dos acionistas, e reduzindo situações de conflitos de interesses em favor da prevalência do interesse social454. Deve ser formado por cinco a nove membros455, com mandato preferivelmente de um ano.456

Compete ao Conselho de Administração elaborar estratégias, eleger e destituir os executivo principal e diretoria, supervisionar gestão e monitorar riscos. Cabe ao Conselho acompanhar o relacionamento da Diretoria com as partes interessadas e substituir os auditores independentes457.

O executivo principal realiza as diretrizes fixadas pelo Conselho de Administração e a ele presta contas. Seu dever de lealdade é para com a sociedade458. Os diretores deve ser indicados pelo executivo principal e aprovados pelo Conselho de Administração459.

Cabe ao executivo principal prestar informações tão logo disponíveis e ainda que negativas. Sua linguagem deve ser clara, acessível e objetiva e ofertada imediatamente nos meios tecnológicos de larga difusão, como

450 Free float 1.11

451 Nesta tese não foi dado destaque aos assuntos da empresa familiar, pois a governança

corporativa em geral, aqui estudada, acaba por resolver as questões semelhantes, não importando se a razão do abuso é um familiar ou um favorecido dos gestores.

452 1.10 453 2.1 454 2.3 455 2.10 456 2.18 457 2.4 458 3.1 459 3.2

Internet460. Não é recomendável que o presidente do conselho e o executivo principal sejam a mesma pessoa, a fim de se evitar a concentração461 de poder.462

No Conselho de Administração deve haver conselheiros independentes.463 Tais conselheiros caracterizam-se não ter qualquer vínculo com a sociedade, exceto eventual participação de capital; não ser acionista controlador, membro do grupo de controle, cônjuge ou parente até segundo grau destes, ou ser vinculado a organizações relacionadas ao acionista controlador; não ter sido empregado ou diretor da sociedade ou de alguma de suas subsidiárias; não estar fornecendo ou comprando, direta ou indiretamente, serviços e/ou produtos à sociedade; não ser funcionário ou diretor de entidade que esteja oferecendo serviços e/ou produtos à sociedade; não ser cônjuge ou parente até segundo grau de algum diretor ou gerente da sociedade; e, não receber outra remuneração da sociedade além dos honorários de conselheiro (exceto dividendos oriundos de eventual participação no capital).464

Para certos temas que exigem estudos mais aprofundados, recomenda-se a criação de comitês específicos que, após debate, levem suas propostas ao Conselho pleno, único a tomar decisões.465 Um comitê possível é o de remuneração. A remuneração deve: refletir o tempo, esforço e experiência dedicados à função; propiciar incentivo adequado e não comprometer o julgamento independente.466

O relatório anual deve ser privilegiado, já que é o documento mais importante e abrangente de informações sobre a organização. Recomenda-se que não se limite às informações exigidas em lei, mas inclua aspectos mais amplos da atividade empresarial, que não confidenciais. Sua elaboração cabe à Diretoria, porém o Conselho de Administração deve aprová-lo e recomendar a aceitação ou

460

3.4

461 Sobre a negativa correlação entre alta concentração de propriedade e baixa qualidade da

proteção legal dos investidores: LA PORTA, R.; LOPES-DE-SIANES, F.; SHLEIFER, A.; VISHNY, R. Law and Finance. Journal of Political Economy, n.106, 4: p. 113-155, 1998.

462 2.7 463 2.12 464 2.12 465 2.8 466 2.21

rejeição pela assembléia geral467. No documento deve-se mencionar as práticas de governança corporativa implementadas ou a ser adotadas a curto prazo468, bem como a participação e remuneração dos administradores469. A sua escrita deve seguir padrões internacionais de contabilidade470.

À Diretoria cabe estabelecer os mecanismos de controle interno de informação e zelar pelo código de conduta da empresa471. O executivo principal avalia a Diretoria, e ele é avaliado pelo Conselho de Administração472.

A remuneração da Diretoria deve incentivar apropriadamente, alimentando a visão de criação de valor a longo prazo em todos os níveis funcionais. A política de remuneração deve ser resultado de um procedimento formal e transparente, independente de qualquer diretor que a ela seja submetido. Opções de compra de ações de empresa com desconto devem ser evitados473.

Toda sociedade deve ter uma Auditoria Independente, cuja função elementar é verificar se as demonstrações financeiras refletem adequadamente a realidade da organização474, verificando a conformidade com práticas contábeis precisas, emitindo parecer e responsabilizando-se.475

Os auditores independentes devem se reportar ao Conselho de Administração ou Comitê de Auditoria, se presente476, e não devem assumir qualquer função dentro da organização para assegurar independência.477

Os auditores devem ser contratados por período predefinido, e sugere-se que sua recontratação fique condicionada à aprovação da maioria dos acionistas presentes em assembléia.478

467 3.5 468 3.5.1 469 3.5.2 470 3.5.3 471 3.6 e 3.7 472 3.8 473 3.9 474 4.1 475 4.2 476 4.4 477 4.8 478 4.5

Como sabido, o conselho fiscal não é órgão obrigatório em todas as sociedades por ações. Sua função principal é o controle independente para os sócios. Há a recomendação479 que os membros do Conselho criem uma agenda mínima de trabalho que revele os focos de seu trabalho e a periodicidade das informações divulgadas aos conselheiros. Deve elaborar um regimento interno para atuação que não impeça o trabalho individual do membro. Sua ação deve ser pautada pela equidade, transparência, independência e confidencialidade, quando necessária.480

O Conselho Fiscal não substitui o Comitê de Auditoria que é órgão de controle do Conselho de Administração, enquanto o primeiro é dos sócios. Havendo superposição de funções deve-se buscar atividade conjunta e coordenada.481

A remuneração do conselheiro fiscal deve ser adequada ao desenvolvimento dos trabalhos, e o reembolso de despesas justo.482

No próprio Código sugere-se que se inclua nas melhores práticas um código de conduta para relacionamento entre conselheiros, sócios, fornecedores, empregados e demais partes interessadas, cobrindo temas: sonegação, conflito de interesses, informação privilegiada, assédio sexual, meio ambiente, segurança no trabalho, atividades políticas, nepotismo, privacidade etc.483

Sobre conflito de interesses484 pede-se que a parte decisória suscetível a influência estranha ao interesse da organização deve se manifestar tempestivamente seu impedimento, ou terceiro pode fazê-lo, devendo inclusive afastar-se fisicamente nas discussões e deliberações.

Sobre relacionamento com partes interessadas convém evitar os abusos, garantindo negociações e acordos dentro dos parâmetros de mercado. Empréstimos entre tais agentes devem ser proibidos.

479 5.3 480 5.4 481 5.5 482 5.8 483 6.1.1 484 6.2

O código do IBGC revela-se um excelente instrumento para as empresas que queiram implementar as práticas. É moderno e eficiente, repetindo muitas das orientações estudadas nos Princípios da OCDE e outros códigos analisados em capítulo anterior.

Igualmente valorosos são os esforços da Bovespa com os segmentos de listagem diferenciados que estipulam regramentos próprios de governança que convém descrever no próximo tópico.