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2.2 – Do Movimento Iluminista à Revolução Francesa

O tema tradição é tratado nesses dois movimentos. Ambos criticam a tradição e propõem um movimento de renovação que influenciaria o ensino de suas épocas e das quais percebemos influências até hoje:

O que se chama ensino tradicional vem de inúmeras vertentes. Nas escolas laicas, o que predomina é uma tradição conteudista centrada no professor, que é um transmissor de cultura. O sistema de avaliação procura aferir a quantidade de informação absorvida pelo aluno. Esse modelo de ensino foi difundido pelas escolas públicas francesas a partir do iluminismo (sec. 18). Pretendiam universalizar o acesso ao conhecimento para formar cidadãos. (Folha de São Paulo, 7 de agosto de 1997).

O Iluminismo foi um movimento importante na História:

Iluminismo 1. Movimento intelectual que caracterizou o pensamento europeu do séc. XVIII, particularmente na França, Inglaterra e Alemanha, baseado na crença no poder da razão para solucionar os

– 2. Doutrina mística fundada na crença em uma iluminação interior inspirada diretamente por Deus.

Apesar de algumas divergências, os iluministas foram adeptos do ceticismo, do deísmo, do empirismo e do materialismo; opunham-se à tradição, representada sobretudo pela Igreja Católica, e lutaram por uma nova ordem social e política. A democracia e o liberalismo modernos, assim como a renovação industrial, tiveram íntima relação com o Iluminismo, e a Revolução Francesa foi sua principal expressão no plano político. (Larousse Cultural, 1999)

Falcon chama a atenção para a dualidade de significados do Iluminismo: Sabemos agora que iluminismo tanto pode significar a doutrina dos que acreditam na “iluminação interior” ou mística, a qual para outros constituía uma espécie de manifestação “irracionalista”, quanto, justo o oposto, isto é, da chamada “iluminação racional”... Há uma relação dialética e histórica entre esses dois sentidos que coexistem, nos setecentos, para a idéia de “Luzes” ou Iluminismo. O ponto de partida foi o sentido religioso e místico da idéia de iluminação. Só aos poucos é que tal sentido foi sendo redefinido a partir de uma leitura racionalista dessa idéia e, como resultado, “Luzes” passou a ter, também uma significação antagônica em relação àquela que era originalmente a sua. Em conseqüência dessa identificação entre “Luzes” e razão a iluminação racional substituiu a iluminação mística dos “alumbrados” na consciência dos “filósofos” (Falcon, 1994, pp. 17-18).

O Iluminismo de que tratarei daqui por diante será o da Iluminação racional. Ao analisar contextos onde se constrói a história da Educação, é comum nos defrontarmos com temas discutidos num passado remoto mas que ainda permanecem atuais.

O ideal de escola pública, gratuita, de qualidade que pessoalmente defendemos, mas que é questionado por outros, foi um dos grandes temas debatidos pelo Iluminismo

e foi assumido pela Revolução Francesa que considerava que esta escola deveria preparar o homem novo, emancipado, livre e igual:

Surge, com a Revolução Francesa, a utopia da regeneração dos tempos pela iluminação dos vestígios arcaicos do antigo regime e pela representação do homem novo a ser preparado pela escola: escola esta universal, laica, gratuita, obrigatória e para ambos os sexos. (Boto, 1996, p. 69)

Mas já se encontrava a defesa desse ideal num livro de 1632, que se torna um marco importante na história da Educação: O Didática Magna, de Comenius: ensinar a todos porque o homem tem necessidade de se educar para se tornar homem. (Comenius, apud. Ferreira, 1993, p. 14)

E, na base de proposta de Comenius que origina a Didática moderna, está uma resposta a uma nova ordem social e econômica:

Os grandes avanços nos estilos de explicação dos fatos naturais e na economia, que caracterizaram o pensamento europeu a partir do século XVI, criaram a demanda de novas metas para a educação. A principal meta era criar uma escola acessível a todos e respondendo a uma nova ordem social e econômica. Como diz Comenius:

“Se, portanto, queremos Igrejas e Estados bem ordenados e florescentes e boas administrações, primeiro que tudo, ordenemos as escolas e façamo-las florescer, a fim de que sejam verdadeiras e vivas oficinas de homens e viveiros eclesiásticos, políticos e econômicos”.

