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Nesta categoria estão incluídos os apoios a serviços prestados no espaço doméstico e aos realizados no espaço público. Em relação à esfera da casa, nenhuma recebeu pessoa alguma para morar consigo (“[a família] continua a mesma, e - e nem eu quero que venha! [ninguém morar em sua casa])”; quase todas permaneceram em suas moradias, com os filhos crescidos, as sogras (apenas nos dois casos, em que estas já habitavam na casa), e quase todas mantiveram as empregadas domésticas que tinham antes. Isto é asseverado como muito importante para a viúva: manter a autonomia e a chefia de sua casa, aspecto também encontrado por Lopata (1996: 119) que assinala que a “insatisfação com o arranjo doméstico é um dos fatores de contribuição aos sentimentos negativos acerca da vida entre mulheres enviuvadas”.

Algumas receberam parentes em casa, mas por pouco tempo: hoje todas moram apenas com filhos solteiros. Assim, Diana conta que “no dia [da morte do marido], a gente ficou no quarto eu, meu irmão, a mulher dele, os dois meninos, e os meus três; tudo num quarto só. (...) Ficou todo mundo assim, dormindo junto, nos primeiros dias”. No caso de Evânia, a filha casada veio ficar com ela por um tempo maior e contínuo, o que a mesma, bem como outras mulheres que tiveram pessoas em casa nos primeiros tempos, interpreta claramente como uma providência que fazia parte de uma etapa transitória:

-Minha filha – minha filha, ela - ela teve um gesto louvável! (...) Ela morava em Boa Viagem; ela tem, assim, a vida dela bem – bem ajeitadinha, né? (...) Mas ela fechou::: - eu não esperava isso deles dois – eles fecharam o apartamento deles. (...) E eles fecharam o – então, eles decidiram fechar o apartamento, e vir passar um tempo comigo. (...) FOI MUITO BOM! (...) e ali eles passaram até o tempo que achavam que eu tava (.2) PRONTINHA pra andar cum minhas pernas.

Apenas Glenda é que saiu de sua casa e passou um tempo maior na casa da mãe, não porque queria, mas para despreocupar os familiares:

-Eu fiquei na casa de mamãe... Eu passei, eu acho que (.) um mês, mais ou menos, na casa de mamãe. Eu vinha pra cá somente pra pegar algumas coisas, pra dar comida à gatinha, pra ver algumas coisas. De vez em quando eu vinha. Vinha com minha irmã, sempre vinha com uma pessoa. Aí, entrava, pegava alguma coisa, e ia m’embora. Aí, eu passei um mês, mais ou menos, fora (.hh). E comecei a voltar aos poucos. Passava um

dia... um dia não, uma noite. Vinha pra dormir. Me acordava de manhã cedo, minha irmã já tava aqui, pra me tirar, pra me levar (.) fora. (...) Olhe, eu preferia ficar. (.) Só que, realmente, era horrível, pra mim! (.) E, eu acho, que elas num agüentavam... saber que eu tava passando por aquilo tudo, e preferiam me tirar! (.hh) Como ainda hoje é, (.) faz o quê? Um ano e três meses quase, e ninguém me deixa sossegada, aqui em casa.

Em relação a serviços externos, cuja maioria era feita anteriormente pelos maridos, muitas das informantes relatam dificuldades em resolver assuntos que a sociedade elege como da alçada masculina, como exemplifica Diana:

-Eu num sou mulher de negócio. Mas, assim, comecei a investir nuns galpões, mas num tinha dinheiro pra terminar. Ainda vou ver como é uma maneira de financiar alguma coisa. Porque se eu terminar esses galpões, eu nunca mais vou me aperrear cum dinheiro. Porque ele aluga, sabe?, aluga rápido. Mas o problema é TER dinheiro pra terminar esses galpões. Que é muito dinheiro, sabe? Aí, tem que vender algumas coisas pra poder... Porque eu num sou ambiciosa! Só quero, assim, num faltar NADA pros meninos. Entendeu? Eu quero assim, que eles se formem, quero assim, MANTER, assim::: o que eles tinham. (...) e eu num sabia dos negócios dele; ele tentava me dizer; porque, como eu lhe disse, ele era muito frio em negócios, uma pessoa que sofreu muito pra ter alguma coisa; então, ele falava muito em dinheiro, e eu dizia: “_Não, num vamos falar de dinheiro agora não.” “_Diana, eu fiz um negócio bom.” “_Ah, num fale em negócio não.” Eu dizia a ele: “_Deixa negócio pra lá. Você só pensa em dinheiro.” Isso eu dizia muito, sabe? (.) Então::: sofri muito; tô pagando ATÉ HOJE por isso. ((risos))

