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3.1 Sobre o significado da análise ideográfica para a pesquisa

Guiado pela minha interrogação, fui conduzido aos sujeitos da pesquisa que me descreveram a vivência da experiência da mudança. Mas, uma descrição dá conta do vivido? Não do vivido em si, mas sim do vivido como percebido pelo sujeito e que se mostra significativo para ele ao ser interrogado:

Todavia pode-se dizer que só haverá Ciência Humana se se visar à maneira pela qual as pessoas, ou grupos delas, representam as palavras para si mesmas, utilizando suas formas de significados; como elas compõem discursos reais; como revelam ou ocultam neles o que estão pensando ou dizendo, talvez porque o que dizem seja desconhecido para elas mesmas; como revelam mais ou menos o que

desejam. Mas, de qualquer maneira, as pessoas ou o grupo de pessoas deixam um conjunto de traços verbais dos pensamentos que devem ser decifrados, tanto quanto possível, na sua vivencialidade representativa, se se quiser fazer ciência humana. Assim, os conceitos sobre os quais as ciências humanas se fundamentam, em um plano de pesquisa qualitativa, são elaborados pelas descrições. (Martins e Bicudo, 1989, p. 43)

Por isso, ao revelar e ocultar, a descrição apenas aponta a vivência do fenômeno e analisá-la, atentivamente, sob o foco da interrogação, proporciona que se iluminem aspectos significativos, ou seja, expressões de percepções do depoente sobre o pesquisado, os quais possibilitam que se desvele o fenômeno sob certa ou certas perspectivas. Esses aspectos percebidos que impressionam o pesquisador são recortes do discurso escrito que são denominados unidades de significado:

Como é impossível analisar um texto inteiro simultaneamente, torna-se necessário dividi-lo em unidades... as unidades de significado são discriminações espontaneamente percebidas nas descrições dos sujeitos quando o pesquisador assume uma atitude psicológica e a certeza de que o texto é um exemplo do fenômeno pesquisado. As unidades de significado... também não estão prontas no texto. Existem somente em relação á atitude, disposição e perspectiva do pesquisador. (Martins e Bicudo, Apud Garnica, 1999, p. 120)

Assim, é evidente a necessidade da compreensão do outro que discursa, pois as unidades de significado são apreendidas:

Dentro de uma imersão empática no mundo da descrição, onde o pesquisador procede em direção à intersubjetividade ou ao momento em que os mundos pesquisador/pesquisado se interpõem em áreas que se tocam e se interpenetram. O pesquisador busca acesso ao mundo- vida e ao pensar do sujeito. (Mello Machado, 1994, pp. 40, 41).

Iniciei a análise pela leitura dos textos, tantas vezes quantas foram necessárias, como uma aproximação, uma familiarização com eles, à procura de seus sentidos

Prossegui na pesquisa buscando as unidades de significado de cada descrição. Bicudo3 afirma que Idiográfica vem de idiossincrasia, do que é muito individual, logo, a análise efetuada de buscar em cada descrição e sob o foco da interrogação, recortes por mim considerados como significativos, poderia ser denominada de análise idiográfica, por se referir à experiência individual de cada depoente.

Meu próximo passo foi interpretar essas unidades expressas na linguagem do depoente, unidades que exprimiam idéias cujos significados, na experiência vivida pelo sujeito, eu almejava compreender. Cabia, então, interpretar o dito naquelas unidades, o que requeria um enxerto fenomenológico/hermenêutico, (Bicudo, 2000, p. 92). Tratava- se de explicitar para mim e na minha linguagem de pesquisador, as idéias que o depoente expressara em suas palavras e que se articulavam no corpo do discurso. Bicudo4 entende que Ideográfica é considerada como representação de idéias, logo, chamei de Análise ideográfica, o trabalho de interpretação dessas idéias. Por questões de organização da apresentação dos dados optei por embutir as unidades de significado, obtidas na análise idiográfica, no quadro que denominei análise ideográfica onde apresentei essas unidades e as suas interpretações, que denominei de asserções articuladas.

Resumindo e explicitando os procedimentos adotados na análise ideográfica: A partir dos discursos transcritos passei a ler e interpretar os depoimentos dos sujeitos, almejando ter acesso à experiência da mudança vivida por eles. Para tanto, busquei unidades de significado da descrição de cada depoente, isto é, expressões que se destacaram como significativas quando da leitura de cada discurso sob o foco da interrogação.

Posteriormente, procurei pelas significações dessas unidades, ou seja, busquei interpretá-las, colocando-as de forma articulada na minha linguagem de pesquisador. Almejava pelos seus sentidos originais. Não cabia nenhuma interpretação prévia e, portanto, era necessário estar aberto ao relatado pelo sujeito sobre sua experiência, procurando atentamente fazer com que o que foi dito fizesse sentido para mim. Deveria, então, ser cuidadoso com os significados atribuídos às palavras do depoente, e assim, para explicitar a linguagem do sujeito, recorri à ajuda de dicionários e de outros

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Bicudo, M. A V. Fenomenologia: confrontos e avanços. São Paulo, Cortez: 2000,p. 92

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textos. Quando não fizer menção, fica subentendida a utilização do dicionário de Ferreira (1994) nas explicitações de linguagem que considerei necessárias.

Realizei a interpretação das unidades de significado com o auxílio da explicitação da linguagem do sujeito e retornando, sempre que necessário, à releitura do discurso na íntegra.

As unidades de significado são, aos olhos do pesquisador, unidades que expressam aspectos significativos da experiência vivida e, portanto, se inter-relacionam ao fazerem parte de uma trama real. Essas unidades, agora analisadas e interpretadas, se transformam em asserções articuladas que se inter-relacionam e permitem ao pesquisador fazer uma síntese transitória da compreensão do fenômeno estudado.

Nesse trabalho, cada asserção articulada é identificada por um par constituído de uma letra e um número. A letra faz referência ao discurso de depoente identificado por esta letra e o número indica a posição que ela ocupa na seqüência de asserções que apresento desse sujeito. Por exemplo, A1, identifica a primeira asserção do sujeito A .

3.1 - Explicitação das Unidades de Significado dos