Pode-se dizer que é essa é a origem da Didática moderna, refletindo as necessidades do colonialismo emergente. (D’Ambrósio, 2001, p. 64)

Porém, o movimento iluminista não chegou a assumir uma escola para todos, embora houvesse um grande debate em torno desse tema, exatamente por ele envolver concepções de homem, sociedade, Educação, Estado, etc.

De qualquer maneira, estas discussões influenciaram a proposta de escola da Revolução. Ao procurar romper com o antigo regime, os seus líderes teriam se

fundamentado nas idéias iluministas a ponto de se dizer que não haveria Revolução sem as Luzes.

Em meados do século dezoito, intensifica-se a preocupação com o pedagógico e pensadores das Luzes ou identificados com ela, como Rousseau, chamam de pedagogia tradicional a pedagogia jesuística ou derivada desse modelo. Em contraposição a ela, Rousseau, em seu livro: Emílio, ou da Educação, apresenta um novo modelo em que se deveria buscar no homem o homem e na criança a criança – em outras palavras – a criança não é, portanto, um adulto em miniatura.

Essa obra de Rousseau ressalta, então, o papel educativo da natureza e se torna uma influência constante quando se trabalha o tema currículo:

Ao descrever a educação de Emílio, Rousseau – século XVII – destaca as limitações da vida social. Fenomenologicamente, “o Emílio” mostra as reflexões sobre a consciência e a experiência de ser educado na vida, ressaltando o poder educativo que reveste o próprio ato de viver.

“O Emílio” constitui um verdadeiro tratado de educação, pois desenvolve uma seqüência de atividades (currículum) as quais o sujeito deveria ser submetido a fim de ser educado. Assim, embora o termo formal, currículo, date dos fins do século XIX, sendo, pois, uma denominação recente, encontra em “O Emílio” uma das mais importantes influências sobre o termo.

Visto como um marco, essa obra ressalta o papel da Natureza como sendo a grande educadora. O termo Natureza, nesse trabalho, não se restringe aos fenômenos naturais, mas à “Physis”, isto é, ao papel educativo da própria vida, enquanto força de uma experiência fundamental do Ser, facultada tanto pelo pensamento quanto pela “poíesis”. Nesse sentido o termo desvela o caráter original da “ Physis” significando o céu e a terra, a pedra e a planta, o homem e o animal, bem como a própria história humana enquanto obra dos homens e dos deuses, os quais se acham submetidos ao Destino. (Martins, 1992, pp. 31-32)

Apesar de combatida por Rousseau e outros, a pedagogia jesuística está imbricada no ensino tradicional atual e sua importância é ressaltada por alguns autores:

Ora a Ratio Studiorum, o primeiro movimento de uma pedagogia consciente e organizada, propõe uma racionalização, uma formalização completa dos estudos, detalhadamente regradas de maneira sistemática. Os programas, os métodos, os horários de ensino, os fins e os meios, definidos de uma vez por todas, serão os mesmo de uma ponta a outra no império dos jesuítas, sobre o qual o sol não se deita jamais. Professores intercabiáveis formarão em série alunos semelhantes uns aos outros, segundo os mesmos procedimentos e cerimônias; a unidade da língua latina simboliza e facilita a unidade da fé. O ensino torna-se uma máquina institucional, que pode ser regrada de uma vez por todas e para todos. Essa racionalização da pedagogia é, para toda a história da cultura, um acontecimento mais importante do que a publicação de um Discurso do Método escrito por um antigo aluno dos jesuítas. (Gusdorf, Apud Boto, 1996, p. 50) Nessa pedagogia isolava-se a criança pela sua inocência:

