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INTRODUÇÃO 23 1 CAMINHOS DESTA PESQUISA

2 APRENDIZAGEM DIALÓGICA E INTELIGÊNCIA CULTURAL

2.1 APRENDIZAGEM DIALÓGICA: PRINCÍPIOS, EVOLUÇÃO, CONCEPÇÃO E DIMENSÕES

2.1.2 Evolução do conceito de aprendizagem dialógica

A partir da descrição dos livros de referência desta tese, já se pode notar que há evolução e que se torna mais complexo o conceito de aprendizagem dialógica, trazendo-se para ele ampliação e elementos teóricos importantes. No quadro a seguir, demonstram-se algumas das evidências da evolução promovida na conceituação apresentada.

Quadro 2 – Comparação de conceitos dos livros de referência

Conceitos Compartiendo Palabras Aprendizaje Dialógico en la Sociedad de la Información

Aprendizagem dialógica

Criação cultural constituída por sete princípios, global ou parcialmente válida para diversos contextos educativos, com alcance de todas as idades (FLECHA, 1997, p. 13 - 157).

“A aprendizagem dialógica se produz em diálogos que são igualitários, em interações nas quais se reconhece a

inteligência cultural em todas as pessoas e que estão orientadas à

transformação dos níveis prévios de conhecimentos e de contexto sociocultural para avançar para o êxito de todos e todas. A aprendizagem dialógica se produz em interações que aumentam a aprendizagem instrumental, favorecem a criação de

sentido pessoal e social, estão guiadas por princípios solidários e nas quais a

igualdade e a diferença são valores compatíveis e mutuamente enriquecedores” (AUBERT et al., p. 167, grifos das autoras e do autor, tradução nossa).

Conceitos Compartiendo Palabras Aprendizaje Dialógico en la Sociedad de la Información

Diálogo igualitário

Uso da linguagem como meio de entendimento, em situação social não coercitiva, desconsiderando posição hierárquica para se validar argumentos relacionados à superação de problemas em comum.

Todas as pessoas são capazes de participar em processos igualitários de interação, usando a fala para argumentar e estabelecer consensos sobre suas ações.

Inteligência cultural

Uso da capacidade universal de linguagem e ação para aprender e demonstrar conhecimentos e habilidades de diferentes origens culturais.

Todas as pessoas podem usar habilidades acadêmicas e práticas, aprendidas em outros contextos, ao interagirem e se comunicarem com pessoas do novo contexto.

Transformação

Promoção de modificações subjetivas, nas relações sociais e na realidade objetiva, em decorrência de compreensão e de intervenção consciente.

Os recursos do contexto sociocultural podem ser utilizados para se ampliar o desenvolvimento social e educativo para todas as pessoas e o seu entorno.

Dimensão instrumental

Capacidade de compreender e utilizar instrumentos elaborados culturalmente para favorecer a realização de tarefas e a criação de novas respostas aos desafios apresentados.

A educação deve recorrer à curiosidade humana para assegurar preparação para todas as pessoas participarem ativamente em todos os espaços que afetam suas vidas e as de outras pessoas.

Criação de sentido

Mobilização subjetiva e coletiva para obter referências vitais, por meio da comunicação, da reflexão e da elaboração de projetos para a ação humana.

Por meio da comunicação, as pessoas podem indicar significados e sentidos que atribuem às instituições, às condutas sociais e a si próprias.

Solidariedade

Característica de promover coletivamente inclusão social e equidade nas condições de existência de todas as pessoas.

As atitudes solidárias melhoram as interações e favorecem as aprendizagens de todas as pessoas, possibilitando a internalização de valores fundamentais à vida social. Igualdade de

diferenças

Promoção da valorização e do respeito às diferentes culturas e formas de existência, em articulação com a luta pela equidade social.

As diferenças devem ser reconhecidas e valorizadas e, ao mesmo tempo, tratadas com igualdade, de modo a se garantir os mesmos direitos para todas as pessoas.

Fonte: Construído pela autora com base na análise dos livros Compartiendo Palabras (FLECHA, 1997) e Aprendizaje dialógico en la sociedad de la información (AUBERT et al., 2008)

Com base em Compartiendo Palabras (FLECHA, 1997), revela-se que a sistematização original do conceito de aprendizagem dialógica parte das reflexões compartilhadas entre pessoas adultas que participam das tertúlias literárias dialógicas na Escola de Pessoas Adultas de La Verneda de Sant Martí, em Barcelona, na Espanha. Nesse contexto, possibilita-se às pesquisadoras e aos pesquisadores do CREA a aproximação das reais dificuldades encontradas por pessoas adultas que iniciam ou retomam seus estudos, após terem sido apartadas de oportunidades de escolarização.

