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UNIVERSIDADE DA BAHIA, ÂNGULOS E CADERNO DA BAHIA

A GERAÇÃO MODERNISTA DE 45 EM CADERNO DA BAHIA

2.8. UNIVERSIDADE DA BAHIA, ÂNGULOS E CADERNO DA BAHIA

Durante a publicação de Caderno da Bahia, a recém instalada universidade ainda não tinha se tornado um centro cosmopolita. Embora criada em 1946, apenas na segunda metade da década de 1950 que a Universidade da Bahia passou a representar um lugar privilegiado de produção, retenção e circulação cultural enquanto arte e também ciência.129 Assim, sem as fronteiras que separavam o ambiente acadêmico da produção extra campus, alguns integrantes de Caderno da Bahia contribuíram em

Ângulos, bem como estudantes de Direito, colaboradores de Ângulos, escreveram em

128 Ângulos nº 2, 1951, p. 3.

129 Segundo Antonio Risério, após a leitura dos discursos proferidos por Edgar Santos, o reitor atribuía à universidade um papel fundamental no processo de modernidade que estava em curso em Salvador. Edgar Santos estaria convicto de que o abandono das características provincianas - técnicas e culturais - exigiam, para entrar em definitivo na era da modernidade, de uma universidade presente na sociedade tanto no nível cultural quanto econômico. A concepção de cultura de Edgar Santos era humanista. Ele via a Universidade enquanto um centro de saber, espaço onde se cultiva o bom gosto, a nobre arte, onde se adquiria o hábito pelo conhecimento e onde se refinava a sensibilidade. Risério demonstra o fato analisando que o reitor cultivou e estimulou as experiências culturais nas artes ditas superiores: teatro, dança, música e arquitetura. Estas disciplinas teriam apresentado renovações em suas metodologias e estruturas curriculares de forma até então nunca vista, o que não se registrou em outras disciplinas, como literatura e cinema.

Caderno da Bahia. Seguramente foi um traço particular da experiência modernista

baiana, em comparação à experiência vanguardista européia, além de um traço particular, por que não, de uma modernidade tardia em Salvador.

João Eurico Matta dividiu a trajetória de Ângulos, como foi dito. Sobre a primeira fase, de 1950 a 1953, abrangendo seis números da revista, os artistas plásticos eram “todos ligados a Caderno da Bahia: Ligia Sampaio, Carlos Bastos, Jenner Augusto, Genaro de Carvalho, Carybé, Rubem Valentim.”130

Florisvaldo Matos, redator de Ângulos número 12, na terceira fase, cujos laços foram fortalecidos com os membros da revista Mapa, afirmou que o periódico universitário, em sua fundação, “foi uma espécie de produto das idéias e atitudes defendidas pelo grupo de Caderno da Bahia.”131

Certamente, alguns estudantes da Faculdade de Direito, tradicional centro formador de políticos, intelectuais e escritores, identificaram-se com o movimento cultural promovido uma década antes por Caderno da Bahia, movimento que, como o próprio Wilson Rocha proclamava em seus ensaios de abertura, pertencia a “um momento único na história”. Nos editais de Adalmira da Cunha Miranda, como vimos o tom era o mesmo, de modo que o ambiente universitário e a vida cultural extra campus trocavam experiências.

Pode-se supor que estas trocas de experiências não eram raras. Afinal, como mostramos no capitulo anterior, os espaços culturais em Salvador eram escassos. Comumente grupos distintos circulavam pelos mesmo ambientes culturais: bares, ruas e espaços públicos ainda eram os mesmo por onde intelectuais e literatos consagrados e aspirantes a escritores e a artistas plásticos andavam. Se possível, até em eventos privados, familiares, estes personagens ainda se cruzavam.

Vasconcelos Maia participou de Ângulos nº 1 com o conto “A derrota”. E no ano seguinte, em 1951, ano do último número de Caderno da Bahia, em matéria no jornal A

Tarde, Maia elogiou bastante a publicação de Ângulos. Elogiou os artigos escritos pelos

estudantes, destacando os textos de Adalmir da Cunha Miranda, “ Poesia” e “Um conceito de crítica”. Maia escreveu na matéria: “Ângulos mantém nesse número três a mesma unidade intelectual que a vem caracterizando: vivacidade na escolha de boas colaborações e orientação política muitíssimo decente.”

130

MATA. João Eurico. Op. cit. p.29.

Outro exemplo de troca entre os dois periódicos e ambientes culturais nos remete a Ângulos nº 4, de 1952. Raimundo Mesquita, que escreveu para a penúltima edição de Caderno da Bahia, em 1951, publicou um texto, na seção ‘Revista em revista’, com o titulo de ‘Caderno da Bahia’. Em tom de homenagem póstuma, diz:

“Não se trata agora de lamentar o desaparecimento de ‘Caderno’ - sabemos que a efemeridade é uma das características biológicas de tais organismos. O que nos move é o desejo de sobrelevar a sua importância. Para tanto basta que se veja no seu sexto número, o ultimo que se publicou, o tópico intitulado ‘Nova Fase’ (nova fase que motivos os mais diversos impediram que se concretizasse, e que por isso ganha um valor simbólico)” 132

O tópico ao qual se refere Raimundo Mesquita é uma espécie de balanço das atividades realizadas por Caderno da Bahia. Há nele o registro de todos os títulos publicados pelo grupo. E, ao fim, o autor deseja que seja dada continuidade ao que

Caderno da Bahia começou, porque ainda há

“a nossa frente um imenso trabalho a realizar: a divulgação da riqueza de nossas artes populares, desapercebida por quem as faz, por quem as vê, por quem as devia zelar. A poesia, a escultura, a cerâmica, o folclore, os costumes populares, serão motivos centrais dos próximos números de nossa revista, sem esquecer, é obvio, a nossa vigilância aos fundamentos sociais e políticos que possam afetá-los, como em geral a qualquer outra atividade artística: liberdade individual e de pensamento, manutenção da paz e melhoria de vida” 133

Como em Adalmir da Cunha Miranda, a fala de Raimundo Mesquita centrava-se na idéia de geração. Ambas eram reflexões vindas de um ambiente universitário, sobre a necessidade de continuar Caderno da Bahia e sua geração, de dar-lhe prosseguimento. Era a mesma necessidade presente em “Plataforma da nova geração cultural”, livro que buscou fazer um balanço da geração anterior e a atual, pós guerra. Mas era uma voz universitária, no fim, a de Ângulos e sua noção de geração. Como não poderia deixar de ser.