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INTRODUÇÃO 23 1 CAMINHOS DESTA PESQUISA

1 CAMINHOS DESTA PESQUISA

“Não posso estar no mundo de luvas nas mãos ‘constatando’ apenas. A acomodação em mim é apenas caminho para a inserção, que implica ‘decisão’, ‘escolha’, ‘intervenção’ na realidade”.

Paulo Freire 2007

Diante da problemática educacional brasileira, anunciada na introdução desta tese, constatam-se os desafios relacionados aos processos de escolarização de crianças, adolescentes e pessoas adultas. Muitos desses desafios podem refletir lacunas de conhecimento acadêmico e científico, e necessidades de mudanças nas instituições escolares, haja vista que o desenvolvimento das práticas pedagógicas se pauta em determinadas concepções de aprendizagem e em seus conceitos subjacentes. Entre estes conceitos, identifica-se o de inteligência que, implícita ou explicitamente, é atribuído ao alunado.

Sendo assim, pretende-se defender a tese de que o conceito de inteligência cultural, na perspectiva da aprendizagem dialógica, pode conduzir ao êxito da educação escolar, no contexto contemporâneo. Conforme se desenvolve nas seções desta tese, este conceito foi constituído pelo CREA, e considera a utilização de habilidades e conhecimentos que conduzem ao êxito em diferentes contextos educativos. Levando-se em conta os desafios relacionados à problemática da educação escolar brasileira, conforme já indicado na introdução deste trabalho, esta tese se propõe a responder à seguinte questão:

Como o CREA foi constituindo o conceito de inteligência cultural a partir de teorias e de evidências advindas das pesquisas que realizou com direção explícita de produzir

conhecimento para superação de desigualdades sociais e educativas?

Vislumbrando respostas para esta questão, optou-se por caminhar por meio da pesquisa teórica, considerando-se o caráter argumentativo da tese aqui proposta. Segundo Folscheid e Wunenburger (2002), a argumentação pode ser considerada como um procedimento relacionado ao “discurso que envolve opiniões, juízos, proposições geralmente aceitas mas não universalmente necessárias” (FOLSCHEID; WUNENBURGER, 2002, p. 357). Nessa perspectiva, ao se dispor à argumentação, prefere-se:

- tomar um argumento preciso emprestado de uma referência, por exemplo, de um filósofo (na medida em que este soube dar-lhe uma forma-modelo, uma forma exemplar);

- usar um raciocínio que permita inserir o enunciado num encadeamento coerente de fatos ou de razões (relações de implicação, de causalidade, etc.);

- apelar, em certos casos, a fatos concretos que possam confirmar ou desmentir um enunciado; mas a acumulação de fatos particulares jamais demonstrou a verdade de uma proposição geral ou universal (FOLSCHEID; WUNENBURGER, 2002, p. 357).

Em face desses assinalamentos, pode-se destacar que, em uma argumentação, são fundamentais as referências que orientam o foco investigativo, a organização dos temas envolvidos e as fontes que permitem avançar em relação ao estado da questão. Ao mesmo tempo, permite-se considerar que as pesquisas, no campo das ciências humanas, não são estáticas e nem neutras, pois concebidas em meio às dinâmicas e às opções pessoais, sociais, econômicas, políticas e culturais.

Essas dinâmicas devem ser consideradas pelas investigações em educação, visto que a sociedade e cada uma das pessoas atuantes nos processos investigativos também se encontram em permanente transformação. Em meio à dinamicidade que envolve os processos de ensino e de aprendizagem, surgem novas contribuições teóricas e novas indagações, as quais encaminham para novos delineamentos investigativos, promovendo, assim, crescente profundidade à constituição do conhecimento científico. Nessa perspectiva, pode-se depreender que o conhecimento da realidade social, constituído em âmbito científico, tende a ser enriquecido, possibilitando realizar análises cada vez mais rigorosas acerca das problemáticas estudadas e oferecer respostas mais efetivas aos desafios sociais que vão sendo apresentados.

Com apoio em Laville e Dionne (1999), identificam-se os reflexos de proposições científicas sobre a sociedade, em seus diferentes âmbitos, e se enfatiza a responsabilidade relacionada à criação do conhecimento científico. Na perspectiva desses autores, distinguem- se duas grandes categorias de pesquisa, relacionadas entre si: a pesquisa fundamental e a pesquisa aplicada. De maneira genérica, pode-se dizer que a pesquisa fundamental se destina ao crescimento de teorias já disponíveis, possibilitando que, em determinado momento, sejam solucionados problemas propostos pela meio social; quanto à pesquisa aplicada, orienta-se para suprir lacunas no conhecimento científico e propor soluções a problemas práticos já presentes nos âmbitos sociais, permitindo ampliar a compreensão sobre suas causas e sugerir novas questões a serem investigadas (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 85-86).