Tomando-se a literatura clássica, como eixo de diálogo, as pessoas participantes dessas tertúlias se encontram com os temas e os desafios mais contundentes que permeiam a existência humana. À medida que são fortalecidas suas interações com base nos princípios da aprendizagem dialógica, essas pessoas passam a explicitar suas compreensões e a manifestar como conseguiram superar os desafios a elas relacionados. Nessa perspectiva, na publicação de Compartiendo Palabras (FLECHA, 1997), também se evidencia que os princípios de aprendizagem dialógica se desenvolveram e foram validados com um coletivo constituído há mais de 25 anos, como apresentado nas seguintes palavras: “Estes diálogos têm lugar no centro de educação de pessoas adultas de La Verneda de Sant Martí, que há vinte anos é gerido na forma dialógica” (FLECHA, 1997, p. 11, tradução nossa).

Diante do excerto, torna-se nítido que o aprofundamento do diálogo nas interações requer empenho de todas as pessoas envolvidas, haja vista as hierarquias que caracterizam a sociedade contemporânea. Observa-se que, à medida que se aprofunda o diálogo entre participantes das tertúlias literárias dialógicas, ampliam-se as possibilidades de aprendizagens, passando o grupo a contar com os profundos conhecimentos que essas pessoas já possuíam, elaborados em seus diferentes contextos de existência. Desse modo, demonstra-se que a motivação para aprender e encontrar respostas é característica humana, que pode ser manifestada de acordo com as condições do contexto. Tal perspectiva permite depreender que a inteligência cultural tem caráter universal e se manifesta em determinadas condições sociais e educativas. Articula-se aos outros princípios da aprendizagem dialógica, para fornecer orientações que podem favorecer a aprendizagem que se realiza nas interações entre diferentes sujeitos e grupos culturais.

Analisando-se os princípios da aprendizagem dialógica, observa-se que as possibilidades de sua concretização se apoiam nas capacidades de linguagem e ação, levando- se à compreensão de que a gênese das transformações sociais e educativas se encontra nos seres humanos. Assim, todos os princípios revelam formas concretas para orientar o sentido social dessas ações, de modo que eles podem ser considerados como elementos operacionais orientados para a transformação social.

Ao mesmo tempo, por se referirem a capacidades universais, esses princípios se relacionam a potencialidades que existem em todos os seres humanos, daí podendo se deduzir seu caráter de universalidade e sua aplicabilidade em diferentes contextos sociais e educativos. Considera-se que genericamente a aprendizagem desencadeia transformações em todas as dimensões que compõem cada ser humano, incluindo-se a dimensão cognitiva, a afetiva e a social, cujo desenvolvimento se relaciona ao desenvolvimento dos coletivos aos

quais as pessoas se vinculam. Nessa perspectiva, ao se articularem diversas potencialidades e orientações culturais para ação social e educativa, pode-se vislumbrar o alcance global dessas transformações, seja no âmbito individual, seja no coletivo.

Em sendo assim, pode-se afirmar que os princípios da aprendizagem dialógica têm caráter global e universal, pois resultam da motivação humana no sentido de aprender e de encontrar respostas aos desafios sociais e educativos, estabelecendo-se no diálogo que emerge entre a equipe científica do CREA e as pessoas participantes das tertúlias literárias dialógicas. Nessa perspectiva, tomam-se esses princípios como base para promover a integração entre os conhecimentos aportados por pessoas e grupos culturais diversos. Assim, ao longo das descrições dos princípios da aprendizagem dialógica, oferecidas por Flecha (1997), vai se tornando cada vez mais nítido que há diferentes formas de conhecer, de compreender e de se posicionar no mundo, transcendendo-se as formas acadêmicas de conhecimento, de análise e de proposições.

No entanto, ao longo de Compartiendo Palabras (FLECHA, 1997), também se demonstra que há dificuldades sociais e educativas para se dialogar entre pessoas diferentes, considerando-se as hierarquias postas nas interações. Nesse sentido, evidencia-se como fundamental o reconhecimento das próprias limitações para o diálogo, por parte do coordenador das tertúlias literárias dialógicas descritas, conforme indicado no trecho abaixo.

