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CAPÍTULO 2 − ESCORÇO HISTÓRICO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL E SEU IMPACTO

2.1. O PASSADO HISTÓRICO-SOCIAL DO NEGRO NA ÉPOCA DA COLONIZAÇÃO E O

2.1.1 A Campanha Abolicionista

É com base no acentuado agravamento das contradições do regime escravista e do sistema colonial, que em meados do século XIX, tal sistema se

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Devido à seca e a queda dos preços do algodão e do açúcar no mercado internacional houve uma recessão econômica generalizada, fator que, ao lado da corrupção descarada da Corte e dos abusivos impostos cobrados por esta, contribuiu para aumentar o descontentamento não só das camadas populares, mas também da elite dominante, desencadeando inúmeras reações nacionalistas como a Insurreição Pernambucana de 1817, que culminou com o estabelecimento de um governo provisório, composto por comerciantes, juízes, proprietários de terras e militares. Detalhe importante a destacar que sua “Lei Orgânica” estabelecia a forma republicana de Governo, liberdade de consciência religiosa e de imprensa, a abolição dos tributos que aumentassem os preços dos produtos de primeira necessidade, mas mantinha a escravidão e o regime de propriedade. No plano internacional ocorria a invasão da Guiana Francesa em 1809, sendo devolvida posteriormente em 1815, no Congresso de Viena, e em 1816, a anexação da Colônia do Sacramento ao Brasil, atualmente Uruguai.

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No denominado “período joanino” (1808 a 1821) houve inúmeras medidas tendentes a acomodar as necessidades modernas: como a revogação do Alvará de 5 de Janeiro de 1785, que extinguia as manufaturas existentes no Brasil. Não obstante, a revogação não atingiu êxito, principalmente devido ao fato de a Inglaterra pagar pequenas taxas alfandegárias, garantidas por tratados comerciais, v.g. Aliança, Comércio e Navegação, podendo, portanto, vender seus produtos a preços menores. Além do melhor preço, seus produtos eram de melhor qualidade, haja vista o elevado desenvolvimento de sua indústria, bem como grande parcela da população brasileira era composta de escravos, e não de homens livres assalariados. Outras tentativas de modernização foram a criação da imprensa – que, ao fim e ao cabo, acabou por contribuir para com a divulgação dos ideais libertários –, a fundação do Banco do Brasil, da Casa da Moeda, da Real Fábrica de Pólvora, da Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica, da Junta de Comércio, Agricultura e Navegação, bem como a permissão imigração estrangeira e a elevação do Brasil de condição, pela criação do Reino Unido a Portugal e Algarves.

decompõe252. De início, notadamente os grupos de intelectuais, não almejavam uma abolição imediata e total, mas lenta e gradual253, a pretexto de conciliar os diversos interesses em jogo, e preservar o equilíbrio econômico e social do país.254

Após a já referida lei de 1831, aprovada por pressão inglesa, segundo a qual os escravos desembarcados no Brasil eram reputados livres, veio a ser aprovada a denominada “Lei Eusébio de Queiroz”, em 04 de setembro de 1850, a qual pôs fim efetivo ao tráfico de escravos.255

Nesta esteira, aprova-se, em 1871, a exemplo do que ocorria no estrangeiro, outra “concessão” aos abolicionistas, a “Lei Rio Branco”, mas conhecida como “Lei do Ventre Livre”, cujo artigo 1° declarava livres “os filhos de escravos que até 28 de setembro desse ano se encontrassem no ventre materno”256, os quais passavam a ser reputados “ingênuos”.257

O argumento central dos opositores ao novo diploma legal baseava-se no ferimento do “direito de propriedade” dos senhores sobre os “frutos” de sua propriedade escrava, sendo forte o pleito no sentido de uma indenização compensatória por parte do Estado.258

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Ocorre, em 1850, a extinção do trafico de escravos, em cuja decorrência verifica-se a diminuição progressiva do número de escravos, especialmente em razão de superar a taxa de mortalidade aquela de natalidade, o que traz consigo a insustentabilidade do sistema. A taxa de mortalidade infantil atingia 88%. HOLANDA, S. B. História Geral da Civilização Brasileira. Reações e Transações, 1967, p. 147.

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A corrente abolicionista moderada, era favorável à emancipação gradual e “ordeira” dos escravos, tendo como figura central, Joaquim Nabuco. Por outro lado, os abolicionistas radicais (Luís Gama, Silva Jardim, Antonio Brito, etc.), propugnavam pela mobilização dos próprios escravos, na luta pela emancipação,mediante rebeliões sistemáticas.