Em vista dessas categorias, entende-se que a problemática delineada nesta tese se relaciona ao sentido da pesquisa fundamental, considerada como aquela “destinada a fazer crescer a soma dos saberes disponíveis pelo próprio valor desses saberes” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 336, grifos nossos). No entanto, considera-se que em educação escolar, como em outros campos de aplicação das ciências sociais, o crescimento desses saberes não tem valor em si mesmo se não estiver relacionado aos propósitos de sua concretização em contextos de existência humana. Nesse sentido, sugere-se que a criação de conhecimentos científicos, em ciências sociais, pressuponham teorias já constituídas, como também novas demandas, a fim de que sejam oferecidas, de modo consistente, possibilidades de melhorias concretas nas condições de existência humana.

Sendo assim, esta pesquisa se orienta pelo compromisso científico com o oferecimento de bases consistentes para apoiar os processos sociais e educativos, no contexto contemporâneo. Ao se partir da consideração do valor intrínseco do conceito de inteligência cultural, elaborado pelo CREA, na perspectiva da aprendizagem dialógica, vislumbram-se os mesmos impactos desse conceito no solo brasileiro.

Segundo Laville e Dionne (1999), “os conceitos são representações mentais de um conjunto de realidades em função de suas características comuns essenciais” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 91). Desse modo, considera-se que o conceito de inteligência cultural, na perspectiva da aprendizagem dialógica, seja uma abstração integrada por características orientadas para ampliar o desenvolvimento humano e social, pela via da educação.

Entendendo a relevância desse conceito para superação de desigualdades sociais e educativas, propôs-se apreender este conceito, por meio de pesquisa de natureza teórica, recorrendo-se fundamentalmente aos procedimentos de pesquisa bibliográfica enfatizados por Salvador (1970). Elegeram-se primeiramente os livros de referência, pois, conforme explicado por este autor, os livros de referência ou de consulta são aqueles que trazem a informação que se busca e/ou que remetem a outras fontes (SALVADOR, 1970, p. 50).

Os livros de referência adotados para esta tese foram: Compartiendo Palabras: el aprendizaje de las personas adultas a través del diálogo (FLECHA, 1997); e Aprendizaje Dialógico en la Sociedad de la Información (AUBERT; FLECHA; GARCÍA; FLECHA; RACIONERO, 2008). Trata-se dos dois livros que publicam o conceito de aprendizagem dialógica, os quais focalizam a inteligência cultural, entre um dos princípios constituintes. Por meio desses livros, abordados na seção 2, torna-se possível compreender o contexto geral de constituição do conceito de inteligência cultural, e identificar as suas características fundamentais e as principais teorias que lhes dão base.

A partir das informações fornecidas por esses livros de referência, encaminhou-se para a investigação do objeto desta tese, recorrendo-se, para aprofundamento da seção 2 e para elaboração das seções subsequentes, a três tipos de fontes bibliográficas, relacionadas ao conceito de inteligência cultural: obras mencionadas como teorias fundamentais à constituição do conceito de inteligência cultural; artigos publicados em periódicos científicos internacionalmente qualificados; e relatórios de pesquisas desenvolvidas pelo CREA. A seguir, destacam-se as fontes mais relevantes utilizadas por esta investigação.

No que diz respeito às obras mencionadas como teorias fundamentais à constituição do conceito de inteligência cultural, assinala-se a necessidade de acesso direto ao artigo Head and Hand: an action approach to thinking (SCRIBNER, 1988) e aos livros: Teoría de la acción comunicativa (HABERMAS, 2001a; 2001b); Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 2002) e À Sombra desta Mangueira (FREIRE, 2005); Espiritu, Persona y Sociedad (MEAD, 1947); El desarrollo de los processos psicológicos superiores (VYGOTSKI, 2009). Diante de sua relevância para o alcance dos objetivos desta tese, essas fontes são abordadas mais detidamente ainda na seção 2.

Para aprofundar a compreensão sobre a forma como o CREA foi constituindo o conceito de inteligência cultural, destacam-se como fundamentais seis artigos publicados em periódicos científicos internacionalmente qualificados e quatro relatórios de pesquisas desenvolvidas pelo grupo. Entendeu-se que, por meio desses artigos, seria possível apreender seus elementos fundamentais, compartilhados pelos autores e pelas autoras com a comunidade científica internacional para fins de sua validação. Nos relatórios de pesquisa, esperou-se encontrar informações que contribuiriam para a contextualização e o adensamento da compreensão sobre aspectos da gênese do conceito investigado. Essas fontes estão descritas e analisadas nas seções 3 e 4 desta tese.