O “coordenador” (Goyo) aprende tanto ou mais que o “alunado”. Quando está muito seguro de algo, não pode impô-lo, ainda que deva tentar convencer às demais pessoas. Desta forma, se vê obrigado a pensar e repensar o que desconsiderava, encontra mais razões para esclarecer sua opinião ou... descobre que estava parcial ou totalmente equivocado (FLECHA, 1997, p. 18, grifos do autor, tradução nossa).

Diante deste excerto, também se revela que a aprendizagem dialógica requer disponibilidade para intensa reflexão. A partir das interações desenroladas nas tertúlias literárias dialógicas, cada pessoa, independentemente do papel ocupado, se educa na relação dialógica com a diferença, ao se deparar com novos elementos oferecidos por pessoas com outros conhecimentos e experiências.

Enfim, nos diálogos entre pessoas participantes das tertúlias literárias dialógicas, constata-se que a vida humana é muito mais complexa do que as especialidades profissionais e científicas conseguem abarcar. Diante de tal complexidade, as pessoas especializadas necessitam de se colocar em diálogo para buscarem os aportes de compreensão de quem vivencia os desafios sociais e educativos, pois, ao contrário, torna-se insuficiente o produto elaborado.

Nessa perspectiva, revela-se a constituição do conceito de aprendizagem dialógica emergindo das práticas educativas de pessoas que se empenham, por meio de suas interações, em radicalizarem o diálogo e se encontrarem em sua condição de humanidade, superando suas diferenças para concretizarem, de modo ampliado, as transformações sociais e educativas que considerem necessárias. Tal amplitude decorre da compreensão de que essas transformações se tornam possíveis, a partir de interações que conectam cada pessoa com o coletivo em que participa.

Demonstra-se que a globalidade e a validade do conceito ganham concretude nas ações de todas as pessoas envolvidas com os processos educativos, de modo que o diálogo não deve ser considerado como estratégia acadêmico-científica a ser usada por especialistas em educação, conforme sugerido pelas palavras de Flecha (1997): “As pessoas que protagonizam essas situações são as adequadas para decidir sobre sua conveniência e as únicas que podem recriá-las” (FLECHA, 1997, p. 14, tradução nossa).

Onze anos depois, Aubert et al. (2008) reafirmam que a elaboração do conceito de aprendizagem dialógica se relaciona à responsabilidade com os impactos das ações empreendidas pelos agentes educativos envolvidos e ao compromisso com o desenvolvimento do conhecimento científico em educação, conforme explicitado em Aprendizaje dialógico en la sociedade de la información.

Para avançar o desenvolvimento científico em educação, necessita-se de superar o ‘fundamentalismo’ ou a atitude de resistência a novas explicações que permitam entender melhor como se aprende em cada momento sócio-histórico e, desta forma, melhorar a prática da aula. Quando se apresenta uma teoria ou concepção como ‘a teoria’ ou ‘a concepção’ definitiva do ensino e da aprendizagem, não ajudamos o avanço científico nem à melhora da educação. Nunca uma concepção do ensino e da aprendizagem será boa para sempre, como tampouco pode sê-lo um medicamento para cura de uma enfermidade. Em educação, como em medicina e em todos os campos, necessitamos de desenvolvimentos científicos que, partindo de anteriores descobertas, contribuições teóricas e experiências práticas, assim como da análise do contexto social, político, econômico, etc. do momento, melhorem a educação de todas as pessoas (AUBERT et al., 2008, p. 25, grifos das autoras e do autor, tradução nossa).

Em vista das palavras das autoras e do autor, observa-se que, em Aprendizaje Dialógico en la Sociedad de la Información (AUBERT et al., 2008), a aplicabilidade do conceito de aprendizagem dialógica se amplia, ao focalizar a escola como espaço cultural privilegiado, que pode ser recriado para favorecer o desenvolvimento pessoal e social no contexto da contemporaneidade. Para tanto, Aubert et al. (2008) analisam as principais características da sociedade da informação, apresentando o giro dialógico como chave para se entender e elaborar teorias que efetivamente contribuam para superar os problemas

apresentados à educação escolar, tais como o fracasso na aprendizagem e os conflitos no convívio entre pessoas de origens sociais e culturais diversas.

