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Dentro da crítica literária brasileira, Claudio Tuiuti Tavares, Vasconcelos Maia, Wilson Rocha e Darwin Brandão, escritores, poetas e jornalistas ligados a

Caderno da Bahia, pertenceram à geração de 1945. Pertenceram à geração do pós

segunda guerra, que ficou marcada pela exigência de um posicionamento político e social diante de dois contextos: a permanência de regimes totalitários, no mundo, e o fim do ditadura do Estado Novo.

O posicionamento ideológico de Caderno da Bahia, no entanto, não representou um radicalismo de esquerda, comunista. Seu engajamento esteve ligado à iniciativa de trazer para o primeiro plano da obra de arte o elemento popular. Para os escritores e poetas, o artista deveria procurar fazer com que sua arte refletisse sobre seu tempo, sobre os problemas sócio-econômicos de seu espaço e região, e encontraram na grande gama da cultura popular baiana uma forma de alcançar este objetivo.

O realismo socialista, nesse sentido, não esteve presente na revista enquanto uma produção revolucionária. Podemos vê-lo na valorização da cultura popular enquanto posicionamento diante dos contextos políticos e sociais do pós segunda guerra e da redemocratização brasileira, a partir de 1945. E foi um processo natural, este, pois, do ponto de vista literário, eles tentaram ampliar as cenas cotidianas de Salvador, que podiam ser vistas em qualquer lugar, entrando inclusive nos mistérios dos rituais do candomblé.

Do ponto de vista das artes plásticas, não demoraria para que os jovens artistas, amigos e conhecidos destes escritores, se juntassem a eles, acrescentando ao elemento popular o olhar de um novo gênero, o qual vivia uma realidade diferente do gênero literário. As artes plásticas modernas vinham dentro de um ritmo de divulgação e aceitação diferente, ainda sofrendo preconceitos estéticos e formais. Genaro de Carvalho, Carlos Bastos, Mário Cravo Jr. e Jenner Augusto foram os que mais dialogaram com os escritores de Caderno da Bahia, unindo vozes numa atitude que dava ao grupo contornos de um movimento cultural.

Por questões práticas, a atuação do grupo de Caderno da Bahia no sentido de esclarecer e de divulgar as novas linguagens plásticas modernas aconteceu fora das páginas do periódico, através da realização de exposições, conferências, na criação de

espaços próprios, como o bar Anjo Azul, que abriu espaço inclusive para a realização de um leilão, assim como na troca com outros artistas de fora. Nestes momento, literatos e artistas plásticos se uniram visivelmente.

O processo de renovação do fazer artístico passava por questões de comportamento, de posicionamento político e inevitavelmente pela temática. Nas artes plásticas, o tema da cultura popular baiana invadiu a cena numa leitura nova, especialmente aos assuntos ligados ao candomblé, assim como as novas linguagens causaram estranhamento a alguns grupos sociais. Essas mudanças, no gênero das artes plásticas, andaram juntas. Na literatura, escritores e poetas procuraram um posicionamento político, a principio, no imediato pós segunda guerra, através de seus poetas, para em seguida abordar novas temas relacionados à cultura popular baiana, em escritores de prosa. Mas a renovação também passa pela união de discursos até então inexistente na Bahia, com um espaço editorial de troca e exposição de idéias e conhecimentos comuns, como vozes de sociólogos, antropólogos, críticos de arte e jornalistas, ao lado de poetas e escritores, passando todos a problematizar a cultura popular baiana.

Destaquei os primeiros passos para a estruturação do turismo, em que o debate nos jornais sobre a necessidade de aproveitar a rica fonte de receita para o Estado daria origem a especulações, contribuindo para a divulgação da cultura popular baiana. O crescimento dos estudos antropológicos no Brasil, como dissemos, foi outra voz com a qual Caderno da Bahia dialogou, atribuindo à apropriação artística dos elementos populares na Bahia um embasamento intelectual e cultural.

A voz política, esta, através quase que exclusivamente da atuação de Anísio Teixeira, Secretário de Educação e Saúde, no governo de Otávio Mangabeira, representou o apoio oficial às artes plásticas modernas na Bahia. Não só diretamente, como através da criação e estruturação dos Salões Bahianos de Belas Artes, com o patrocínio de palestras sobre arte moderna em exposições e mostras pela cidade, mas também indiretamente, ao abrir os painéis do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, para pintores jovens modernos e baianos.

A gestão de Anísio Teixeira assim contribuiu para que o governo de Otávio Mangabeira fosse associado a um governo legitimamente baiano em suas expressões artísticas e culturais, de modo a simbolizar a substituição do antigo governo, que tirara a antiga classe dirigente do poder, em 1930, governo tomado como um ultraje à

história e à tradição política baiana, na figura de Juracy Magalhães.

Assim, em meio a tais formas de apropriação discursiva da cultura popular baiana, as representações de elementos ligados ao candomblé geraram polêmicas e revelaram diferenças sociais. Através das colunas de leitores em jornais, pudemos ver que vozes conservadoras não aprovaram que o candomblé fosse divulgado como manifestações da tradição e cultura baiana, pois ainda era tabu na sociedade.

Os estudos antropológicos e raciais realizados em Salvador, ao mesmo tempo em que embasavam as renovações nas linguagens artísticas, como as representações da cultura popular baiana, deram um aspecto acadêmico a um assunto que anteriormente era considerado de polícia.

A campanha turística, que ganhou em especulações na virada de 1940 para 1950, se processou paralelamente aos esforços dos jovens artistas plásticos de

Caderno da Bahia em divulgar a cultura popular baiana, e em especial a negra,

relacionada aos assuntos do candomblé.

Assim, a revista Caderno da Bahia reuniu em torno de si um grupo social que expressou sua vontade de mudança na vida cultural e artística de Salvador. Literatos e artistas plásticos pela primeira vez se uniram em um periódico para tentar conquistar um espaço de divulgação e reconhecimento, um lugar ao sol, não só para os escritores, mas principalmente para os artistas plásticos, que ainda sofriam preconceitos com relação às novas linguagens plásticas modernas, que destoavam da arte produzida dentro da Academia de Belas Artes.

Não procurei analisar o choque de tendências estéticas e estilísticas entre os jovens artistas e os pintores consagrados da Escola de Belas Artes, até porque não houve um choque, ou seja, um conflito de gerações estéticas e formais entres eles, mas antes uma vontade de ter um espaço próprio de reconhecimento. Os integrantes de

Caderno da Bahia, não só pintores, mas poetas, escritores e jornalistas tentaram, a um

só tempo, buscar este espaço para a arte moderna que estava sendo feita com muita seriedade pelos jovens artistas locais.

Deve-se por último apenas sublinhar que o conteúdo da revista Caderno da

Bahia e as atividades realizadas por seus integrantes foram apenas uma voz na

sociedade soteropolitana a problematizar a cultura popular baiana. Ou, de outro jeito, o movimento liderado por Caderno da Bahia foi apenas um, dentre outros processos históricos, a apresentar uma leitura dos elementos culturais do povo da Bahia,

contribuindo e dando continuidade o processo da construção da baianidade, o qual não dei ênfase.

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