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C APÍTULO III – D ESCONSIDERAÇÃO DA P ESSOA J URÍDICA NO D IREITO E MPRESARIAL

4. D IREITO DO T RABALHO

Antes de se adentrar nos aspectos normativos e jurisprudenciais da desconsideração da pessoa jurídica no direito do trabalho, é indispensável à compreensão da posição dos doutrinadores e da jurisprudência trabalhista, afirmar que o princípio que norteia o Direito Trabalho é o da proteção da hipossuficiente econômico, ou seja, in dubio pro operario.

Conforme salienta AMADOR PAES DE ALMEIDA310, o direito do trabalho busca a igualdade jurídica entre patrões e empregados, com um único objetivo – a justiça social. Ao interpretá-lo, deve o hermeneuta ter em mente o seu preceito

fundamental, que consiste em assegurar ao empregado dignidade e justa remuneração.

Na lição de JOSÉ AUGUSTO RODRIGUES PINTO311 o princípio primário

do Direito Trabalho, do qual emergiram, por desdobramento, todos os demais, é o da proteção da hipossuficiente econômico:

“Firmou-se, então, o preceito fundamental que dá o traço mais vivo do Direito do Trabalho: é imperioso amparar-se com a proteção jurídica a debilidade econômica do empregado, na relação individual de emprego, a fim de restabelecer, em termos reais, a igualdade jurídica entre ele e o empregador.”

Para AMÉRICO PLÁ RODRIGUEZ312, o princípio da proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial ao trabalhador:

“Enquanto no direito comum uma constante preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.”

Outro ponto importante, e que merece ser destacado, é que, sob qualquer hipótese, não poderá o empregador transferir ao empregado os riscos da atividade econômica, devendo, o empresário arcar com os lucros e prejuízos do empreendimento, inclusive nos casos de falência, concordata e planos econômicos mal sucedidos.

311 Pinto, José Augusto Rodríguez. Curso de direito individual do trabalho, p. 74. 312 Rodríguez, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho, p. 28.

Nessa linha, SÉRGIO PINTO MARTINS313:

“O empregador, por natureza, assume os riscos da sua atividade econômica. Não pode o primeiro querer repassar os riscos de sua atividade ao empregado. Assume o empregador tanto os resultados positivos (os lucros) como os negativos (os prejuízos). A falência e a concordata do empregador não podem transferir os riscos da sua atividade para o empregado, que não participa dos seus prejuízos. Planos econômicos também são considerados riscos da atividade econômica do empregador.”

Da mesma forma, para VALENTIN CARRION314 o empregador deve arcar

com os lucros e perdas do empreendimento, sendo tal disposição de ordem pública,

imperativa e impostergável:

“As normas do Direito do Trabalho são de ordem pública, imperativas e impostergáveis, inafastáveis pela vontade das partes, salvo para conferirem maior proteção ao empregado.”

Ora, se a proteção ao hipossuficiente é princípio informador do Direito do Trabalho, não se admitindo, sob qualquer hipótese, a transferência do risco empresarial do empregador, para o empregado, é por demais evidente a possibilidade de constrição dos bens dos sócios, para pagamento de dívida trabalhista, em caso de inexistência de bens da sociedade.

Esse é o entendimento esposado por ARION SAYON ROMITA315: “Em outra oportunidade, já tentamos demonstrar que ‘se o empregado é imune aos riscos da atividade econômica, não se

313 Martins, Sérgio Pinto. Comentários à CLT, p. 23.

314 Carrion, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, p. 21.

315 Romita, Arion Sayon. Aspectos do Processo de Execução Trabalhista à Luz da Lei n. 6.830, in LTr 45-9, pp. 1038-1.041.

lhe podem impor os prejuízos decorrentes de uma execução insuficiente. Para completa satisfação dos créditos trabalhistas dos empregados, em caso de não bastar o acervo social para cobrir a importância global das dívidas, os sócios e os gestores devem responder com seus bens particulares, solidariamente, até a concorrência do montante dos débitos... Em suma, a limitação da responsabilidade dos sócios é incompatível com a proteção que o Direito do Trabalho dispensa aos empregados; deve ser abolida, nas relações da sociedade com seus empregados, de tal forma que os créditos dos trabalhadores encontrem integral satisfação mediante a execução subsidiária dos bens particulares dos sócios.”

MANOEL ANTÔNIO TEIXEIRA FILHO316, ao comentar o caminho percorrido pelos tribunais brasileiros no que se refere à responsabilização dos sócios por dívida da sociedade, destaca ser assunto de interesse de toda a sociedade, não apenas do credor, uma vez que diz respeito à própria efetividade da prestação jurisdicional:

“A jurisprudência crítica, porém, vem entendendo que o sócio- gerente responderá, sem limites, pelas obrigações contraídas em nome da sociedade sempre que esta: a) deixar de funcionar legalmente; b) encerrar, sub-reptícia ou irregularmente, as suas atividades; c) falir fraudulentamente etc. – desde que, por certo, a sociedade não possua bens para atender à obrigação. A atitude dessa orientação jurisprudencial é inatacável, pois seria injusto permitir que um sócio-gerente se eximisse de certas obrigações da sociedade perante os empregados, escudando- se em preceitos da legislação comercial que em nada se harmonizam com o espírito tutelar, que anima o direito material do trabalho. O que se deve levar em consideração, para um adequado enfrentamento de situações como a em exame, é o

fato de o empregado ser portador de um título executivo judicial e que o adimplemento da pertinente obrigação é assunto relacionado não apenas aos interesses do credor, mas à própria respeitabilidade e eficácia dos pronunciamentos jurisdicionais. De tal arte, se a sociedade não possui bens para solver a obrigação, a isso será chamado o sócio-gerente, pouco importando que tenha integralizado as suas quotas do capital ou que não tenha agido com exorbitância do mandato, infringência do contrato ou de norma legal. O critério de justiça, em casos como esse, se sobrepôs ao da subserviência à literalidade insensível dos preceitos normativos, particularidade que realça, ainda mais, a notável vocação zetética do direito material do trabalho e da jurisprudência que o aplica e o interpreta.”