Esta tendência dialógica de nossas sociedades também tem um impacto na forma como se cria o conhecimento científico. Na atual sociedade da informação, é através do diálogo com as pessoas “não especialistas” como é possível o desenvolvimento de teorias mais inclusivas e científicas. Não há pessoas especialistas que possuam todo o conhecimento social e cultural necessário para realizar propostas eficazes para todas as pessoas. Todos e todas podemos aportar argumentos a partir de diferentes experiências e recursos culturais (AUBERT et al., 2008, p. 31, tradução nossa).

A partir das palavras das autoras e do autor, considera-se a possibilidade de criar conhecimento científico que efetivamente ofereça respostas aos desafios sociais contemporâneos. Sugerem-se as potenciais contribuições do conceito de aprendizagem dialógica, como criação cultural que emerge de interações entre pessoas e coletivos diversos, dispostos a dialogar para fazerem convergir suas ações no sentido social e educativo estabelecido em acordo coletivo, a despeito das hierarquias interpostas na elaboração do conhecimento.

Observa-se que Aubert et al. (2008) se dedicam a demonstrar como o conceito de aprendizagem dialógica pode ajudar a coordenar ações de profissionais, familiares, entornos, comunidades e estudantes. Pautando-se no compromisso com o desenvolvimento científico em educação e com a concretização de propostas que efetivamente conduzam ao êxito escolar, o CREA, sustentado por sólida base científica, vem demonstrando a ampliação deste conceito, oferecendo conhecimentos e sugerindo práticas educativas a pessoas que, em todo o mundo, se disponham ao compromisso com os impactos da concretização dos processos de ensino e aprendizagem. Ao mesmo tempo, ambas as suas publicações alertam que, na Sociedade da Informação, não cabe elaborar concepções de aprendizagem que se apoiem em determinada especialidade científica e sim buscar teorias que estejam abertas ao diálogo interdisciplinar.

Sendo assim, Aubert et al. (2008) demonstram as potenciais contribuições de se coordenar interações entre diferentes agentes educativos, mencionando que já vêm sendo desenvolvidas muitas experiências de êxito escolar com esse enfoque. Na Espanha, são referidos o Projeto Atlântida (p. 33) e o Programa de Aulas digitais no CRA (Centro Rural Agrupado) e na Comunidade de Aprendizagem Ariño Alloza (Teruel) (p. 40). Nos Estados Unidos da América, são citados os Programas School Development Program, Accelerated Schools y Success for All (p. 33); e as “escolas democráticas” descritas por Apple (APPLE, BEANE apud AUBERT et al., 2008, p. 33). De acordo com as autoras e o autor, estes são

exemplos de escolas que vêm aumentando a aprendizagem de seu alunado, recorrendo à ampliação do diálogo com os familiares e considerando a participação ativa da comunidade de entorno.

No que diz respeito ao conceito de aprendizagem dialógica, Aubert et al. (2008) demonstram que sua recriação permite o alcance do êxito escolar em escolas e por meio de atuações diversas. Ao longo de Aprendizaje Dialógico en la Sociedad de la Información (2008), são frequentes as menções às comunidades de aprendizagem da Espanha, Brasil e Chile (p. 24, 25, 33, 71, 175, 200, 203). Além das tertúlias literárias dialógicas realizadas em escolas (p. 81), são mencionados os grupos interativos (p. 107, 160, 162,211, 212, 213, 227); a formação de familiares (p. 34, 70, 136, 137, 198); as bibliotecas escolares tutoradas (p. 226); e a prevenção dialógica de conflitos (p. 149).

Demonstrada a aplicabilidade do conceito de aprendizagem dialógica e indo para além das tertúlias literárias dialógicas realizadas com as pessoas adultas da Escola de La Verneda de Sant Martí, nota-se que o conceito de aprendizagem dialógica está fundado sobre ampla base teórica, conforme se foi sinalizando ao longo da apresentação de Compartiendo Palabras (1997), ao mencionar os diferentes autores, de diferentes áreas do conhecimento, nos quais Flecha (1997) se apoiou para desenvolver a obra aqui focalizada. Torna-se nítido que os teóricos mais mencionados foram o sociólogo e filósofo Jürgen Habermas (2001) e o educador Paulo Freire (1921-1997), seguido da perspectiva histórico-cultural elaborada por psicólogo soviético Lev Vygotski (1896-1934) e seus seguidores.

