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inTRodUção GERAL

1.4.2 C iClO endóCrinO rePrOdutiVO

Embora já nos anos sessenta se fizessem algumas quantificações de hormonas esteróides a partir do plasma sanguíneo de peixes teleósteos, só em meados dos anos setenta foi referida uma relação entre a variação de algumas hormonas (fundamentalmente androgénios) e a reprodução de um teleósteo (Katz & Eckstein, 1974). As alterações no perfil de hormonas sexuais podem ser detectadas em algumas espécies de tilápias (exemplo para O. niloticus) desde o início do seu ciclo de vida, mesmo quando as gónadas estão ainda indiferenciadas, provavelmente associadas à diferenciação sexual (Hines et al., 1999). Tem também sido sugerido que a elevada concentração de T e E2 presente nos ovos na primeira semana de desenvolvimento tem origem materna resultante da acumulação destas substâncias no ovário antes e durante o crescimento vitelogénico (Rothbard et al., 1987), com um aumento da produção endógena a partir da sexta semana de vida (Rothbard et al., 1987). Deste modo, no início do ciclo de vida na tilápia, a variação da T e do E2 decaem numa fase inicial, que corresponde a uma fase de consumo de substâncias acumuladas no ovo, para mais tarde voltarem a subir.

O ciclo sexual feminino em tilápia é relativamente complexo e a sua duração depende da interrupção ou não da incubação da postura. Esta interrupção pode ser natural, uma vez que a fêmea pode não entrar em ovulação ou os seus ovócitos não serem fecundados, ou pode ser simulado artificialmente através da remoção da postura assim que esta é emitida pela fêmea. Esta situação vai implicar na fêmea a supressão do comportamento de protecção à descendência e o consequente início de um novo ciclo de desenvolvimento das gónadas. Os níveis das hormonas esteróides em fêmeas não reprodutoras são diferentes dos das fêmeas reprodutoras, como acontece com Tilapia aurea em que os níveis de E2 são cerca de 10 vezes inferiores aos verificados para as fêmeas reprodutoras (Terkatin-Shimony & Yaron, 1978). Smith e Haley (1988) acompanharam o perfil hormonal de 4 esteróides (T, E2, progesterona e 17-hidroxiprogesterona) ao longo de um ciclo sexual de O. mossambicus, quer para fêmeas a incubar uma postura, quer para fêmeas não reprodutoras. Além da diferença de dimensões do ciclo, as fêmeas reprodutoras cessaram o crescimento vitelogénico dos ovócitos para

desta forma pouparem energia, enquanto forneciam cuidados parentais à descendência. Vinte e cinco dias após a emissão da postura (altura da sua libertação), os níveis de T e de E2 subiam, atingindo um máximo, e o crescimento dos ovócitos era retomado (Smith & Haley, 1988). Um padrão de variação relativamente parecido foi descrito em O. niloticus para os perfis de E2 e T (Tacon et al., 2000), embora com algumas diferenças.

Em fêmeas não incubadoras, foi registado para ambas as espécies um aumento dos níveis de E2 após a remoção das posturas, correspondente ao crescimento vitelogénico. Os níveis de T correlacionam-se também com a vitelogénese e podem ser justificados por este esteróide ser precursor do E2 (Smith & Haley, 1988; Tacon et al., 2000). Em espécies em que a incubação bocal é assegurada pelos machos, o perfil das hormonas sexuais (T e E2) é também afectado pela incubação da descendência, iniciando-se num nível baixo quando os ovos são recolhidos e aumentando gradualmente após o sexto dia até à libertação da descendência (Kishida & Specker, 2000).

1.4.3 endOCrinOlOgiadOCOmPOrtamentO

As hormonas sexuais influenciam o comportamento sexual de vários grupos de vertebrados (Balthazart et al., 1996b; Panzica et al., 1996) incluindo os peixes, onde podem funcionar como modeladores sociais (Borges et al., 1998). A influência dos esteróides sexuais pode ser exercida não só a nível comportamental de forma directa, como também afectando as estruturas envolvidas na reprodução como acontece com a morfologia da papila genital de algumas espécies (Oliveira & Almada, 1998a; Carlisle et al., 2000). Mais ainda, os polimorfismos por vezes apresentados por diferentes machos da mesma espécie (como acontece com Parablennius sanguinolentus parvicornis) reflectem diferentes estratégias de reprodução e estão directamente correlacionados com os níveis de 11-cetotestosterona (11-KT), em que os machos que mais activamente competem pelo acasalamento são também os que apresentam maiores níveis deste androgénio (Oliveira et al., 2001b). A 11- KT é o androgénio predominante e mais potente nos machos da maioria dos teleósteos, actuando sobre a espermatogénese e o comportamento sexual e social (Borg, 1994;

Oliveira & Almada, 1998a; Oliveira et al., 2001a).

