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INTRODUÇÃO 23 1 CAMINHOS DESTA PESQUISA

3 INTELIGÊNCIA CULTURAL EM PUBLICAÇÕES DA COMUNIDADE CIENTÍFICA INTERNACIONAL

3.3 A INTELIGÊNCIA CULTURAL E O CONHECIMENTO CIENTÍFICO PARA SUPERAÇÃO DE EXCLUSÃO EDUCACIONAL

No artigo Cultural Intelligence to overcome Educational Exclusion, publicado na revista Qualitative Inquiry, Oliver, De Botton, Soler e Merrill (2011) apresentam a inteligência cultural como premissa para criação e validação de conhecimento científico no sentido de superação de exclusão educacional. De acordo com as autoras, essa possibilidade pode ser alcançada por meio da metodologia comunicativa crítica adotada pelas pesquisas realizadas pelo Projeto Includ-ed, visto que se recorre a procedimentos que consideram como valioso o conhecimento criado a partir do diálogo intersubjetivo e igualitário entre equipe de pesquisadores e de pessoas dos contextos investigados. Nesse sentido, pode-se considerar que Oliver et al. oferecem evidências de que a inteligência cultural vem sustentando os resultados das pesquisas realizadas pelo Projeto Includ-ed.

Sendo assim, as autoras apresentam o objetivo de seu artigo demonstrar como a inteligência cultural permite que a equipe de pesquisadores se envolva em diálogo igualitário com as pessoas que vivenciam as situações pesquisadas. Oliver et al. (2011) explicam que nesse diálogo os pesquisadores apresentam o conhecimento cientificamente validado pela comunidade internacional, enquanto que as pessoas do contexto investigado, como familiares, estudantes, pessoas da escola, membros da comunidade e representantes dos setores educacionais, oferecem seu conhecimento sobre a realidade abordada. Desse modo, pode-se obter, de acordo com as autoras, um conhecimento mais rigoroso e objetivo.

Ao afirmarem a incorporação das vozes dos sujeitos dos contextos investigados, as autoras esclarecem que a busca pelo diálogo igualitário se dá ao longo de todo o processo de investigação. Apoiando-se em Cole e Scribner (1977), Oliver et al. (2011) revelam que as pessoas desenvolvem suas diferentes habilidades em múltiplos contextos de aprendizagem, para atenderem às necessidades de sua vida cotidiana. Assim, as autoras assinalam que, a despeito das atividades nas quais as pessoas se envolvam, há conexão entre inteligência e experiências, assim como entre inteligência e contexto sociocultural, conforme as demandas do contexto em que ocorre o desenvolvimento humano. Com base nesse entendimento, Oliver et al. (2011) enfatizam que a participação das pessoas de grupos vulneráveis, na forma proposta pela metodologia comunicativa crítica, promove duplo impacto: a superação dos estereótipos de que elas não podem contribuir com conhecimento científico; e o apoio para identificação de formas de se reverter a situação de exclusão e de marginalização social a fim de que melhore sua existência.

Segundo Oliver et al. (2011), as evidências de inteligência cultural são traduzidas nas visíveis transformações do contexto investigado, como também das pessoas que conjuntamente participam das investigações. Em se estabelecendo o diálogo igualitário, alcança-se profunda compreensão analítica sobre a realidade social estudada, pois analisada sob as diferentes perspectivas: a científica e a experiencial. Nessa análise, também se promovem reflexões coletivas, cujos impactos desencadeiam a aprendizagem, de forma imediata, ao passo que se revelam alternativas para efetivamente se lidar com as reais dificuldades do contexto.

Em seu artigo, Oliver et al. (2011) demonstram como são alcançadas as condições para que emerja a inteligência cultural, enquanto premissa da metodologia comunicativa crítica, permitindo identificar atuações educativas de êxito, como almejado pelo Projeto Includ-ed. Segundo as autoras, a orientação comunicativa está presente em todas as técnicas, com objetivos de dialogar e analisar a compreensão e as explicações de todos os atores sociais, em relação às suas próprias ações e ao seu contexto. Desse modo, as autoras salientam que tanto pesquisadores como demais participantes devem ter clareza de que devem se escutar para alcançar a compreensão e transformar a realidade, e, ao mesmo tempo, recorrer a argumentos e evidências que sejam úteis para reverter desigualdades educacionais.

