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A VIRADA MODERNISTA

4.3. I SALÃO BAHIANO DE BELAS ARTES (1949)

Além destes artistas nascidos na Bahia, o ano de 1949 ficou marcado pela presença de artistas plásticos vindos de fora. Vinham com o objetivo de “fazer a Bahia”, como se passou a cunhar a presença destes pintores que aportavam em Salvador para registrar cenas da cultura popular e da paisagem natural e histórica da cidade. Segundo Aldo Bonadei, que havia chagado em 1948, de São Paulo, “por sua conta, sem os alardes dos convites oficiais,”230

e que ilustrou as duas primeiras capas de Caderno da Bahia, sua chegada à Salvador se justificava por “fazer a Bahia.”231 Assim também Carlos Thirré anunciou sua vinda: “fazer a Bahia.”232

Carybé descreve o momento vivido naquele ano dessa forma:

“A Bahia fazia 400 anos de fundada e, por um desses estranhos avatares que geraram a Renascença, a Escola de Paris, o Bauhaus ou Bizâncio, fagocitou uma série de pessoas que viriam a formar o grupo de renovação das artes. (...) Mário Cravo Jr. voltava de Syracuse, EUA, onde estudara com Ivan Mestrovic. Jenner Augusto vinha de Aracaju com dez anos de tirocínio na capanga; Carlos Bastos de New York; do Paraná vinha Poty; o Hansen de Hamburgo, Genaro de Paris e eu vinha vindo de Buenos Aires (...) No time dos escribas estavam o Carlitos Vasconcelos Maia, Wilson e Carlos Eduardo da Rocha, Odorico Tavares, José Valladares e Godofredo Filho.”233

Essa descrição de Carybé possivelmente fala da grande movimentação artística e cultural em 1949, no segundo semestre, quando realizou-se o I Salão Bahiano de Belas Artes, que marcaria as artes plásticas.

4.3. I SALÃO BAHIANO DE BELAS ARTES (1949)

Com exceção de Jenner Augusto, que chegaria a Salvador no apagar de 1949, todos os artistas plásticos ligados à Caderno da Bahia participaram do I Salão Bahiano de Belas Artes. Todos eles já tinham exposto individualmente ao longo de 1949. Em novembro, mês quando ocorreu o Salão, eles voltariam a apresentar seu trabalho.

230 Caderno da Bahia, nº 1, 1948, p. 8. 231 Estado da Bahia, 8 de junho de 1949. 232

Estado da Bahia, 5 de fevereiro de 1949.

O I Salão Baiano de Belas Artes marcaria o início de uma virada importante para as artes modernas na Bahia. Segundo Ana Carolina Melo, os Salões Bahianos de Belas Artes foram “um verdadeiro espelho da transição final e da consolidação da arte moderna na Bahia. Os Salões mostram, em sua trajetória, que, ao mesmo tempo que a arte moderna era reconhecida e valorizada, a arte acadêmica não desapareceu radicalmente.”234

A realização do I Salão Bahiano de Belas Artes ficou a cargo de Anísio Teixeira, que procurou revestir o evento de uma dimensão nacional. A formação do júri deu-se da seguinte forma: dos nomes listados por Anísio Teixeira, o governador Otávio Mangabeira nomearia dois grupos de três pessoas, um para cada seção, a Seção Moderna e a Seção Geral. Segundo a transcrição do edital no jornal Estado da Bahia, “aos Júris incumbe, especial e privativamente: a) classificar, preliminarmente, os trabalhos enviados ao Salão, segundo as tendências artísticas a que obedecem.”235 Ou seja, eram eles quem decidiam sobre a classificação da obra na exposição, se moderna ou se acadêmica.

Os júris foram compostos, na Seção Moderna, por Diógenes Rebouças, arquiteto, Alcides Rocha (substituído por Godofredo Filho, poeta) e Aldo Bonadei, pintor e desenhista; na Seção Geral, Presciliano Silva, Mendonça Filho, professores da Escola de Belas Artes, e Raul Devesa, pintor também acadêmico.

O I Salão Bahiano aconteceu no hall do Hotel da Bahia, que ainda estava em obras. Desde a publicação do edital até o fim de novembro, quando terminou a exposição, a imprensa baiana cedeu espaço nos jornais para a divulgação do certame e para assuntos que envolviam o regulamento.

Antes do Salão, por exemplo, é possível encontrar nos jornais da época discussões como a do repórter carioca Quirino Campofiorito, que entendeu como um equivoco “a exigência de julgamento de entrada para os artistas que no ‘Salão Nacional’ já possuíssem a Medalha de Prata”236, deixando apenas para primeiros lugares em Salão nacional a isenção de julgamento. Para ele, a prata em salão nacional bastava para dispensar julgamento de entrada em salão regional. Além disso, também

Civilização Brasileira, 1974, p. 102.

