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4. N ATUREZA J URÍDICA

4.1. T EORIA DA F ICÇÃO L EGAL

A teoria da ficção legal, que teve como referência inicial a teoria da personalidade ficta de SINIBALDO DEI FIESCHI50, criada para subtrair os corpora e universitates à responsabilidade delitual, obteve grande repercussão no século XIX,

notadamente na França e na Inglaterra, tendo como seu principal defensor SAVIGNY.

49 Essa divisão é a adotada por Rubens Limongi França, em seu Manual de Direito Civil, pp. 149-150, tendo sido a escolhida por englobar as teorias mais recorrentes na doutrina.

Para os ficcionistas, a pessoa jurídica não existe. Não passa de mera criação artificial, cuja existência somente encontra explicação como ficção legal ou doutrinária, existente apenas como artifício técnico imposto pelas necessidades da vida em comum.

A pessoa jurídica não existe como entidade dotada de existência própria, mas como elemento técnico, uma conceituação ficta, mediante a qual os juristas podem coordenar normas jurídicas distintas, para disciplinar a responsabilidade resultante do ato associativo. 51

SAN TIAGO DANTAS52, ressaltando seu interesse por essa teoria, assim a explica:

“A personalidade é um atributo do homem, mas o direito pode por uma ficção retirar a personalidade em certos casos como aconteceu, por exemplo, com os escravos. E, por uma ficção análoga, o direito pode dar a personalidade a quem não tem. Pode estender a personalidade a um objeto, pode estender a personalidade também a uma coletividade jurídica. A personalidade jurídica, portanto, nada mais é que uma ficção”.

LIMONGI FRANÇA53, ao escrever sobre a teoria da ficção, assevera que:

“Para os ficcionistas a pessoa jurídica a rigor inexiste. Figura no palco das relações jurídicas em virtude de uma pura criação do espírito, oriunda de conveniências de caráter prático, sem cujo atendimento o sistema jurídico não poderia funcionar”.

ORLANDO GOMES54 retrata o conteúdo desta teoria do seguinte modo:

51 Reale, Miguel. Lições Preliminares de Direito, p. 234. 52 Op. cit., p. 166.

53 Op. cit., p. 149. 54 Op. cit., p. 187.

“Segundo alguns (Bolze, Ihering) quando se associam indivíduos para a realização de fim comum, são eles próprios os sujeitos de direito, considerados em conjunto, somente por ficção dogmática, podendo-se admitir, para explicar certas situações jurídicas, que o conjunto dos indivíduos associados exerça atividade jurídica diferenciada”.

Conforme RACHEL SZTAJN55, os adeptos da teoria da ficção acreditam que

só o homem é dotado de vontade e inteligência, sendo a pessoa jurídica mera criação artificial da lei:

“As pessoas jurídicas nada mais são do que criação da lei. Por vezes se lhes atribui origem remota, da doutrina canônica, do corpus mysticum, quando se conclui que a capacidade jurídica pode ser estendida a sujeitos artificiais por simples ficção. Mas tal capacidade é criada apenas para fins patrimoniais, daí serem tais entes incapazes de vontade própria e de agir. Precisam de representação ou presentação, como diz Pontes de Miranda”.

No Brasil, ORLANDO GOMES56 perfilha esta corrente. Para esse autor, a atribuição de capacidade jurídica é pura ficção do direito, não passando de um processo técnico, apesar de reconhecer que as pessoas jurídicas possuem a sua base na realidade social:

“O fato social sobre que se erige essa construção técnica não pode ser ignorado. Se a personalização viesse a ser considerada inconveniente ou inadequada, outro recurso técnico teria de ser encontrado para a tender à necessidade da nucleação de interesses. Compreende-se, pelo exposto, que as

55 Sztajn, Rachel. Sobre a Desconsideração da Personalidade Jurídica. In Revista dos Tribunais, nº 762, p. 100.

pessoas jurídicas têm sua base na realidade social. Mas a personalidade, isto é, a atribuição de capacidade jurídica, à semelhança do que ocorre com as pessoas naturais, é uma ficção de direito, porque não passa de simples processo técnico”.

A crítica que é feita a esta teoria, notadamente por FRANCESCO FERRARA57, deve-se à ausência de análise da pessoa jurídica como realidade

própria, dotada de aptidão inata para a titularidade de imputações jurídicas, bem como a de restringir o seu âmbito de ação às relações patrimoniais, preferindo utilizar a ficção na ausência de melhor explicação:

“Ma la concezione è diffetosa, sia per l’angustia della formula, che restringe la capacità ai soli rapporti patrimoniali, sia per l’imperfezione tecnica di considerare come finzione, quella che è una configurazione tecnica del fenomeno, ma avente realtà giuridica, come ogni altra figura del mondo giuridico. Perciò da recenti Autori si parla d’un rifiorimento della teoria della finzione. La parola no ci spaventa, perchè la verità spesso si trova più nelle così dette teorie finzionistiche, che nelle così dette teorie della realtà, che sono immagini romantiche di fantasia.“

SÍLVIO DE SALVO VENOSA58 acrescenta, ainda, que uma das graves

críticas feitas a essa teoria, refere-se à personalidade do próprio Estado, como sujeito de direito, uma vez que os adeptos desta corrente, de modo contraditório, afirmam ter, o Estado, existência natural, representando uma necessidade primária

e fundamental da sociedade.

57 Ferrara, Francesco. Trattato de Diritto Civile Italiano – Le Persone Giuridiche, p. 18. 58 Venosa, Sílvio de Salvo. Teoria Geral do Direito Civil, p. 255.

Nesta mesma linha, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO59, citando DEL VECCHIO, afirma que a teoria da ficção não pode ser aceita, em virtude da falta de explicação para a existência do Estado enquanto pessoa jurídica:

“A teoria da ficção não pode ser aceita. Demonstrou-o Giorgio Del Vecchio. Ela não cuidou de explicar de maneira alguma a existência do Estado como pessoa jurídica. Quem foi o criador do Estado? Uma vez que ele não se identifica com as pessoas físicas, deverá ser igualmente havido como ficção? Nesse caso, o próprio direito será também outra ficção, porque emanado do Estado. Ficção será, portanto, tudo quanto se encontre na esfera jurídica, inclusive a própria teoria da pessoa jurídica”.