Na articulação de princípios e autores, demonstraram-se a abertura de caminhos e o oferecimento de possibilidades de respostas no âmbito das ciências humanas e sociais, encontrando-se com os propósitos que originalmente orientaram a criação de conhecimento das teorias clássicas, quando se voltaram aos objetos da realidade para melhor compreender e intervir, em busca da superação de desafios da modernidade.

Ademais, percebe-se que, na formulação da aprendizagem dialógica, Flecha (1997) também busca validação prática dos princípios que constituem o conceito, quando se reporta ao cotidiano das tertúlias literárias dialógicas realizadas na Escola de Pessoas Adultas de La Verneda de Sant Martí, enquanto situações que abrem espaço de participação igualitária a coletivos em situação de exclusão social. Ao delinear o conceito, o autor demonstra a possibilidade de se concretizar a aprendizagem dialógica, entrelaçando seus princípios entre si, a partir dos argumentos e das reflexões sobre temas cruciais da existência humana, suscitados no encontro entre as pessoas não acadêmicas e a cultura erudita.

Eram já vinte anos aprendendo a ler e viver de pessoas como Manuel, Lola, Chelo, Rocío, Juan, Rosalía e Antonio. A autêntica criação cultural transbordava as aulas e as conversas entre intelectuais. Imaginava os livros relacionando-se com os sentimentos, desejos e sonhos de trabalhadores, auxiliares sanitários, ‘donas de casa’, aposentados, imigrantes, modistas e vendedores ambulantes. Isso seria bom para a gente... e também para a literatura (FLECHA, 1997, p. 157, grifos do autor, tradução nossa).

Observa-se, assim, que esse sentido de “criação cultural” se orienta por problemas genuinamente sociais e educativos, visto que considera as necessidades das pessoas envolvidas e propõe superar equívocos e reducionismos teóricos que também conduzem a ideias estereotipadas e preconceituosas, tais como a vinculação de aprendizagem, idade, raça, escolaridade, classe social e gênero. Ademais, colocam-se em relevo o papel da ciência e a possibilidade de se ampliar a aprendizagem, por meio de interações orientadas pela reflexão coletiva e pela busca de acordos sobre ações em comum, quando se conta com a diversidade cultural que caracteriza a humanidade.

Onze anos depois, demonstra-se a sustentação do conceito que também evolui e se amplia, revelando o empenho do CREA com uma sólida base científica, constituída e validada em meio ao diálogo entre teorias e áreas de conhecimento diversas. Nesse sentido, são mantidos os pilares conceituais de Jürgen Habermas (2001), Paulo Freire (1921-1997) e Lev S. Vygotski (1896-1934) e se amplia a influência do interacionismo simbólico de George H. Mead (1927). Demonstra-se assim que, a despeito de que algumas das teorias de base utilizadas pelo CREA tenham sido concebidas na sociedade industrial, seus aportes podem ser considerados como clássicos das ciências sociais, posto que amplamente referendados pela comunidade científica internacional.

Ao mesmo tempo, pode-se compreender também que, diante da complexidade que reveste os processos de aprendizagem e das aceleradas mudanças que caracterizam o momento contemporâneo, essas ideias devem buscar complementariedade nas diferentes áreas de conhecimento, tais como a sociologia e a linguística. Nessa perspectiva, promove-se o adensamento das contribuições de Vygotski, possibilitando evidenciar sua leitura equivocada por algumas de concepções de aprendizagem obsoletas, tais como a de aprendizagem significativa. Ao abordar o princípio de igualdade de diferenças em Compartiendo Palabras, Flecha (1997) já assinalara que o construtivismo, inspirado em um “Vygotski adaptador”, vinha prejudicando ainda mais os setores já socialmente desfavorecidos, conforme o excerto a seguir.

As limitações do construtivismo têm facilitado um erro com importantes consequências sociais: a conversão de um real Vygotski igualitário e transformador

em um apócrifo Vygotski adaptador. O psicólogo russo sustentou, entre outros, dois princípios: a) o desenvolvimento cognitivo está vinculado ao entorno sociocultural; b) para melhorar a aprendizagem, deve-se transformar o entorno. Ainda que se tenha mantido o primeiro princípio, o erro tem consistido em converter o segundo em seu contrário. Em lugar de transformar o contexto para conseguir melhor aprendizagem, tem se proposto adaptar o currículo ao contexto (FLECHA, 1997, p. 43-44).