234 MELO, Ana Carolina Bezerra de. “A arte moderna da Bahia: processo histórico artístico. Dissertação de mestrado em Artes. EBA, Salvador, Ufba, 2003. Disponível em:

http://www.revistaohun.ufba.br/pdf/Arte_Moderna_na_Bahia_AnaCarolinaBezerraMelo.pdf Acessado em: 15/11/2011

identificou que poderia haver, no regulamento, a “inclusão por parte da comissão julgadora do concorrente na divisão moderna ou conservadora”.237

Discussões como essas antecederam o evento artístico. Durante a exposição, outras assuntos entraram em pauta, como o grande e incomum fluxo de visitantes a uma exposição de arte. José Valladares comenta: “Houve noites, lá no Campo Grande, em que até se tinha a impressão de romaria.”238

A presença da população foi marcante no Hotel da Bahia, projetado em linhas modernas pelo arquiteto Diógenes Rebouças, e a exposição, consenso geral, foi um sucesso. Foram 148 obras de pinturas, 43 de desenhos e gravuras, 12 esculturas e 1 obra de arquitetura. Participaram 156 artistas, sendo que, destes, 55 residiam em Salvador. Tais números são de uma crônica de José Valladares, que completa a informação dizendo que na exposição estavam presente “todas as tendências da arte brasileira, desde o sólido academicismo de um Alípio Dutra ao abstracionismo experimental de Rubem Valentim.”239

Com relação às premiações, a divisão de Arte Moderna ficou assim: Lothar Charoux, de São Paulo, com o óleo “Portas”, ficou com a Medalha de Ouro; Inimá Paula, do Rio de Janeiro, com o óleo “Rua Moura Brasil” medalha de prata; e Carlos Bastos, da Bahia, com “Mulher ao Toucador”, medalha de bronze. A tela de Carlos Bastos expõe uma mulher cuja pela tem duas cores: a negra e a branca. Os fartos seios de fora condizem com as grossas pernas abertas, numa perspectiva e proporção deformadoras, característica de uma linguagem plástica moderna que procura ressaltar a condição popular em suas telas.

Mulher ao tocaudor. Carlos bastos. 3 lugar no I Salão. União entre negro e branco 236 Diário de Notícias, 8 de julho de 1949.

237 Diário de Notícias, 7 de julho de 1949. 238

Diário de Notícias, 20 de novembro de 1949. 239 Diário de Notícias, 27 de novembro de 1949.

Segundo o registro de Caderno da Bahia sobre o evento, “apesar de certa discordância de parte de figuras expressivas da nossa cultura em relação ao primeiro prêmio da Divisão de Arte Moderna, o Salão veio consolidar na nossa terra a aceitação da chamada Arte Moderna.”240

A matéria de Caderno da Bahia, não assinada, não especifica os motivos da discordância com relação aos primeiros lugares, concedidos à obra de Lothar Charoux, “Portas”, e “Rua Moura Brasil”, de Inimá de Paula. É uma pena. Numa percepção geral, pode-se dizer que não houve maiores contestações à premiação do evento, ou, ao menos, qualquer discordância que tenha gerado descrédito ao evento e ao júri, como viria a acontecer no terceiro salão. Assim como também não houve maiores atritos entre a Divisão Moderna e a Divisão Geral no I Salão Bahiano de Belas Artes.

De destaque no I Salão, vale apontar que a plasticidade das linguagens artísticas das obras modernistas talvez tenha causado sensações incomuns a alguns visitantes. Colunas sociais, por exemplo, manifestaram impressões de estranhamento. Em uma seção do jornal A Tarde, intitulada Modas - Registro Social - Filmes -

Estrelas, dedicada a assuntos femininos, a articulista Lenora deixou-nos um

importante registro dos acontecimentos da exposição:

“Os adeptos da escola moderna se põem em campo para explicar ao público o verdadeiro sentido de sua inspiração. Afirmam que a nova arte foi feita para o povo, porém o povo a rejeita sem a compreender. Diante dos quadros surrealistas, futuristas, abstracionistas, reage, critica, confessando abertamente com irônica humildade, sua absoluta inaptidão para compreender semelhantes deformações, a que os entendidos atribuem tão profundas significações estéticas”241

É uma voz importante. Mulher, em um espaço dedicado aos assuntos femininos no jornal, quer mostrar em seu artigo de opinião que, apesar da arte moderna se propor a ser uma arte do povo, e para o povo, “de nenhum modo reflete o sentir popular.”242 Esse olhar de Leonora, mesmo sem o querer, abre uma interrogação ao historiador sobre se a população baiana alcançara ou não a compreensão da linguagem plástica da

240 Caderno da Bahia, nº 5, 1950, p. 11. 241

A Tarde, 10 de novembro de 1949. 242 A Tarde, 10 de novembro de 1949.

arte moderna, seus conceitos estéticos e temáticos. Em sua coluna, ela quer dizer que a “impressão geral” da exposição, dos “mais de 15 mil”, segundo Valladares, foi de incompreensão por parte do povo na seção de arte moderna.

Não pretendo tomar a perspectiva dos estudos de percepção coletiva da arte, que é um dos caminhos possíveis dentro da iconologia, e apontado por Peter Burke como um rico terreno ao historiador.243 Mas não foi meu objetivo enfocar as formas de percepção da arte moderna baiana no período, embora seja um grande contribuição ao tema. Mais do que a impressão geral, ressalto que o I Salão Bahiano de Belas Artes, em sua primeira edição, foi um marco da virada modernista.