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A Sociologia tem mostrado que numa sociedade baseada na estratificação de classes, como nos sistemas capitalistas, a distribuição dos indivíduos em classes (alta, média ou baixa) é feita de acordo com parâmetros como riqueza, prestígio e poder, dados pelas relações de produção e consumo de bens. Os interesses, as formas de participação na produção de bens econômicos, a qualidade e volume de consumo, os estilos de vida e as oportunidades de vida, comuns a grupos de indivíduos, determinam, em grande parte, a

formação de unidades sociais hierarquizadas e culturalmente convencionadas (Vila Nova, 1995: 130). Além disso, ou talvez por isso, esses níveis ou classes, delimitados pela maior ou menor possibilidade de aquisição material, portam diversificados sistemas de valores, crenças e normas que os legitimam e regulamentam.

No Brasil, o antropólogo Gilberto Velho vem estudando a conformação da cultura da classe média, desde o início dos anos 1970. Em suas pesquisas, mostra como os próprios nativos percebem e definem esses domínios. Para o autor, não se pode falar de uma classe média, devido a heterogeneidade dos indivíduos que coexistem com suas representações e vivências muito diferenciadas, concomitantes com outros valores e instituições de grande permanência e estabilidade, estes últimos sendo constituintes da identidade desses grupos e indivíduos (1989: 53). Salienta ainda Velho (1989: 39) que “a especificidade desses domínios está associada a diferenças de ethos e representações do próprio indivíduo, gerando algumas das características mais marcantes e dramáticas de nossa sociedade” .

A inclusão da informante em camadas médias foi identificada com base nos trabalhos da antropóloga brasileira Maria Luiza Heilborn (1984). Essa autora, que vem trabalhando o conceito de camadas médias com o grupo de Gilberto Velho, do Museu Nacional/RJ, confirma a condição plural desses segmentos sociais, dificultando a substancialização dos diversos setores que os compõem numa classe social única, ou classe média. Para a autora, “a antropologia tem ensinado que as classificações nativas são cruciais para a compreensão da vida social” (p. 91). Isto é por ela percebido como o resgate e a valorização de uma lógica classificatória própria, que reflete “seu lugar no mundo”, pois estabelece fronteiras simbólicas com “outros”.

Para Heilborn, o local de residência pode desempenhar papel relevante na construção da identidade de grupos sociais, em especial de segmentos médios (p. 88), e a localização geográfica seria mais um elemento definidor na estratificação social. Velho (1989: 89) corrobora esta idéia, pois a articulação entre local de residência e prestígio social também aparece em seus trabalhos. No caso da Região Metropolitana do Recife, onde barracos de favela podem estar circunvizinhos a arranha-céus de alto luxo, a preocupação dos médios na delimitação de sua diferenciação se faria mais patente no sentido de “não se misturar” e de “tratar bem aquelas pessoas”, mas deixando claro que existe uma hierarquia

econômica e intelectual. Assim, o bairro de classe média pode ser adjetivado de “mais calmo, mais familiar”.

Entre outros valores que podem assegurar uma inclusão ou permanência nas camadas médias estaria a educação formal da prole, realizada em escola particular, para a qual a família dá prioridade: “As meninas sempre estudaram em colégio particular, sempre. (...) a gente sempre priorizando o estudo delas, né?”. Além da escolarização, a posse de automóvel pelos filhos, como bem de consumo, está intrinsecamente ligada às necessidades da família: “(...) porque os meninos, já ficando com 18 anos, cada um tinha que ter um carro (...) eu tive que providenciar um carro pra mim e um pra CADA FILHO. Tive que adquirir cinco carros!”

Ainda dentro das especificações de inserção em camadas médias das pesquisadas, vejo um enquadramento delas na força de trabalho dentro de alguns parâmetros pinçados por Parry Scott (1996: 150), em trabalho já citado aqui. Para esse autor, “o “trabalho”, para pessoas de famílias de classe média, é um elemento definidor do pertencimento ao próprio segmento, tendo as noções de poder e hierarquia estreitamente imbricados nele” (grifo do autor); assim, a própria ocupação seria um marcador de status, e se, além disso, é exercida em cargos de chefia ou gerenciamento, maior seria a projeção social do indivíduo. Também importa o tipo de ocupação que os indivíduos têm no espaço público, ou seja, o exercer-se profissões valorizadas socialmente. No caso da minha pesquisa, as mulheres estão engajadas em “profissões de classe média”, pois, à exceção de uma, todas as demais são médicas, professoras, advogadas.

E ainda, repetindo Scott (1996: 152), em relação à descendência, chama a atenção os grandes investimentos feitos pela família no sentido de escolha profissional característica de classe média e de uma maior preparação dos filhos para o mercado de trabalho, com a “produção e reprodução de pessoas capazes de exercer as ocupações características do segmento” - aqui incluo o incentivo a curso superior e domínio de línguas estrangeiras. As viúvas registram essa preocupação com o futuro dos filhos: assim, o que receberam enquanto filhas, repassam enquanto mães.

Enfim, encontrei, no grupo estudado, características similares às percebidas pelos autores citados acima: serem proprietárias dos imóveis em que residem e localizados em bairros de boa valorização imobiliária; quase todas as informantes têm 3º grau completo,

com atividades assalariadas e/ou autonomia profissional que lhes possibilitam o acesso a bens de consumo duráveis (outros imóveis, carros, eletrodomésticos, aparelhos audiovisuais); muitas exercem ou exerceram cargos de chefia em seus empregos; disponibilizam aos filhos capacitação profissional condizente com seu estrato social. De qualquer modo, é interessante observar que à questão formulada de pertença a classe social, todas as minhas pesquisadas não titubeavam em se autodefinir como pertencente à classe média, não questionando que critérios estavam sendo considerados para inclusão em determinado estrato social. Elas se assumiam em tal condição, o que parece confirmar as observações de Heilborn (1984), já citada.

E assim, aí foi dado a conhecer as viúvas com quem trabalhei. De forma muito resumida, é verdade, pois eu jamais poderia cobrir em algumas páginas os muitos anos de vida em comum que tiveram com seus maridos, com todos os bons e maus momentos, nas pequenas realidades do cotidiano. Um dia, isso tudo acabou. E é a partir daí que seguimos juntas.

PARTE III

De mim perto, bem perto, unida, Como nunca estiveste, agora estás. Foste e ficaste – estranha despedida, Reino de sombras, de silêncio e paz. Tua presença é eterna, eterna é a vida Que, feliz, para sempre viverás. Morta é a morte, levaste-a de vencida, Não nos separaremos nunca mais.

Capítulo 5