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4. N ATUREZA J URÍDICA

4.4. T EORIA DA R EALIDADE T ÉCNICA

A quarta teoria, a da realidade técnica, também conhecida como teoria da realidade jurídica, aproveita elementos das correntes anteriores, consistindo em posição intermediária entre as teorias da ficção e da realidade objetiva.

Para os seus adeptos, a personalidade jurídica é um expediente de ordem técnica, útil para alcançar alguns interesses humanos.

ARNALDO RIZZARDO76 escreve:

“Na verdade, não se pode olvidar que a pessoa jurídica é uma criação, uma ficção, existindo abstratamente, pois se destaca de seus membros, constituindo um ser distinto. No entanto, não deixa de ser uma realidade, criada pelo ordenamento jurídico, que a reconhece, lhe dando proteção e assegurando o exercício de direitos e deveres. E quem a cria, lhe dá existência e a faz titular de direito e obrigações, é o direito. Efetivamente, o direito a reveste de personalidade, da mesma forma como atribui direitos e obrigações ao ser humano.”

FRANCISCO AMARAL77 acrescenta:

“Para tal concepção a pessoa jurídica resulta de um processo técnico, a personificação, pelo qual a ordem jurídica atribui personalidade a grupos em que a lei reconhece vontade e

76 Op. cit., p. 247. 77 Op. cit., p. 282.

objetivos próprios. As pessoas jurídicas são uma realidade, não ficção, embora produto da ordem jurídica. Sendo a personalidade, no caso, um produto da técnica jurídica, sua essência não consiste no ser em si, mas em uma forma jurídica, pelo que se considera tal concepção como formalista. A forma jurídica não é, todavia, um processo técnico, mas a tradução jurídica de um fenômeno empírico, sendo a função do direito apenas a de reconhecer algo já existente no meio social.”

No mesmo sentido, ORLANDO GOMES78:

“A teoria da realidade técnica (Saleilles, Geny, Michoud, Ferrara) sustenta que a realidade das pessoas jurídicas não é objetiva, embora existam, como fatos, os grupos constituídos para a realização de fim comum. A personificação desses grupos é, porém, construção da técnica jurídica, que lhes dá forma, admitindo que tenham capacidade jurídica própria, porque o exercício da atividade jurídica é indispensável à sua existência. A personificação é uma realidade técnica. Não se trata de criação artificial da lei.”

Para FRANCESCO FERRARA79, um dos grandes defensores desta corrente,

a pessoa jurídica não pode ser considerada uma obra de ficção, uma máscara, ou mesmo um processo artificial, sendo a forma jurídica pela qual os grupos sociais se fazem representar na sociedade:

“Ma la personalità non è una finzione, una maschera, un processo artificiale, una construzione speculativa, ma é una forma giuridica. La personalità è un modo di regolamento, un procedimento di unificazione, la configurazione legale che certi

78 Op. cit., p. 187. 79 Op. cit., p. 31.

fenomeni di associazione o d’organizzazione recevono dal diritto obbietivo. È un prodotto puro dell’ordine giuridico. È vano il tentativo di voler cercare dietro la persona giuridica un qualche ente od organismo volitivo, sociale o psicologico che la legge è tenuta a riconoscere come tale. Dietro le persone giuridiche non c’è altro che associazioni od instituizioni sociali. La personalità giuridica è la veste giuridica, con cui questi gruppi d’uomini o stablimenti si presentano nella vita del diritto, è la configurazioni legale che essi ricevono per participare al commercio giuridico.”

Entre os doutrinadores brasileiros adeptos da teoria da realidade técnica, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO80, reconhecendo ser esta a que melhor fornece a essência jurídica da pessoa jurídica, principalmente por ser eclética ao apontar um pouco de verdade em cada uma das demais teorias, afirma que:

“Assim como a personalidade humana deriva do direito (tanto que este já privou seres humanos de personalidade – os escravos), da mesma forma pode ele concedê-la a outros entes, que não os homens, desde que colimem a realização de interesses humanos. A personalidade jurídica não é, pois, ficção, mas uma forma, uma investidura, um atributo, que o Estado defere a certos entes, havidos como merecedores dessa situação. O Estado não outorga tal predicado de maneira arbitrária e sim tendo em vista determinada situação, que já encontra devidamente concretizada. A pessoa jurídica tem assim realidade, não a realidade física (peculiar as ciências naturais), mas a realidade jurídica, ideal, a realidade das instituições jurídicas. No âmbito do direito, portanto, as pessoas jurídicas são dotadas do mesmo subjetivismo outorgado às pessoas físicas.”

Nesta mesma linha de entendimento, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA81:

“Atentamos, entretanto, em que, encarando a natureza da pessoa jurídica como realidade técnica, aceitamo-la e à sua personalidade sem qualquer artifício. E nem se poderá objetar que esta personalidade e capacidade são fictícias em razão de provirem da lei, porque ainda neste passo é de salientar-se que a própria personalidade jurídica do homem é uma criação do direito e não da natureza, reconhecida quando a ordem legal a concede, e negada quando (escravos) o ordenamento jurídico a recusa.”

Os críticos dessa teoria afirmam ser ela extremamente positivista, na medida em que conclui que a personalidade depende exclusivamente do Estado, que tanto pode retirá-la de alguns como concedê-la a outros, discricionariamente.

Afirma ALEXANDRE FERREIRA DE ASSUMPÇÃO ALVES82 que esta

corrente nega a personalidade como um atributo natural do homem ou das

coletividades. Juridicamente a personalidade é apenas a capacidade de ter direitos e exercer obrigações, sendo, tão somente, um atributo jurídico e não natural.

FRANCISCO AMARAL83, do mesmo modo, ressalta que a teoria da realidade

técnica é acusada de positivista e assim desvinculada de pressupostos materiais ou requisitos prévios para o reconhecimento do Estado das pessoas jurídicas.