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O CONCEITO CULTURA NA

C APÍTULO 6 E STRUTURA DA LÍNGUA E ESTRUTURA DA SOCIEDADE

Esse artigo expõe a fala pronunciada por Benveniste em uma conferência, em 1968, em Milão, no Convegno Internazionale Olivetti96. Nessa ocasião, Benveniste propõe-se a

“examinar as relações entre duas grandes entidades que são respectivamente a língua e a sociedade” (2006[1968b], p. 93), questionando as evidências e colocando uma contradição. Segundo o autor, “não se descobre da língua para a sociedade nenhuma relação que revelaria uma analogia em sua respectiva estrutura” (2006[1968b], p. 93), embora, a sociedade não seja independente da língua. Retomando Sapir, Benveniste discorda do ponto de vista adotado por ele, dizendo que as ponderações desse autor levar-nos-ia a “concluir que língua e sociedade não são isomórficas, que sua estrutura não coincide, que suas variações são independentes” (2006[1968b], p. 94). Benveniste, também, coloca-se contrário àqueles que tomam a língua como espelho da sociedade. De acordo com ele, “não se pode conciliar estes pontos de vista. Eles mostram que, em todo caso, o problema está longe de ser simples” (2006[1968b], p. 95), propondo-se a examiná-lo.

Segundo Benveniste, essas noções/entidades, língua e sociedade, “são grandezas não- isomórficas, vê-se logo na diferença que as separa em sua organização estrutural” (2006[1968b], p. 95). Analisando suas estruturas, o autor constata que “não existe correspondência nem de natureza nem de estrutura entre os elementos constitutivos da língua e os elementos constitutivos da sociedade” (2006[1968b], p. 95). Para ele, ao comparar essas noções, cai-se frequentemente em uma confusão, que ele busca discursivizar, entre duas acepções desses termos. Diz ele:

RECORTE 11:

[...] existe de uma parte a sociedade como dado empírico, histórico. Fala-se da sociedade chinesa, da sociedade francesa, da sociedade assíria; existe de outra parte a sociedade como coletividade humana, base e condição primeira da existência dos homens. Da mesma maneira existe a língua como idioma empírico, histórico, a língua chinesa, a língua francesa, a língua assíria; e existe a língua como sistema de formas significantes, condição primeira da comunicação. Operando esta primeira distinção, separamos em cada uma das duas entidades dois níveis, um histórico,

outro fundamental. Percebe-se então que o problema das relações possíveis entre

a língua e a sociedade se coloca em cada um destes dois níveis, e que podemos, portanto, admitir duas respostas diferentes. Vimos que, entre uma língua histórica

96 A Convegno Internazionale Olivetti, realizada em Milão, entre os dias 14 e 17 de outubro de 1968, tinha como tema “Linguaggi nella società e nella técnica” (“Linguagem na sociedade e na tecnologia”). O congresso homenageava o centenário do nascimento de Camillo Olivetti, fundador da empresa italiana Olivetti, que produzia máquinas de escrever. As apresentações realizadas nessa conferência foram publicadas, pela Edizioni di Comunità, em 1970.

e uma sociedade histórica, não se pode estabelecer correlação como um signo de necessidade; mas num nível fundamental, podemos perceber imediatamente homologias (2006[1968b], p. 96, grifo negrito nosso).

Em vista do recorte 11, Benveniste compreende sociedade a partir de dois níveis, quais sejam: a) nível histórico, (sociedade brasileira); b) nível fundamental, “como coletividade humana, base e condição primeira da existência dos homens”. No nível fundamental, em que “podemos perceber imediatamente homologias”, Benveniste afirma que língua e sociedade são realidades inconscientes, são sempre herdadas, não são mudadas pela vontade dos homens. Na sequência, o autor assinala que não há correlação estrutural, tipológica, histórica ou genética entre ambas.

