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I NDÚSTRIAS F ONOGRÁFICAS E E MPRESAS DE T ECNOLOGIAS

SEUS CONTEXTOS

1.2. I NDÚSTRIAS F ONOGRÁFICAS E E MPRESAS DE T ECNOLOGIAS

No artigo quanto custa o gratuito: problematizações sobre os novos modos de negócio na música (NICOLAU, 2008), Michel Nicolau Neto traz algumas questões pertinentes para o que discutimos aqui. Neste artigo, Nicolau toca fundamentalmente nas transformações entre as indústria fonográfica e tecnológica nos últimos anos, mais precisamente no final da década de 1990 e que se intensificaram com a virada do milênio. A centralidade do seu argumento é de que a relação harmoniosa calcada nos interesses convergentes dessas indústrias é abalada e se torna conflituosa. Existiria, portanto, um descolamento delas e, por conseguinte, de toda a lógica que se sedimentou desde a década de 1950, com os primeiros ventos da indústria musical. Embora se identifique um campo de disputas, é possível também observar zonas solidárias. Nicolau deixa claro que está preocupado com dois atores nesse processo, ou seja, as indústrias fonográficas e as empresas tecnológicas. Neste sentido, deixamos claro que essa não é a perspectiva que utilizo aqui, já que o prisma mais estrutural serve tão somente para nos situar num plano mais amplo onde se dão as relações e práticas emergentes que investigamos. Pensamos aqui, sobretudo, na mudança de comportamento que, por sua vez, não poderia ser investigado a partir desses dois atores identificados por Nicolau. Não obstante, essa discussão parece ser interessante no sentido de acentuar as mudanças nas lógicas do capitalismo contemporâneo, situação que também tentamos discutir no decorrer de

nossa pesquisa. É valido ressaltar também que Nicolau pretende discutir a forma gratuita e legal da música, discussão que difere do nosso objeto e estudo de caso por meio do Sombarato.

O problema maior identificado nessa forma gratuita e legal por Nicolau é que:

no momento em que a indústria da música desonera o consumidor, ela se insere em um novo cenário de grandes investimentos, essencialmente capitalista, de busca por lucros e vantagens comerciais, no qual novos e velhos atores atuam em disputa. Contudo, ao proceder tal desoneração, o aspecto capitalista do processo é mascarado em prol de uma imagem de acesso livre e diverso (mesmo infinito) à oferta cultural. A pergunta que nos colocamos é: quais as conseqüências disso sobre o acesso à cultura? (NICOLAU, 2008, p. 144).

Sem dúvida a pergunta é pertinente. No entanto, o fato de Nicolau deixar de fora os atores que refazem e redefinem alguns destes parâmetros (os aficionados que compartilham a música em plataformas e sistemas que não abrem espaço para essas regulações) e estar também pensando o processo a partir das práticas gratuitas e, sobretudo legais, dificulta uma compreensão menos passiva do processo. Localizamos em sua problematização o ponto que faz com que toda a sua argumentação caminhe num sentido somente transversal ao nosso. Nicolau oferece uma compreensão de que nesse momento singular existiria um movimento no qual a indústria desoneraria o consumidor. Lembrando que neste artigo o autor está tratando da música gratuita legal, todas as tensões e conflitos dos direitos estão resolvidos por outras formas de recolhimento. Nessa construção existe um consentimento, ou seja, a indústria é que desonera o consumidor. Quando falamos de práticas emergentes como a do compartilhamento livre como no caso do Sombarato, a idéia de ilegalidade nos mostra situações distintas. O consumidor procura meios que lhe desonerem (compartilhando downloads e uploads), o que desvia da regra do jogo tradicional do mercado.