No quadro a seguir, informam-se os tipos de fontes bibliográficas utilizadas conforme as seções em que se apresentam nesta tese.

Quadro 1 – Distribuição das principais fontes bibliográficas

Seção Tipo de fontes bibliográficas

2 Livros de referência

2 Obras mencionadas como teorias fundamentais à constituição do conceito de inteligência cultural 3 Artigos publicados em periódicos científicos internacionalmente qualificados

4 Relatórios de pesquisas desenvolvidas pelo CREA/UB Fonte: Construído pela autora

Em busca de maior aprofundamento analítico sobre a inteligência cultural, foco específico desta tese, promoveu-se a análise de conteúdo de todo o material bibliográfico. Conforme Bardin (2012), a análise de conteúdo:

(...) é um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens (BARDIN, 2012, p. 48).

A partir dessa definição, pode-se destacar que essas técnicas fornecem caminhos sistemáticos que permitem evidenciar dados relacionados à questão investigativa, enquanto se caminha da descrição para a interpretação dos dados. Ao mesmo tempo, revela-se que esses procedimentos não são lineares nem fechados, mas, ao contrário, possibilitam que, no decorrer do processo de pesquisa, sejam estabelecidas novas correlações e levantadas novas indagações, encaminhando-se, por conseguinte, a novos desmembramentos temáticos. Desse modo, ao se recorrer à análise de conteúdo, pode-se estabelecer indicadores para articular aspectos superficiais que caracterizam os textos com fatores que condicionaram essas características.

Nessa perspectiva, Bardin (2012) destaca três momentos fundamentais da análise de conteúdo: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. No primeiro momento, escolhem-se os documentos para análise, formulam-se hipóteses e objetivos e elaboram-se indicadores que fundamentem a interpretação final. No segundo momento, aplicam-se, de modo sistemático, as decisões tomadas, por meio de procedimentos de codificação, decomposição e enumeração, conforme as indicações elaboradas. No terceiro momento, os resultados brutos são tratados de maneira significativa, permitindo-se apresentar quadros de resultados, figuras, etc., e evidenciar as informações analíticas mais significativas (BARDIN, 2012, p. 125-172).

Convém ressaltar-se que, segundo Bardin (2012), esses momentos não se sucedem cronologicamente, embora se mantenham estreitamente ligados. À medida que se aprofunda o contato com os dados, novos procedimentos analíticos são introduzidos, de acordo com hipóteses e objetivos levantados ao longo do processo. Nesse sentido, a análise de conteúdo requer atenção ao plano de trabalho e à questão investigativa, como também desenvolvimento de instrumentos específicos para fichamento, coleta e organização dos dados, conforme o tipo de fonte, o material utilizado e os objetivos analíticos e interpretativos. Esses instrumentos

são previamente testados sobre uma superfície menor, possibilitando ajustamentos que conduzam aos modelos que melhor atendam às finalidades pretendidas.

Definindo a forma de organização dos dados brutos, pode-se encaminhar o tratamento do material, por meio da codificação, que corresponde, segundo Bardin (2012) à transformação do texto analisado, por recorte, agregação e enumeração. O recorte corresponde à escolha das unidades de significação; a enumeração se relaciona às regras de contagem; e a classificação e a agregação dizem respeito à escolha das categorias (BARDIN, 2012, p. 133).

Conforme orientado por Bardin (2012), para se buscarem as respostas pretendidas, devem ser escolhidas as unidades de significação: a unidade de registro e a unidade de contexto. A unidade de registro corresponde à unidade de significação codificada, enquanto que a unidade de contexto se refere ao segmento de mensagem submetido à análise. A partir dessa compreensão, unidades de registro e de contexto podem ter dimensões variáveis, de acordo com Bardin (2012), de modo que essa escolha se relaciona às características do material e aos objetivos da análise (BARDIN, 2012, p. 134-137).

Em se considerando que, nesta tese, utilizam-se fontes diferentes para alcance dos objetivos almejados, adotou-se o tema como unidade de registro, pois, segundo Bardin (2012), a análise temática permite a aproximação dos “núcleos de sentido que compõem a comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição, pode significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido” (BARDIN, 2012, p. 135). Como unidade de contexto, foram selecionados trechos com dimensões variadas, buscando-se compreender as condições de produção e de recepção das mensagens apresentadas pelas fontes selecionadas.

Em vista da variação de tipos de fontes selecionadas, optou-se por apresentar, em cada seção, as definições das unidades de significação e das categorias, bem como os instrumentos desenvolvidos para coleta e organização dos dados. Assim, pode-se caminhar para os conteúdos das próximas seções, acompanhando mais de perto os processos investigativos que permitiram a análise e a interpretação oferecidas por esta tese.