Este depoimento mostra também a pretensão da entrevistada de deixar claro que ela não está ocupando o lugar do marido falecido: aliás, havia uma preocupação em manter a identidade e o lugar do morto na família em algumas viúvas – embora muitas vezes estivessem desempenhando um papel que era dele. Apesar disso, é interessante observar que, com a morte do marido/pai, as tarefas cotidianas são redistribuídas entre a viúva/filhos, que as executam satisfatoriamente, mostrando claramente como a divisão sexual do trabalho é socialmente construída. Por outro lado, o zelo pelo privado, aspecto muito valorizado nas camadas médias, pode contribuir para a permanência do grupo doméstico remanescente, agora como família monoparental. Esta foi a opção de todas, como ilustra Wilma:

-Fiquei só cum elas, MESMO. E::: a gente sempre toma as decisões muito juntas::: – porque minhas filhas são adultas, né? - Eu COMANDO, (.) entre aspas, mas não deixo de consultar, não deixo de conversar. NADA eu faço que elas não estejam a par. É:::, assim, essa do meio, J. ((filha)), que é solteira e tá em casa, tem conta conjunta comigo em banco, tudo. Porque, inclusive, ME JUDAM, né? A parte que:: (.hh) P. ((marido)) fazia de rua, de ir pra banco, pra essas coisas, aí::: a gente dividiu um pouquinho as tarefas, e:: tanto faz uma fazer, como outra fazer, como eu fazer. Qualquer uma. Não ficou determinado fulano faz isso, fulano faz aquilo. (.hh) Quem pode vai, se eu puder eu vou, se eu não puder, alguém vai; na semana que eu tô muito atarefada, num vou pro mercado, mas (.2) alguém vai, e eu faço uma nota, ou não preciso fazer nota.

Outra área, em que foi muito necessário o suporte, refere-se aos problemas legais de pensões, inventários e/ou seguros de vida. Essas providências se revestem de muita dor, no dizer da maioria das viúvas, pois que elas ainda estão num período em que mexer em “documentos do marido” parece reafirmar, concretamente, a condição de que a morte ocorreu de fato: “Mas a dor que eu sentia era TÃO GRANDE, de ter que mexer nos documentos dele...”; “(...) meus cunhados vieram pra cá mexer nas coisas, meu filho mais velho que mexia na papelada, eu num agüentava mexer em papelada nenhuma. (...) A vontade era de dar fim a tudo. (...) É como se a revolta fosse tão grande que quisesse me desfazer de tudo, dos papéis”.

Ainda em relação aos apoios legais, indispensáveis para a feitura de inventário e espólio, a maioria ficou a cargo de advogados da própria família ou contratados para tal. Silene conta que “Foi o meu sogro. Meu sogro tomou a frente de tudinho, porque como advogado, ele tomou a frente de tudo. Foi ele quem resolveu.” Já a narrativa de Diana mostra um longo percurso de decepções com pessoas que se ofereciam para ajudar: “Então, a OUTRA DOR mesmo, foi a história do inventário. Porque cada pessoa indica um advogado. (...) Meus irmãos resolveram contratar advogado. Só que os advogados que eles contrataram, foram TODOS uns - uns desonestos!” Mas, cerca de um ano depois, com a ajuda de outra irmã advogada, que tinha amizade com juiz e tabelião, tudo se resolveu rápido. Como se vê, esta rede de apoio é constituída por parentes próximos, geralmente irmãos, tanto do lado do homem como da mulher.

Uma outra forma de suporte de serviços é o da viúva ajudar outras pessoas. Aqui, isto apareceu como importante, mas com a característica especial de que ela não se deixa explorar, enquanto pessoa “sozinha”, por ninguém, inclusive filhos: “Vai chegando mais neto; hoje eu tenho mais dois. Então, é ‘vovó – vovó – vovó’ praquele lado, ‘vovó’ praquele outro. E a PONTO de eu fazer um CRONOGRAMA, que DIA eu tenho pra DAR a eles! Sabe? Porque senão eu não tenho...” (Evânia). Este tipo de suporte “ao inverso” pode ter a ver com as novas “funções sociais” atribuídas à mulher viúva, mas que essas mulheres mais escolarizadas, assalariadas, “modernas”, não querem assumir. Isto me remete às viúvas estudadas por Britto da Motta (2002: 273) em que

Este é também um ponto fundamental de diferença entre as idosas mais jovens e as velhas/velhas. Menos escolarizadas e informadas, com um passado de acesso restrito (ditado pela família) ao mercado de trabalho, fisicamente mais frágeis, as muito velhas, contentes, conformadas ou desanimadas sofrem uma espécie de asfixia afetiva dos filhos e netos, que lhes retira a possibilidade de acesso a uma liberdade que não chegaram a conquistar, porque ainda não era possível “no seu tempo”. Mas que se tornou viável no “tempo” das mais jovens (grifos meus).