Em teleósteos, incluindo O. mossambicus, a interacção entre os androgénios e o comportamento parece funcionar nos dois sentidos. Por um lado, o comportamento social modela os níveis de androgénios produzidos pelos indivíduos de acordo com o estatuto social atingido por cada um na hierarquia de um grupo (Oliveira et al., 1996). Assim, indivíduos com maior nível de androgénios, além de ocuparem posições hierárquicas superiores, revelam também maior sucesso na defesa dos territórios, constroem ninhos maiores, exibem caracteres sexuais secundários mais exuberantes e uma maior taxa de comportamentos de corte quando na presença de fêmeas em ovulação (Oliveira et al., 1996). Esta situação parece suportar a “hipótese do desafio” (Wingfield, 1984), que defende que as flutuações a curto prazo na concentração dos androgénios em machos de vertebrados podem ser moduladas por interacções sociais. Por outro lado, o nível de androgénios em circulação no plasma determina o aparecimento de caracteres sexuais secundários e afecta também os padrões de comportamento sexual envolvidos na reprodução de O. mossambicus (Oliveira & Almada, 1998a). Oliveira e Almada (1998a) apoiam ainda um modelo causal para o papel dos androgénios como mediadores da modelação social dos caracteres sexuais secundários e, consequentemente, da reprodução da espécie. Deste modo, indivíduos dominantes, com níveis de androgénios mais elevados, apresentarão maiores probabilidades de se reproduzirem do que indivíduos com posições hierárquicas inferiores, já que estes não exibem este tipo de características de forma tão acentuada, nem têm as suas gónadas em idênticos estádios de desenvolvimento. Por outro lado, noutra tilápia (Tilapia zillii), o índice gónado-somático parece estar positivamente correlacionado com a vitória em confrontos com conspecíficos (Neat et al., 1998), mas não foi encontrada qualquer relação entre os níveis de androgénios (T e de 11-KT) e a vitória em confrontos agonísticos, o que pode ser devido ao regime social (monogamia) (Neat & Mayer, 1999), diferente do de O. mossambicus.

Não só as interacções de um determinado indivíduo determinam o seu comportamento, modulando a produção de androgénios, mas também o sistema endócrino dos indivíduos espectadores responde a interacções sociais em que não participam (Oliveira et al.,

2001c). Por outro lado, a experiência anterior facilita o ajustamento a situações sociais subsequentes, desempenhando os androgénios um papel de modelador dos mecanismos cognitivos de comunicação (Oliveira et al., 2001c).

No entanto, não são apenas os androgénios a sofrerem alterações de concentração, como resultado de interacções sociais. Por exemplo, na truta arco-íris, os níveis de 17,20β-P em machos reprodutores aumenta quando na presença de fêmeas em ovulação (Liley et al., 1986), enquanto que em O. mossambicus as concentrações de 17,20α-P e de 17,20β-P revelam elevadas correlações com os comportamentos sexuais e agonísticos dos machos (Oliveira et al., 1996). Estas relações podem estar relacionadas com a aceleração do desenvolvimento das gónadas em machos dominantes e à importância destas hormonas no processo reprodutor masculino (Oliveira et al., 1996).

Os esteróides sexuais não são os únicos intervenientes hormonais a mediarem comportamentos de corte. Por exemplo, o neuropéptido hipotalâmico arginina-vasotossina (AVT), que desempenha também em vertebrados superiores um papel importante na fisiologia reprodutiva, influencia, nos machos parasitas (sneakers) de blénios (Salaria pavo) a coloração nupcial e a duração dos rituais de corte femininos dirigidos a machos parentais (Carneiro et al., 2003). A actuação da AVT parece ainda estar relacionada com as estratégias de reprodução em que machos com diferentes morfótipos desenvolvem numa espécie (Miranda et al., 2003). O sistema AVT é, pelo menos em parte, controlado por estímulos sociais específicos em teleósteos, independentemente do funcionamento das gónadas (Semsar & Godwin, 2003), embora este sistema seja directamente controlado por acção das hormonas esteróides.

Como acontece nos mamíferos, a diferenciação sexual dos indivíduos depende da actuação das hormonas esteróides. A produção de T a partir dos testículos em diferenciação actua no sistema nervoso central, produzindo uma alteração da estrutura do cérebro e condicionando a sua capacidade de reconhecer estímulos específicos na fase adulto. Em muitas situações, a masculinização dos núcleos cerebrais depende da aromatização local de T a E2, como acontece na área pré-óptica do hipotálamo. O tratamento por androgénios em O. mossambicus, bem como em espécies próximas é preponderante no processo de

diferenciação sexual, podendo mesmo reverter o sexo dos indivíduos quando administrados em períodos sensíveis específicos do desenvolvimento embrionário (Clemens & Inslee, 1968; Hunter & Donaldson, 1983). Embora a T seja crucial no processo de diferenciação sexual e na activação dos comportamentos sexuais em adultos, a sua completa expressão pode passar pela conversão em estrogénios, actuando estes mediados por receptores específicos. Esta conversão é desempenhada pelo citocromo P450-aromatase, enzima codificada pelo gene Cyp19.