Os tribunais trabalhistas brasileiros, seguindo o mesmo entendimento esposado pelos doutrinadores do direito laboral, aplicam a teoria da desconsideração da personalidade jurídica para admitir a execução dos bens dos sócios, sempre que ausentes bens da sociedade, independentemente da existência de abuso de direito ou de fraude.

O Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina, fundamentando-se nos princípios protetores do Direito do Trabalho, aplicou a disregard doctrine para reconhecer a responsabilidade do sócio, por dívida da sociedade originária de descumprimento de obrigação trabalhista317:

“Prevalência dos princípios de proteção do trabalhador. Na esfera trabalhista, a conceituação de empresa é bastante complexa, envolvendo a sua consideração como organismo e instituição, como organização democrática do trabalho, como função social e categoria jurídica. Esses elementos levaram à

317 Bomfim, B. Calheiros; Santos, Silvério dos; Kaway Cristina. Dicionário de Decisões Trabalhistas, pp. 499-500.

elaboração do consagrado princípio da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) do empregador, vital à criação de mecanismos de resguardo do trabalhador, aliás, já inserto no § 2º do art. 2º da CLT, relativamente a grupo de empresas. Entretanto, esse princípio só produz efeito quando frustrada a realização do direito do obreiro em decorrência de eventual abuso por parte do empregador. Demonstrada de forma inconteste a prática habitual da utilização de contratos de mandato mercantil com cessão de espaço físico em estabelecimento comercial, valendo-se dos remanescentes indisponíveis de empresas falidas e contratação de empresas sem patrimônio próprio formadas apenas para o fornecimento de mão-de-obra, induvidoso está o interesse de afastar qualquer responsabilidade pelos encargos decorrentes da relação trabalhista, o que se consubstancia em um procedimento deplorável, que não se coaduna com os princípios protecionistas e tutelares do Direito do Trabalho, tampouco com a concepção da função social da empresa. Amalgamando o princípio de proteção do empregado com aquele decorrente da aplicação da norma mais favorável, norteadores da legislação obreira, decorre o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da recorrente, por ter sido a beneficiária direta do trabalho do autor. (TRT, 12ª Região, 2ª Turma (RO 7514/97), Relª. Juíza Maria Aparecida Caitano, DJ/SC 18/12/98, p. 183).”

AMADOR PAES DE ALMEIDA318 cita, ainda, outros dois exemplos de

aplicação da desconsideração da pessoa jurídica pelos tribunais brasileiros, o primeiro, do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, e o último, do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais:

“Penhora – Bens dos sócios – Responsabilidade pelos débitos trabalhistas. Mandado de Segurança – Sócio da empresa. A jurisprudência trabalhista tem-se pronunciado no sentido de que os bens dos sócios respondem pelos débitos das sociedades de que os mesmos participem. Recurso ordinário desprovido”. (TST, ROMS 44076/92-RJ, Ac. 2388 – Seção Especializada em Dissídios Individuais, rel. Min. Cnéa Moreira, DJ, 6-11-1992).” “Sócio de fato – Aplicação da doutrina da desconsideração da pessoa jurídica à execução trabalhista. Desponta na atualidade a força inevitável da doutrina da desconsideração da pessoa jurídica, aplicável com muito maior razão de direito à execução trabalhista e consagrada no art. 5º da Lei nº 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, a qual, pela sua fascinante tese, impõe não sejam considerados os efeitos da personificação para atingir a responsabilidade dos sócios, como consequência, se a pessoa jurídica reclamada não dispõe de bens suficientes para a satisfação do crédito trabalhista do Exeqüente e restou evidenciado nos autos que o executado-agravante é sócio de fato das reclamadas, porque público e notório que sempre fez parte destas até mesmo em sua administração direta, embora não o fazendo de direito, deve nessa condição responder com seu patrimônio privado pelas dívidas trabalhistas em direta aplicação do princípio aludido”. (TRT, 3ª Região, 4ª Turma, Ap. 1.277/96, 7-8-96, rel. Juíza Deoclécia Amorelli Dias, LTr, 61- 02/264).”

Percebe-se que a compreensão do princípio da proteção do hipossuficiente econômico e da impossibilidade de transferência do risco da atividade econômica para o empregado, é fundamental para entender o posicionamento da doutrina, bem como dos tribunais trabalhistas brasileiros, no que se refere à aplicação e desenvolvimento da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, nesse ramo do direito.

Da mesma forma, insta frisar que o problema relacionado à teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho diz respeito a freqüente aplicação da teoria menor pelos tribunais brasileiros, que admitem a execução dos bens dos sócios, sempre que ausentes bens da sociedade, independentemente da existência de abuso de direito ou de fraude.