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A GERAÇÃO MODERNISTA DE 45 EM CADERNO DA BAHIA

2.7. CADERNO DA BAHIA: VANGUARDISTAS?

Se tomarmos como modelo os movimentos artísticos europeus no início do século XX, Caderno da Bahia não foi vanguardista. Nestes termos de referência, nem

Arco & Flexa, a Academia dos Rebeldes, Caderno da Bahia ou Mapa, nenhum destes

grupos materializados em uma revista cultural se caracterizou pela ruptura radical à tradição, característica da vanguarda européia.

Em torno da definição de vanguarda, Antonio Risério, em Avant Garde na

Bahia, toma como personagens de renovação artística nomes como Lina Bo Bardi,

Koellreutter, Smetak, Widmer, Agostinho, entre outros, atraídos pela Universidade da Bahia na segunda metade da década de 1950. Eles foram vanguardistas no teor radical de algumas inovações dentro do ambiente universitário. Professores, intelectuais, muitos deles já reconhecidos, cada um trouxe para a Bahia referências estéticas e metodológicas de ensino inovadoras, as quais incorporavam a cultura popular baiana e nordestina em uma releitura artística inédita. Mas o grupo não nasceu na Bahia, não passou a juventude no estado, tendo de submeter suas produções culturais juvenis ao crivo das gerações anteriores, estabelecidas e consagradas. Houve nessa época uma importação da experiência vanguardista de fora.

Nos textos de Adalmir da Cunha Miranda, que refletiu consideravelmente sobre sua uma geração, os leitores não são levados a pensar os grupos em torno das revistas culturais em termos vanguardistas. Inclusive dentro do ambiente universitário, dentro do qual escreveu muitos artigos de opinião geracional, como entre 1950 e 1952, quando foi diretor de três das quatro primeiras edições de Ângulos, revista da Faculdade de Direito, não há um manifesto de ruptura, à moda européia do inicio do século XX. A experiência modernista dos integrantes de Caderno da Bahia seguiu outros passos, diferentes da experiência vanguardista européia.

Os laços entre Ângulos e Caderno da Bahia, por exemplo, marcaram um traço desta experiência modernista na Bahia. Os laços foram muito fortes e contribuíram para que houvesse troca de textos entre os grupos: José Pedreira, o idealizador do bar Anjo

Azul e colaborador de Caderno da Bahia, e Vasconcelos Maia, por exemplo,

125 Caderno da Bahia, nº 5, 1950, p. 12.

contribuíram em Ângulos com contos. Adalmir da Cunha Miranda e A. L. Machado Neto, universitários, contribuíram com textos para Caderno da Bahia.

João Eurico Mata divide em quatro fases a revista Ângulos, e afirma que a primeira fase, de 1950 a 1953, foi marcada por essa união entre os grupos culturais, pois, além da troca de textos, quase todos os artistas plásticos ligado ao movimento

Caderno da Bahia ilustraram as páginas de Ângulos.126

No editorial do primeiro número de Ângulos, em setembro do 1950, Adalmira da Cunha Miranda não escreveu um texto vanguardista. Na faculdade, ele estava sintonizado, assim como os integrantes de Caderno da Bahia, com as questões não só artísticas, mas políticas e sociais, sintonizadas com o realismo socialista, embora sem o radicalismo partidário de Zhadov. Adalmir diz:

“A juventude universitária não pode gratuitamente ser acusada de conformismo político ou intelectual. O pessimismo dos moços e o seu escapismo em face dos problemas gerais que afligem o homem moderno, manifestam-se como efeito e não como causas geradoras dessa situação. A mocidade do após-guerra de 1939 tem experimentado as mais duras decepções e, raramente, no exemplo dos antepassados imediatos, encontra um ponto de apoio para a solução de seus problemas e o cumprimento de sua tarefa (...) Essa tibieza dos moços que negam sua mocidade, repudiando, com atos e palavras, a rebeldia construtiva que deve caracterizar a juventude, é um dos mais contristadores sintomas da assimilação passiva da herança, inútil, pelo menos sob certos aspectos, das gerações antecessores”127

Este primeiro editorial, cujo título é “Questão do nosso tempo”, é um texto abrangente, comparado ao segundo, que trata especificamente da “Participação política do estudante”. Definitivamente, distancia-se da experiência vanguardista européia. Diferente de uma ruptura estética e formal com a tradição, ou mesmo uma ruptura com modelos de comportamento, é possível perceber que a preocupação de Adalmir da Cunha Miranda é o papel que a produção intelectual e artística pode ter na condução política de uma geração:

“o professor, o escritor, o operário e todos podem sentir sobre seus ombros o peso de um idêntico dever de participação política. E principalmente aqueles que exercem atividades intelectuais e constituem o ponto de apoio da sociedade para o seus esclarecimento geral”128

126 MATTA, Eurico João. Ângulos - a vigência de uma revista universitária. Salvador: Centro de Estudos Universitários, 1988, p. 29.

Uma missão semelhante ao escritor do qual o Rio de Janeiro precisaria, segundo Heron de Alencar, para elaborar uma espécie de relatório social à cidade, como vimos. E semelhante também à linha de engajamento lírico dos novos poetas, posicionamento expresso nos ensaios sobre a função social da poesia, de Wilson Rocha.

Seja como for, apesar deste cruzamento entre as duas publicações, é preciso sublinhar que os integrantes de Caderno da Bahia não fizeram parte de um grupo universitário. A Universidade da Bahia surgiu como um centro de produção, retenção e difusão cultural de grande porte apenas na segunda metade da década de 1950, na conjuntura política do otimismo desenvolvimentista de J.K., sob o reitorado de Edgar Santos. O núcleo fundador e diretivo de Caderno da Bahia, assim como os artistas plásticos ligados à revista, tiveram suas formações distante da universidade. O grupo em torno da revista Mapa (1957-58), este, sim, seria marcado pelo traço da cultura universitária, tendo seus integrantes - como Glauber Rocha, Florisvaldo Matos, Sante Scaldaferri, Calasans Neto, Carlos Anísio Melhor, João Ubaldo Ribeiro etc, - sido formados dentro do ambiente universitário.