Diante do exposto e tendo em vista a nossa argumentação, consideramos que essa distinção feita por Benveniste entre língua e sociedade compreendidas, de um lado, em seu

nível histórico, e, de outro lado, em seu nível fundamental, estende-se ao conceito cultura, uma

vez que, sendo inerente à sociedade, estão em relação de implicação. Sendo assim, paralelamente, podemos conceber cultura, nessa teorização, no nível histórico e no nível

fundamental. No nível histórico, Benveniste mobiliza o conceito cultura como referindo-se a

culturas específicas, por exemplo: “cultura grega” (2006[1966d], p. 268), “cultura helênica” (2006[1966d], p. 272), “cultura ocidental” (2006[1968a], p. 22), “cultura do extremo oriente” (2006[1968a], p. 22), “cultura francesa clássica” (2006[1968a], p. 22) etc. No nível

fundamental, por seu turno, o conceito é empregado como conjunto complexo de representações

organizadas por/em um sistema de valores; em outros termos, cultura é tomado por Benveniste como sistema semiológico interpretado na e pela língua, sistema semiológico interpretante de todos os demais sistemas. Desse modo, sendo a língua o meio de análise da sociedade-cultura, o autor coloca que “a língua é o interpretante da sociedade” e “a língua contém a sociedade” (2006[1968b], p. 97). Do nosso ponto de vista, lemos: a língua é o interpretante da sociedade-

cultura e a língua contém a sociedade-cultura.

O autor, tirando as consequências dessas constatações, ainda nesse texto, afirma, no recorte 12, que:

RECORTE 12:

[...] se pode isolar a língua, estudá-la e descrevê-la por ela mesma sem se referir a seu emprego na sociedade e sem se referir a suas relações com as normas e as

representações sociais que formam a cultura. Em contrapartida, é impossível descrever a sociedade, descrever a cultura, fora de suas expressões linguísticas.

fornece a base constante e necessária da diferenciação entre indivíduo e sociedade. Eu digo a língua em si mesma, sempre e necessariamente (2006[1968b], p. 98, grifo negrito nosso).

Inicialmente, Benveniste assinala a possibilidade, latente e em relação de dominância naquela época, de se analisar e descrever a língua por ela mesma, sem se levar em conta a

sociedade-cultura, isto é, “sem se referir a seu emprego na sociedade e sem se referir a suas

relações com as normas e as representações sociais que formam a cultura”. Nessa formulação, coordenada pela conjunção aditiva “e”, novamente, Benveniste coloca em relação sociedade e

cultura, compreendendo essa última por “normas” e “representações sociais”, tal como o fez

em 2005[1963b], dialogando com a concepção antropológica de cultura de Lévi-Strauss. Na sequência, destacando o caráter interpretante da língua, Benveniste conclui que “é impossível descrever a sociedade, descrever a cultura, fora de suas expressões linguísticas”. Mais uma vez, o autor coordena “descrever a sociedade” e “descrever a cultura”, por vírgula, dando-nos a ler a relação de implicação entre essas duas entidades, inerentes e distintas.

Outro ponto importante de ser destacado, no recorte 12 em tela, refere-se à seguinte afirmação de Benveniste: “a língua fornece a base constante e necessária da diferenciação entre indivíduo e sociedade”. Consideramos que, aqui, os conceitos que compõem o trinômio em análise estão em operação, haja vista podermos associar: a) indivíduo e personalidade, conforme demonstramos no capítulo a seguir (cf. p. 161); e b) sociedade e cultura, tal como discorremos anteriormente. Mais do que isso: Benveniste vincula os conceitos de tal modo a asseverar que “a língua em si mesma” fornece a possibilidade de existência e de diferenciação entre indivíduo-personalidade e sociedade-cultura. O indivíduo-personalidade só existe e é significado, no e pelo uso da língua, em uma sociedade-cultura. Aqui o conceito cultura abre- se ao conceito personalidade, tendo em vista a relação de engendramento entre eles e o conceito

língua.

SEXTA PARTE –LÉXICO E CULTURA