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TEÓRICAS E NOVOS ACORDES

2.6. C APITALISMOS , REORDENAÇÕES , MUDANÇAS

O capitalismo torna-se cada vez mais organizado através da dispersão, da mobilidade geográfica e das respostas flexíveis nos processos de trabalho e nos mercados de consumo, tudo isso acompanhado por pesadas doses de inovação tecnológica, de produto e institucional. Como percebe Castells, não é somente o surgimento de novas tecnologias, mas sim o próprio capitalismo que, ao se reestruturar num dado processo, gerido por fluxos incessantes, tem possibilitado uma maior flexibilidade à dinâmica da sociedade, que passa a funcionar num complexo de redes, principalmente com o surgimento e expansão da internet.

Segundo Castells,

A nossa sociedade está construída em torno de fluxos: fluxos de capital, fluxos de informação, fluxos de tecnologia, fluxos de interação organizacional, fluxos de imagens, sons e símbolos. Fluxos não representam apenas um elemento da organização social: é a expressão dos processos que dominam nossa vida econômica, política e simbólica (CASTELLSs, 2000, p. 43).

A ―crise do Estado-Nação‖ frente ao processo de internacionalização dos mercados e das economias implicou no que chamamos genericamente de globalização. O surgimento da Comunicação Mediada por Computadores (CMC), em 1969, juntamente com o desenvolvimento da microinformática na década de 1970, provocou transformações significativas na produção e distribuição do conhecimento humano. O período entendido como pós-industrial41, por sua vez, será identificado por autores como um novo passo das sociedades em função das rupturas históricas, das mudanças de uma economia baseada em produtos para uma economia de serviços, da velocidade dos avanços tecnológicos — sobretudo da informatização.

A questão que deve ser frisada aqui é que a propriedade da informação se tornou uma substância de reiteradas contendas entre os países, grupos sociais ou organizações empresariais, caracterizando, também, o entorno da comunicação contemporânea. A sociedade contemporânea é permeada por signos, imagens e sons que aparecem por toda parte. A convergência entre comunicação, telecomunicações e informática provocam uma ―reinvenção da cultura‖, sinalizando novos conceitos e abordagens distintas que possam atender as experiências contemporâneas (pelas novas tecnologias e interações). Esse contexto

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Segundo Kumar as diferentes teorias do pós- industrialismo – sociedade da informação, pós-fordismo, pós- modernismo – coincidem em muitos pontos. Temas como a descentralização, a diversificação e a tecnologia da informação são recorrentes paras todas essas abordagens. O que diferencia estas versões, segundo Kumar, não é o tipo particular de desenvolvimento que escolhem, mas os parâmetros que usam para analisá-lo.

é fundamental para a produção de idéias, visto que, segundo Bourdieu, estabelece ―campo de possíveis‖. Segundo este, ―os campos de produção cultural propõem, aos que neles estão envolvidos, um espaço de possíveis que tende a orientar sua busca definindo o universo de problemas, de referências, de marcas intelectuais...‖ (BOURDIEU, 1996, p.53).

Segundo Micael Herschmann, em consonância com diversos outros intelectuais, o uso de computadores interligados em rede mundial é determinante na incorporação das atividades de comunicação – atividades imateriais – como um momento estratégico da produção e do processo de agregação de valor a produtos e serviços (HERSCHMANN, 2007).

Segundo Kumar, a revolução tecnológica da informação e tudo o que ela conota em termos de comunicação instantânea e de compressão do tempo e espaço são elementos fundamentais,

Mas é o caráter global da informação, ‗o espaço de fluxos‘ que liga pessoas e lugares através do mundo por meio da internet e da comunicação eletrônica, que lhe confere um poder decisivo. ‗O espaço de fluxos, a rede global, complementa e em certa medida substitui ‗o espaço dos lugares‘, as localidades que constituíam a principal fonte de nossas experiências e identidades (KUMAR, 2006, p. 35).

Devido à nova forma de organização do trabalho, aos avanços e ao aprofundamento do uso da tecnologia devido à globalização as identidades e as experiências são deslocadas, o que poderíamos chamar de ―informacionalização da experiência‖.

Este fenômeno do compartilhamento de informações a partir da WEB provocou um impacto profundo na maneira de consumir cultura no mundo. Os downloads e uploads têm permitido o acesso à cultura sem o pagamento de valores agregados da indústria. Segundo Silveira, a questão do compartilhamento é um fenômeno recente que está revolucionando a produção simbólica da humanidade e ampliando as contradições do capitalismo informacional (SILVEIRA, 2007).

