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A pessoa natural é um fato independente da lei, surge com o fato biológico do nascimento, o qual é, pois, imposto pela natureza. Já a pessoa jurídica, como se viu, somente existe em virtude da lei e tem o seu início com o registro do respectivo ato constitutivo em órgão próprio.

Entretanto, para FÁBIO ULHOA COELHO133 esta não é a melhor forma de dispor sobre a matéria:

“Se o atributo da personalidade é a autorização genérica para a prática de atos jurídicos não proibidos, o fato jurídico que marca o início da personalização deveria ser a manifestação de vontade dos fundadores da pessoa jurídica. Mesmo se adotando um conceito mais largo de personalidade, como a aptidão para titularizar direitos e obrigações, também não será o registro dos atos constitutivos, mas sim a manifestação da vontade dos fundadores da pessoa jurídica, o fato desencadeador da personificação.”

E conclui:

132 Op. cit., p. 160.

“O registro, assim, deveria ter sido escolhido pela lei como condição para o funcionamento regular da pessoa jurídica e não para a personificação.”

Neste ponto, deve-se ressaltar que em razão de não ser este o objetivo central deste trabalho, não se tratará da importante polêmica doutrinária atinente ao início da personalização da pessoa jurídica, ou seja, se o momento exato do seu nascimento ocorre quando do registro do ato constitutivo (Orlando Gomes, Maria Helena Diniz, Washington de Barros Monteiro, Pontes de Miranda, Caio Mário da Silva Pereira), ou se quando da celebração do contrato de sociedade (Carvalho de Mendonça, Miranda Valverde, Cláudio Ferraz Alvarenga, Lamartine Corrêa de Oliveira).134

O certo é que tanto a celebração do contrato de sociedade, quanto o registro deste ato constitutivo, são atos necessários para o nascimento da pessoa jurídica de direito privado.

O ato constitutivo compreende a fase inicial na organização. Corresponde ao contrato de formação da sociedade, externado através de uma ata de fundação, contrato social ou estatuto.

Deve-se frisar que este ato de formação da pessoa jurídica, em regra, realiza-se inter vivos, representando uma declaração de vontade coletiva, exigindo agente capaz, forma prescrita em lei e objeto lícito.

Nas associações e nas sociedades simples e empresárias, o ato constitutivo formaliza-se via estatuto social ou contrato social, os quais se materializam na ata de fundação, em instrumento particular ou público.

No caso específico das fundações, o ato de formação da pessoa jurídica é unilateral inter vivos ou causa mortis, devendo o fundador declarar a sua vontade

mediante instrumento público ou testamento, o qual deverá conter o ato de doação, os fins a que se destina e o modo de administração.

FRANCISCO AMARAL135 observa que a despeito de ser amplo o direito de

associação, evocando o artigo 5º, inciso XVII, da Constituição Federal, alguns segmentos da atividade econômica necessitam de prévia autorização estatal, tal como ocorre na constituição de sociedade de seguros, sociedades bancárias,

montepios, caixas econômicas, sociedade de exploração de energia elétrica, de riquezas minerais, de navegação, de empresas jornalísticas, rádio e TV (CF art. 192 I, II e IV; art. 21, XII, b; art. 176, p. 1º e art. 223).

O segundo ato imposto, de que depende a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado, é o registro. Este consiste na inscrição do ato constitutivo, que se procede no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, no caso das associações, fundações e sociedades simples, e nas Juntas Comerciais, no caso das sociedades empresárias.

Com efeito, a partir do momento em que a pessoa jurídica de direito privado tem o seu estatuto ou contrato social devidamente registrado no órgão competente, essa passa a ter aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações, a ter capacidade patrimonial, constituindo seu patrimônio, que não tem nenhuma relação com o patrimônio dos sócios, adquirindo, pois, vida própria e autônoma, representando, por assim dizer, uma nova unidade orgânica.

Insta frisar que a falta de registro importa, entre outras coisas, na responsabilidade solidária e ilimitada de todos os sócios pelas obrigações sociais, perdendo, aquele que contratou pela sociedade, o benefício de ordem contemplado no artigo 1.024 do Código Civil de 2002.

Sobre o tema, adverte FÁBIO ULHOA COELHO136:

135 Op. cit., p. 297.

“A principal sanção imposta à sociedade empresária que explora irregularmente sua atividade econômica, isto é, que funciona sem registro na Junta Comercial, é a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas obrigações da sociedade. O arquivamento do ato constitutivo da pessoa jurídica – contrato social da limitada, ou os estatutos da anônima – no registro de empresas é condição para a limitação da responsabilidade dos sócios... Além dessa sanção, a sociedade empresária irregular não tem legitimidade ativa para o pedido de falência de outro comerciante (LF, art. 97, § 1º) e não pode impetrar concordata preventiva ou suspensiva (LF, art. 51, V).”

No que se refere às pessoas jurídicas de direito público interno, segundo ARNALDO RIZZARDO137, estas são criadas pela Constituição Federal ou pela lei, à exceção do Estado como nação, cuja criação decorreu de um ato de conquista

através da rebeldia relativamente ao Estado que o dominava anteriormente, ou de um movimento que levou ao seu reconhecimento como país soberano.

Os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios têm sua origem na Constituição Federal, enquanto as demais pessoas jurídicas de direito público, tais como as autarquias e as fundações públicas, precisam de lei que as crie, que se converte no seu estatuto ou no seu documento constitutivo próprio.

Para CLÓVIS BEVILÁQUA138, o Estado surge, espontaneamente, da elaboração da vida social, quando affirma a sua existência em face dos outros. As suas divisões políticas começam a existir, desde que são estabelecidas pelas leis constitucionais, e de accordo com ellas se organizam.

Já as pessoas jurídicas de direito público externo são as outras nações, cuja constituição coincide, justamente, com a formação ou origem do país, e os organismos internacionais, criados e organizados por vários outros países,

137 Op. cit., p. 256.

decorrentes de tratados ou acordos internacionais, a exemplo do MERCOSUL – Mercado Comum do Sul e da Comunidade Econômica Européia.

Para finalizar, deve-se asseverar que as empresas públicas e as sociedades de economia mista, a despeito de serem pessoas jurídicas de direito privado, sujeitando-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, dependem de lei que as crie, a qual se torna o seu documento constitutivo, conforme já restou observado.