Nesse sentido, Oliver et al. (2011) destacam que, ao terem clareza da relação do conhecimento científico e de seus impactos sobre suas próprias vidas e as de suas crianças, as pessoas se dispõem a apresentar suas observações e contribuições. Convém se lembrar de que as escolas investigadas pelo Projeto Includ-ed apresentam alta participação da comunidade em suas práticas, a despeito de que seu alunado provenha dos grupos socialmente vulneráveis. Assim, mostra-se a relação de compromisso com a constituição de conhecimento que favoreça a aprendizagem daquele contexto, como também dos outros contextos que serão alcançados a partir da divulgação dos resultados da pesquisa.

Entre outros aspectos, Oliver et al. (2011) destacam que o conhecimento científico, construído intersubjetivamente no diálogo entre mundo da vida e sistema, apresenta-se como mais rigoroso do que se tivesse sido feito por apenas uma dessas dimensões, respectivamente relacionadas à perspectiva subjetiva e à perspectiva objetiva de investigação em ciências sociais e em educação. Entre os impactos decorrentes da identificação de atuações educativas de êxito, as autoras salientam a significativa impressão deixada nos eventos promovidos para divulgação dos resultados do Projeto Includ-ed, nos quais também se contou com a participação dos sujeitos dos contextos investigados. Um desses eventos reuniu em Euskadi (Espanha) mais de 1.200 pessoas, com diferentes repertórios e com atuações em âmbitos

políticos, acadêmicos, comunitários, entre outros (OLIVER et al., 2011, p. 274). Em eventos como este, de acordo com as autoras, alcançou-se, de dois modos, a meta de superação das desigualdades educacionais: ao se disseminarem essas atuações, em diferentes âmbitos e por meio dos diferentes atores, muitos outros coletivos poderão receber melhorias em sua educação; e ao se reverter o estereótipo de que as pessoas de minorias culturais não podem contribuir com a educação de suas crianças.

Enfim, diante desse artigo, identifica-se que, ao se adotar a inteligência cultural como premissa metodológica, torna-se possível vislumbrar brechas para a criação de conhecimentos que promovam mudanças nos discursos dominantes. Nesse sentido, pode-se considerar que o reconhecimento deste tipo de inteligência contribui para superar barreiras sociais e culturais, a partir da criação de novos conhecimentos.

3.4 A INTELIGÊNCIA CULTURAL E A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL DE ESCOLAS E

BAIRROS

No artigo Contrasting Scientific Knowledge With Knowledge From The Lifeworld: The Dialogic Inclusion Contract, publicado na revista Qualitative Inquiry, Padrós, Garcia, De Mello e Molina (2011) se dedicam a apresentar o processo de criação compartilhada de conhecimentos, entre pesquisadores e pessoas que vivem em contextos socialmente desfavorecidos. De acordo com as autoras, torna-se possível contrastar esses dois tipos de conhecimento por meio do contrato de inclusão dialógica, cujo apoio se fundamenta em três princípios fundamentais da metodologia comunicativa crítica: a racionalidade comunicativa, a eliminação da hierarquia interpretativa, e a consideração das pessoas como agentes de transformação social.

Em seu artigo, Padrós et al. (2011) desenvolvem o conceito de contrato de inclusão dialógica (CID), demostrando a possibilidade de se usarem as premissas da metodologia comunicativa crítica para superar situações de gueto, como se descreve em relação ao contexto investigado. De acordo com as autoras, as políticas europeias vêm focalizando situações extremas de pobreza e de violência social, sem alcançarem, contudo, resultados efetivos por meio de seus programas. Assim, as autoras destacam a necessidade de se contrapor aos modelos delineados e implantados pelos especialistas, e a de se criarem alternativas que contem com a participação fundamental das pessoas que vivenciam essas situações.

Segundo Padrós et al. (2011), no processo de transformação desencadeado no Colégio La Paz, uma das escolas da Espanha estudadas pelo Projeto Includ-ed, as famílias passaram a trazer suas experiências e reflexões sobre a própria participação na escola, cujos impactos se tornaram visíveis nas melhorias comprovadas no desempenho acadêmico do alunado e na convivência na instituição pesquisada. As autoras explicam que, por meio dos procedimentos metodológicos da investigação, pessoas da comunidade puderam dialogar com pesquisadores e apresentar elementos que dificultam essa participação e formas de se superarem essas dificuldades, contribuindo para a caracterização das atuações educativas de êxito, entre os resultados obtidos nessa pesquisa. Ademais, Padrós et al. (2011) revelam que o sucesso da transformação ocorrida nessa escola transcende seus muros, poucos meses depois; desencadeia-se a confiança da comunidade para também sonhar com a transformação das condições de vida oferecidas por seu bairro, buscando apoio dos mesmos princípios adotados nas atuações escolares e na metodologia comunicativa crítica, sintetizados pelas autoras: a racionalidade comunidade, a eliminação da hierarquia interpretativa e a visão das pessoas como agentes de transformação social.