Esses novos contextos, usos e apropriação tecnológica têm provocado reflexões no entorno da música e dos produtos culturais em geral. Micael Herschman tentando perceber as implicações dessa reordenação do sistema capitalista e, por conseguinte, localizando as dinâmicas e elementos de transição nos oferece aquelas pontuações consensuais da transição da lógica industrial para a pós-industrial. Retomo neste momento alguns dos elementos já citados acima.

No caso das empresas, identifica-se um processo de flexibilização das estruturas das organizações e da produção, tendo em vista uma demanda de mercado não mais massiva e estandadizada de outrora, mas de característica mais segmentada e customizada. No que tange ao relacionamento com os consumidores, a perspectiva unidirecional e pontual é substituída

pela idéia de um processo constante e interativo vis a vis a ampliação da capacidade comunicativa das empresas e consumidores. Vale ressaltar que a internet está sendo fundamental nesse processo de comunicação (discutiremos isso mais adiante), comercialização e distribuição, possibilitando a ausência de intermediários. Estas modificações, entre outras já mencionadas, possibilitaram a Micael Herschman arrumar um quadro das mudanças e continuidades da indústria da música, sob um prisma formal de consumo e de vendas desse produto. Segundo o próprio Micael, o fordismo/pós-fordismo, o industrial/pós-industrial coexistem e podemos perceber as duas formas de gerenciamento da música. Desta forma, Herschman nos apresenta o seguinte esquema analítico, onde podemos avaliar essas mudanças no gerenciamento da música.

No que concerne às empresas, dos conglomerados organizados em unidades produtivas de estrutura organizacional hierarquizada e departamentalizada (onde os selos indies eram terceirizados e pouco competitivos) passamos a conformação de grandes e pequenas empresas organizadas em rede, onde se estabelecem parcerias, associativismos e maior participação daqueles selos. Quanto ao mercado, percebemos a mudança daquele massivo nacional e transnacional do modelo industrial para um de características mais segmentadas (formação de nichos de mercado) de amplitude local e ―glocal‖. No campo do relacionamento com os consumidores a mudança é vertiginosa, onde passamos de uma noção unilateral pelos mercados de mídias para adequação interativa das redes. Além desta mudança, o processo é realizado de forma constante, diferentemente da forma pontual anteriormente fomentada. Quanto a forma de distribuição e comercialização caminhamos para lógicas alternativas. Das lojas, supermercados e megastores, buscamos acessar a música por meio da internet e nos shows, possibilitando o afastamento de intermediários no processo. Outro ponto fundamental da mudança é o papel do conhecimento, que passa a ser um diferencial competitivo (demandando estudos quantitativos e qualitativos de comportamento e tendências dos inúmeros nichos de mercado local/glocal). Quanto à vendagem, de uma dinâmica de difusão/sedução entre os consumidores, estes últimos são chamos a interagir e serem co- produtores. As estruturas dos megashows e mega-eventos são substituídas por pequenos e médios concertos e, sobretudo, pelos festivais. Os contratos dos artistas também não são tão rijos e fixos. Estes passam a ter caráter temporário e não subtraídos a posição de empregado da empresa, mas estimulados a serem colaboradores e parceiros desta empresa. No que cabe ao fomento de inovação, passamos um movimento sazonal para um constante, que tem implicações estéticas fundamentais. De um estímulo de desenvolvimento tecnológico e criação de novos gêneros, temos o estímulo de apropriações, colagens, repertórios simbólicos

por meio de conhecimento tácito da cultura local, ritmos e sons. Esta forma de concepção, que se utiliza do computador e da internet, tem permitido uma nova ética, colaborativa e criativa. Por último, os resultados são revistos. As invenções musicais vão do formato de produtos e mercadorias como o vinil, DVD‘s, CD‘s, entre outros suportes físicos, para um de condição imaterial, estimulando os resultados em termos de serviços.

É importante ao tratarmos dessas mudanças qualitativas e quantitativas no consumo da música enfatizarmos que se trata de transição e, por esse motivo, são visíveis às permanências dos modelos industriais. A flexibilização vem aumentando devido às novas demandas de consumo e da experiência musical como um todo42. Não se trata, portanto de um

―mero redesenho da economia industrial, através da terceirização, gestão de qualidade e/ou implementação de uma gestão cada vez mais on-line de estoques, é, na verdade, um deslocamento da própria função produtiva para as atividades imateriais ou ‗trabalho imaterial‘‖ (LAZZARATO; NEGRI, 2001).