A partir da aliança paradoxal entre o que se supunha ser a inocência e a corruptibilidade típica dos alunos infantis, esse modelo pedagógico opera com dois pressupostos básicos: a desconfiança em relação ao mundo adulto e a criação de um ambiente educativo dele dissociado. (Boto, 1996, p. 49)

Nos colégios católicos a Matemática era muito pouco ensinada, ela era apresentada apenas em sua última série. Não havendo professores de Matemática, ela era apresentada por professores enciclopedistas, isto é, que conheciam e ensinavam várias disciplinas.

De qualquer forma, mesmo não se concordando com esse modelo e seus pressupostos, a partir de uma comparação, percebe-se a sua íntima relação com o atual modelo escolar considerado tradicional.

Apesar da proposta humanista de Rousseau várias outras propostas educacionais foram apresentadas no século XVIII e contribuíram, uns em grande escala, outros em

menor escala, para a formação do quadro de características que identificam o ensino tradicional.

Dumarsais utiliza a analogia entre a Educação e a cultura de plantas: o professor com discernimento e experiência observaria o aluno, investigando suas inclinações e a partir delas o moldaria para uma formação útil para a sociedade. Caberia a Educação construir e postular normas e regras, sendo nesse processo, valorizada a docilidade do aluno.

Já para Helvétius o homem é como uma tábula rasa, onde podem ser impressos os caracteres que se quiser. Os homens originalmente são todos iguais, sendo que eles se diferem a partir do acaso, do interesse e da Educação.

Diderot discorda de Helvétius. Para ele a Educação não tem todo esse poder de determinação ou de transformação de um indivíduo, pois, para ele, cada um teria sua particularidade ao nascer. Assim ele reconhece no conhecimento uma estratégia de poder mas não que seja a Educação fator preponderante de transformação.

Em resumo pode-se dizer que o Iluminismo repudia a pedagogia jesuística mas não incorpora a pedagogia proposta por Rousseau. O movimento desvaloriza o ensino do latim, da religião, dos clássicos, os pressupostos da pedagogia jesuística, porém, se adequa a parte dessa pedagogia:

Há aqui um deslocamento da antiga concepção de escola, embora não seja apropriado falar em ruptura. Trata-se da adequação do modelo escolar, que vinha sendo desenhado desde o Renascimento, para os interesses dos estados nacionais em vias de fortalecimento. (Boto, 1996, p. 51)

Mesmo com o desejo de romper com a tradição, do desejo de formar o homem novo e o desejo de uma Educação voltada para o aperfeiçoamento da nação através principalmente da escola pública, laica e gratuita, o tradicional se fez presente na pedagogia da Revolução Francesa. Sobre uma proposta pedagógica de Condorcet, apresentada na Assembléia Constituinte de 1791, diz Dominique Julia:

Todo o programa que termina de ser esboçado inscreve-se entretanto no interior de uma relação pedagógica tradicional na qual a palavra do professor desempenha um papel fundamental; o livro ou o jornal são os vetores essenciais das Luzes. Seus meios são os mesmos que a

Reforma Católica havia utilizado: missões ambulantes, sermões, difusão maciça de textos de propaganda. O que, em contrapartida, é novo, é a vontade de pensar toda a sociedade como um trabalho pedagógico ininterrupto e essencialmente o espaço e o tempo. (Julia, apud Boto, 1996, p.138)

Em termos educacionais o Iluminismo e a Revolução Francesa apesar de visarem o novo, o moderno, repudiando a pedagogia jesuística, considerada tradicional, acabam incorporando parte dessa em suas propostas pedagógicas, as quais acabam se perpetuando por suas influências ao longo do tempo e que chegam até as escolas de hoje.

Mas o embate moderno × tradicional também se perpetua e nas questões educacionais ela se intensifica quando do movimento escola-nova ou Educação nova.