Deixando claras essas divergências, o ponto que nos interessa é esse descolamento das indústrias de tecnologias, ou dos suportes, e a indústria detentoras dos fonogramas ou registros sonoros. A mudança argumentada por Nicolau é de que:

a transferência do faturamento da indústria fonográfica do meio tradicional para as vendas digitais leva também a um deslocamento de forças nesse setor industrial. A tecnologia, que servia apenas de meio para o negócio da música, alcança outras etapas do processo desse negócio e passa a não ser apenas uma parte subsidiária à indústria fonográfica, e, sim, também uma alternativa e, assim, uma concorrente a esta. Explicamos: a tecnologia servia para a indústria fonográfica como um meio cujo fim era um produto de pleno controle desta última. A partir do momento em que a tecnologia permitia a indústria ter um produto finalizado (um CD, um vinil ou mesmo uma partitura impressa), eram as gravadoras e as editoras de música que determinavam o modo de negócio a seguir. A tecnologia podia reduzir o preço, apresentar melhores produtos, sem, contudo, definir maneiras de negociar (NICOLAU, 2008, p. 145).

A questão é que ao haver essa cisão, as empresas de tecnologia puderam propor e forçaram novas formas de negócios em diversos segmentos, entre eles o da música. Isso

ocorre porque os produtos que estas indústrias desejam lançar no mercado são distintos e, com essas redefinições, ficam cada vez mais evidentes, ou seja, o valor do negócio para as indústrias não estão no mesmo lugar. Nicolau nos dá um exemplo que clareia o argumento. No caso da Apple (empresa de tecnologia) é desejável que a música, tendo sido comprada, possa ser compartilhada com outros suportes e players (neste caso os Ipods, que estão associados a sua marca), uma vez que isso possivelmente alavancaria as vendas desse tipo de tecnologia. Em descompasso, para as gravadoras isso é algo reprimível, já que segundo seus interesses cada música consumida deveria gerar uma receita diferente15.

É interessante o que Nicolau nos apresenta, colocando o que cada uma dessas indústrias tem a seu favor. No caso da indústria de tecnologia, o trunfo estaria nos interesses convergentes do público consumidor de música, entre eles, o de não pagar ou pagar quantias módicas e ter liberdade de uso. No caso da indústria fonográfica a força maior estaria amparada nas leis de direitos autorais vigentes. Não obstante, tanto a Sony-BMG quanto a EMI começam a buscar novas alternativas de negócios, onde as receitas de publicidade são as maiores responsáveis por alguma compensação. A primeira deixou de lado a proteção DRM do iTunes. A segunda liberou o seu acervo de vídeos e áudios em troca da participação no percentual dos dividendos gerados pela publicidade, ou seja, “seus ganhos não provêm, estritamente da venda da música, mas sim da venda de produtos paralelos da própria empresa ou de patrocínios e investimentos” (NICOLAU, 2008, p. 148).

Esse assédio ao consumidor pode se dá de várias formas. A partir do momento que o perfil do consumidor é traçado (por meio de cadastros) são realizadas ações promocionais dirigidas. Além disso, os detalhes das comunidades que se formam são analisados e permitem formas alternativas de acesso a esse consumidor em potencial. Nesse caso, são oferecidos produtos relacionados à música e não necessariamente o registro sonoro.

Como colocamos acima, já são visíveis zonas solidárias entre essas indústrias. Como coloca Nicolau: sites de download gratuito ou subsidiado financiado por anúncios; lojas de download com músicas subsidiadas por campanhas de promoção; sites de relacionamentos cm conteúdo gerado pelo usuário.

Outra questão enfatizada por Nicolau diz respeito à consagração, em diversos meios sociais, destas plataformas como livres, desinteressadas e democráticas. Nicolau pretende ponderar essa visão demasiadamente otimista buscando uma quebra dessa aura por meio da identificação dessas novas formas de regulação e controle, altamente estruturadas e racionais.

15

É importante trazer essas visões para não cairmos em visões demasiadamente simplistas da mudança. No entanto, a partir de estudos de casos, podemos perceber também como essas questões estão sendo pensadas. Os pontos trazidos por Nicolau estão localizados em experiências legais e gratuitas. Parece-me que na ilegalidade desse consumo ainda estão às possibilidades de mudanças mais substanciais e de características mais heterogêneas do que já fora experimentado.