Essas transições que apontamos e avaliaremos por todo restante deste exercício de reflexão só foram possíveis devido à assimilação de novas tecnologias de informação e comunicação aos processos produtivos e conformação de redes sociais que não se limitam a um espaço físico, estático, territorial. No local de trabalho, o externo e o interno se confundem devido às possibilidades recentes das ―janelas‖ do ciberespaço que nos abrem perspectivas distintas. Segundo Micael Herschmann, em consonância com diversos outros intelectuais, o uso de computadores interligados em redes mundial é determinante na incorporação das atividades de comunicação – atividades imateriais – como um momento estratégico da produção e do processo de agregação de valor a produtos e serviços.

Colocados nesses termos, é necessário frisar que não discuto o fenômeno do compartilhamento como epifenômeno dessas mudanças estruturais do capitalismo, mas procuro evidenciar esse contexto mais amplo onde se dão as práticas que investigo. Após ter discutido as mudanças organizacionais das sociedades, de trazer uma série de elementos que conformam a idéia do pós-moderno, gostaria de evidenciar a música e seu entorno que, por sua vez, acessa uma série desses elementos (como já colocado acima) e nos informa como a cultura (produtos culturais) é produzida, distribuída e consumida de forma distinta a partir desses dispositivos que surgiram no bojo desse processo. Não quero dizer com isso que a tecnologia é algo anômalo que se desenvolve apartada ou dissociada dos contextos. A tecnologia também deve ser pensada como uma demanda social e que é apropriada de diversas formas. Essa apropriação é de fundamental importância e nos debruçaremos sobre ela a partir desse momento.

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A cibercultura instaura uma cultura do compartilhamento e de trabalho colaborativo na distribuição e a apropriação dos bens simbólicos. Essa recente forma de experimentar a arte e cultura permite uma relação distinta da propriedade privada, visto que é conformada por intercruzamentos, diversidades e mútuas influências. A cibercultura está possibilitando processos de cooperação e de troca de arquivos por meio das propriedades da tecnologia digital em rede. Esses processos que instauram um domínio público estão sendo chamados de ―copyleft‖, em oposição à lógica privada do copyright que permeou a dinâmica do consumo industrial da cultura.

Esse conjunto de processos tecnológicos, midiáticos e sociais tem senão estimulado, possibilitado a heterogeneidade cultural. Uma das principais características dessa conjuntura é o compartilhamento da cultura sem suportes, estimulando procedimentos colaborativos. A rede se caracteriza como um dispositivo aberto, construída pelas interações.

Estamos passando por um processo de flexibilização, da lógica industrial para uma cultura do compartilhamento. Como meio, a internet confunde a forma tradicional massiva de divulgação cultural. Por meio dela, corrompe-se a verticalidade no trânsito da cultura (emissor-receptor). Trata-se de um processo que envolve a troca, a colaboração (inclusive propiciando novas formas de sociabilidade), onde a apropriação das tecnologias digitais são fundamentais.

Não é por acaso que o processo de compartilhamento tem constrangido à indústria cultural (da música, em especial), visto que a crise de que se discute é dos suportes e não do consumo. Muito pelo contrário, o produto cultural ao ser passível de compartilhamento tem sido muito mais acessado. Freqüentes são os relatórios de pesquisa que revelam tal fenômeno. Porém, essa experiência de consumo musical é distinta. Como tentamos mostrar ao longo do texto, o momento é de incerteza. O estudo de caso que faremos adiante do Sombarato mostra que estamos numa fase de adaptação, onde a indústria ainda procura a manutenção de seus privilégios num contexto de mudança e apropriação social.

A cultura de massa marca a sociedade industrial do século XX. Essa lógica industrial não fomentou a diversidade, mas procurou definir gostos e públicos, cristalizando a comunicação ―um - todos‖. Esta estrutura vem sendo deslocada pela comunicação Todos- Todos sob o auspício da rede. Os indivíduos estão construindo um novo padrão de interação social com os recursos tecnológicos para o compartilhamento. A ―sociedade em rede‖ tem permitido novas formas de sociabilidade e relações através do meio tecnológico.

Os primeiros usuários de redes de computadores criaram comunidades virtuais, e essas comunidades foram fontes de valores que moldaram o comportamento e a organização social

na web. A cultura comunitária virtual acrescenta uma dimensão social ao compartilhamento tecnológico, fazendo da internet um meio de integração social, coletiva e simbólica. (CASTELLS, 2000).

O compartilhamento incide sobre diversos planos da gestão da cultura. Não obstante, as percepções, sensibilidades, entre outras, são de bastante valor para a complexificação do processo. Como bem avalia Sterne, normalmente as reflexões apontam para as mudanças das jurisdições, dos impactos nas indústrias culturais, mas não assimilam a própria técnica influenciando na subjetividade e em novas sensibilidades.

2.7. REDEFINIÇÕES NA EXPERIÊNCIA MUSICAL: SOBRE A TÉCNICA, SUAS