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2.7 – Caminhando para uma síntese transitória

Evidentemente não esgotei todos os contextos onde se realça o ensino tradicional, em particular o de Matemática, e nem era essa a minha intenção.

Procurei apresentar os contextos que considero significativos e que permitiram- me compreender qual o sentido atribuído quando se coloca a expressão ensino tradicional de Matemática.

Nos contextos apresentados, devido a sua confrontação com o novo e com o moderno, a tradição surgiu no sentido daquilo que se deve afastar, do que deve ser combatido. Ela surgiu em situações de propostas de ruptura, propostas surgidas em condições sociais específicas e que foram o resultado de confronto entre concepções e valores novos e antigos.

Mas nem sempre o tradicional é combatido, ele pode ser desejado, o que implica uma situação paradoxal:

Em certos períodos da história, a estabilidade importa mais do que a mudança, e as sociedades esperam do seu sistema escolar a perpetuação das tradições, a herança feita de valores e de conhecimentos, mais do que a preparação para um futuro diferente. Estamos, a esse respeito, numa situação paradoxal: a incerteza, o receio do futuro poderia levar-nos a entrincheirarmo-nos em valores antigos; inversamente, a preparação do futuro não se faz sem ousadia e imaginação, não apenas no campo dos conhecimentos e da produção mas também no campo da sensibilidade e dos valores. (Perrenoud, apud Cordeiro, 1999, p. 36)

Tem-se, portanto, uma forma de valorização da tradição. Esse sentido positivo da tradição é percebido também quando se utilizam expressões verbais como: tradicional cozinha chinesa, vinhos da mais fina tradição francesa etc.

Portanto, concordo com Gadamer que não devemos ver na tradição apenas o seu sentido negativo, como o que se coloca contra as mudanças e o progresso. Da mesma forma pensa Neidson Rodrigues:

Faz-se necessário e urgente que se resgate a verdadeira dimensão da tradição. Pode parecer uma contradição, porque à tradição têm sido atribuídas mazelas da educação. e por isso todos estão à cata da renovação, da inovação, da mudança. Mas não se deve olvidar que essa busca não se destina apenas a promover o apagamento da tradição; destina-se também, e principalmente, a buscar aquilo que,

em nome do novo, tem sido relegado na crítica à tradição: o esquecimento das origens de educar...

Isso nos adverte a que remetamos nossa reflexão para o específico da definição: é o esquecimento das origens... E um convite a que recuperemos o sentido das origens para que, através dele, redimensionemos a tradição que deve ser preservada. (Rodrigues, apud. Cordeiro, 1999, p. 52)

No campo da Educação, o ensino tradicional, quando combatido sempre tem defensores, e mesmo quando uma nova proposta pedagógica se impõe contra ele, depois de algum tempo ele é, na sua essência, retomado e se torna predominante:

Snyders (1974), num estudo sobre o “ensino tradicional”, defende a necessidade de se compreender esse tipo de ensino e suas justificativas. Somente uma avaliação cuidadosa e crítica tornará possível ultrapassá-lo ou fazê-lo melhor...

O ensino tradicional, para Snyders, é ensino verdadeiro. Tem a pretensão de conduzir o aluno até o contato com as grandes realizações da humanidade, obras – primas da literatura e da arte, raciocínios e demonstrações plenamente elaborados, aquisições científicas atingidas pelos métodos mais seguros. Dá-se ênfase aos modelos, em todos os campos do saber. Privilegiam-se o especialista, os modelos e o professor, elemento imprescindível na transmissão de conteúdos. (Mizukami, 1986, p.8)

Já Saviani, ao estudar tendências (orientações gerais) presentes na Educação brasileira, realça o predomínio da tendência tradicional:

A maior parte das escolas da rede oficial continua sendo do tipo convencional, regendo-se, em conseqüência, em seus traços distintivos, pela concepção “humanista” tradicional. (Saviani, apud Mizukami, 1983, p.4)

A pedagogia tradicional não é um sistema, uma proposta pedagógica única plenamente definida. Ela é transmitida de geração a geração, ela é fruto de uma história nem sempre visível ou entendida, que envolve embates sobre concepções de sociedade, homem, Educação:

Não creio que tenhamos esgotado nossa compreensão do real impacto da Pedagogia Tradicional na prática escolar. Tem sido freqüente a sua associação com a transmissão de conteúdos, como se ela fosse genuinamente conteudista. Sabemos que não é bem assim, sua tônica é mais formalista do que se supõe. Sabemos, também, que há um peso considerável na vertente católica da Pedagogia Tradicional e ainda resta investigar como a Pedagogia católica, já influenciada pelo neotomismo, se mescla à Pedagogia empirista – sensualista baseada em Herbart, Pastalozzi e no positivismo clássico. São questões que merecem estudo, pois as marcas da Pedagogia Tradicional têm resistido ao tempo. Ainda que se manifestem na prática escolar em formas empobrecidas e vulgarizadas, encontram-se presentes e vivas em cada sala de aula de nosso país. (Libâneo, 1991, p. 29)

O ensino tradicional de Matemática foi entendido como o praticado nos moldes do ensino católico pelos iluminados e pela Revolução Francesa e por escola-novistas. Foi, também, entendido como o ensino voltado para a formação de elites, no qual se apresentavam e se repetiam exercícios-padrão, com ênfase em cálculos volumosos e que não desenvolvia, por exemplo, a capacidade de abstração, considerada importante para os matemáticos modernos. É, também, entendido, pelos construvistas, como a apresentação de um conteúdo pronto e, portanto a-histórico, em que a significação dos conceitos é transmitida pelo professor, sem a participação ativa do aluno no processo de aprendizado. Ainda, é visto por outros autores como exercendo um papel na reprodução das relações do trabalho.

Busquei, nesse capítulo, apresentar características do denominado ensino tradicional. Entendo que o ensino tradicional de Matemática de hoje, vigente, é resultado de confluências históricas entre a pedagogia tradicional e os movimentos internos da Matemática e do seu ensino. A partir disso, caracterizo, então, o ensino tradicional de Matemática como a apresentação de uma Matemática formal (no modelo

euclidiano), transmitida pelo professor como pronta, a-histórica, sem participação do aluno no processo de aprendizagem. Trabalha-se a Matemática de forma internalista, com transmissão e repetição de modelos e exercícios padrões.

Como ressaltei, existem vários pontos a serem pesquisados sobre o ensino tradicional e, certamente, novos embates no campo educacional trarão de volta a discussão sobre esse ensino. Por isso acredito que esse tema, durante um longo tempo, será objeto de estudos da Educação e em particular na Educação Matemática. Daí eu me colocar no processo de transição ao apresentar esta síntese.

CAPÍTULO 3