Em relação à racionalidade comunicativa, Padrós et al. (2011) se apoiam nos conceitos de Habermas (2001) para diferenciá-la do conceito de racionalidade instrumental. Nessa perspectiva, as autoras consideram que os programas de transformação da sociedade e de suas instituições devem ser validados a partir dos argumentos apresentados nos processos comunicativos, e não na posição social ocupada pelas pessoas envolvidas. Assim, considera- se a utilidade dos argumentos oferecidos pelas pessoas que vivem e trabalham no local, cuja profundidade analítica se torna impossível de ser alcançada em modelos delineados unilateralmente pelos especialistas.

Em sendo assim, Padrós et al. (2011) abordam a eliminação da hierarquia interpretativa como outra premissa da metodologia comunicativa crítica, salientando que, no processo de pesquisa, os pesquisadores não são as únicas pessoas capazes de interpretar a realidade. Recorrendo ao princípio do diálogo igualitário, desenvolvido por Flecha (1997), as autoras demonstram sua concretização no CID, como também em outros espaços de comunicação e nas atuações educativas de êxito. Revela-se assim a possibilidade de se contrastarem diferentes formas de conhecimento por meio do compromisso comum dos participantes no diálogo: pesquisadores devem apresentar os conhecimentos validados pela comunidade científica internacional, enquanto que não-pesquisadores devem apresentar seus conhecimentos desenvolvidos em seus âmbitos de experiência.

Dessarte, Padrós et al. (2011) se encaminham para o terceiro princípio da metodologia comunicativa crítica: a visão de que as pessoas sejam agentes de transformação social. Nessa abordagem, as autoras enfatizam que a reversão do ciclo de desigualdades sociais, relacionado à exclusão social e educacional do caso estudado, contrapõe-se às perspectivas estruturalistas, pelas quais não se torna possível a transformação de estruturas sociais, por meio das ações das pessoas; e às perspectivas pós-estruturalistas, pelas quais se argumenta que nada pode ser feito, devido às relações de poder existentes nas estruturas e nos sistemas (PADRÓS et al., 2011, p. 308).

Frente a essas perspectivas, Padrós et al. (2011) realçam que a metodologia comunicativa crítica defende a capacidade universal humana para se colocar em diálogo, criar novo conhecimento e transformar o contexto social, haja vista que todas as pessoas são capazes de linguagem e ação, conforme assinalado por Habermas (2001). As autoras demonstram como o CID facilita o reconhecimento, pelas pessoas envolvidas, de seu papel fundamental para que seja revertida sua situação de exclusão social. Em um dos exemplos trazidos pelo artigo, encontra-se a criação do “Centro Finde” – espaço sociocultural de convivência aberto aos finais de semana para crianças, jovens e adultos do bairro, em decorrência do entendimento sobre a importância da extensão dos espaços de aprendizagem, apresentada como atuação educativa de êxito, pelo Projeto Includ-ed (PADRÓS et al., 2011, p. 309).

Ao concluírem seu artigo, as autoras sintetizam as principais ideias apresentadas, entre as quais enfatizam o importante avanço da metodologia comunicativa crítica, a partir da transferência de suas premissas para a concretização do CID e do êxito evidenciado a partir de sua implantação no caso estudado. Diante disso, Padrós et al. (2011) assinalam que essa metodologia se encontra em permanente desenvolvimento, em vista do propósito de se oferecerem respostas cada vez mais efetivas às necessidades sociais, baseadas nas três premissas destacadas.

A partir das conclusões apresentadas pelas autoras, evidencia-se que o conhecimento científico pode ser crescentemente efetivo, se puder contar com a disposição para o diálogo por parte das pessoas envolvidas com as problemáticas estudadas. Nesse sentido, a inteligência cultural pode-se manifestar em acordos como o CID, favorecendo a articulação da comunidade para buscar as melhorias almejadas para a própria existência.

3.5 A INTELIGÊNCIA CULTURAL E A ATUAÇÃO CIENTÍFICA NO COMBATE À