254

Cf. PRADO JÚNIOR, op. cit., p.176. 255

ANDRADE, M. C. de. Abolição e reforma agrária, 1991, p. 07. 256

Loc. cit. 257

“Art. 1° - Os filhos de mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta Lei serão considerados de condição livre e havidos por ingênuos. § 1° - Os ditos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores das mães, os quais terão a obrigação de criá-los até a idade de oito anos completos. §2°- Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a opção de receber do Estado a indenização de 600$00 ou de utilizar do serviço do menor ate a idade de 21 anos completos”. Cabe mencionar o teor do artigo sucessivo: “Art. 2 ° - O governo poderá entregar a Associações, por ele autorizadas, os filhos das escravas nascidos desde a data desta Lei, que sejam cedidos ou abandonados pelos senhores ... § 1°- As ditas Associações terão direito aos serviços gratuitos dos menores ate os 21 anos completos e poderão alugar esses serviços...”. Nota-se a preocupação dentro da classe dominante, de que as coisas mudem pouco, ou permaneçam com o mesmo status quo. A mencionada lei em seu art. 4°, previa ainda que o escravo mediante a formação de um pecúlio, poderia comprar sua liberdade. A expressão ingênuo empregada no artigo 1° é oriunda do Direito Romano, da ingenuitas, assim considerada a situação do nascido de pai também ingênuo ou liberto. Tal situação implicava no reconhecimento e na permanência da situação de liberto. CRETELLA JÚNIOR, J. Curso de Direito Romano, 2003, p. 70.

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Assim, “aos senhores foi concedida a prerrogativa de escolherem entre entregar as crianças libertas a uma instituição pública quando completassem 8 anos, recebendo em troca 600 mil-réis,

Como compensação ao pretenso ferimento ao direito de propriedade dos senhores, a partir de então estes poderiam escolher entre receber uma considerável indenização do Estado ou utilizar o trabalho do jovem “livre” até 21 anos, donde decorre a clara percepção de que condição livre dos filhos de escravos após a vigência da dita lei era bastante peculiar, por assim dizer.259

Cumpre ressaltar que seis anos antes, a questão da abolição parece ter ficado em segundo plano, pois o Brasil encontrava-se, ao lado dos vizinhos Argentina e Uruguai, em guerra contra o Paraguai. A Guerra do Paraguai (1864 a 1870), serviu para expor as debilidades de um país, onde a maioria da população era constituída por escravos. Ante o número insuficiente de combatentes, a saída encontrada foi desapropriar os escravos de seus senhores e conceder-lhes alforria.260

Para alguns autores, a guerra funcionou como um dispositivo de eliminação do negro da sociedade brasileira261, pois, nesse período, encontrava-se em evidência a questão da homogeneização da nação, que passava necessariamente

ou utilizar seus serviços até que tivessem 21 anos. Alguns consideraram que tais dispositivos asseguravam o “direito de propriedade”, entendendo-os, no primeiro caso, como ressarcimento pecuniário; no segundo, como indenização por prestação de serviços”. MENDONÇA, J. N. Cenas

da abolição, 2003, p. 24.

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A partir de então, todos os filhos de escravos que nascessem estariam livres, daí a denominação Lei do Ventre Livre. A solução preconizada pela lei, não se apresentou das melhores, tendo em vista que as crianças permaneciam até os 21 anos de idade sob a guarda e a autoridade do senhor de sua mãe, carregavam assim todo o ônus de escravo, “sem nenhuma vantagem, uma vez que o senhor, ciente de que elas não representavam um investimento para ele, não se interessaria em dar, às mesmas, um tratamento que não as mutilasse, que não as desvalorizasse”. ANDRADE, op. cit., p. 21. Os antiescravistas, no decorrer da campanha abolicionista denunciaram, além do tratamento dispensado aos ingênuos, o não cumprimento das determinações da Lei do Ventre Livre. PESSANHA, A. S. Da Abolição da Escravatura à Abolição da Miséria. Rio de Janeiro: Quartet, 2005, p. 54.

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HOLANDA, S. B. de. História Geral da Civilização Brasileira: do Império à República. 7 ed. T II, v. 7. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p. 55. A respeito da Guerra contra o Paraguai, ver também COSTA, E. V. da. Da Senzala à Colônia. 4. ed. 2. reimp. São Paulo: UNESP, 1998, p. 446. Portanto, propiciou um grande número de negros libertos antes da abolição, pois, os escravos alistados e os oferecidos para lutar em substituição aos particulares, os chamados Voluntários da Pátria, eram libertos automaticamente, sendo estendida tal “concessão” às suas mulheres e filhos. COSTA, op. cit., p. 447.

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Os resultados dessa guerra foram trágicos, diminuindo consideravelmente o número de negros na população total do Império. Segundo Chiavenato, foi a primeira vez na história brasileira que a quantidade de negros diminuiu não apenas proporcionalmente em relação à população branca, mas também em números absolutos, comparando-os com os anos anteriores à guerra. “Em 1800, havia 1 milhão de negros no país; em 1860, 2, 5 milhões; em 1872, apenas 1,5 milhão”. CHIAVENATO, J. J. O negro no Brasil: da senzala à Guerra do Paraguai. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1980, p. 194.

para alguns, pela exclusão do negro.262 Assim, conforme considera Júlio José Chiavenato,

[...] de forma programada ou não – mas com o uso consciente do negro como bucha de canhão, refletindo a ideologia da época – a Guerra serviu para arianizar o Império, fazendo cair a população negra em 57% imediatamente após a guerra263.

Na mesma linha da anterior “Lei do Ventre Livre”, foi promulgada, em 1885, a Lei dos Sexagenários, dispondo a respeito da libertação dos escravos com mais de 60 anos. Estabelecia a necessidade da prestação de serviços pelos escravos sexagenários, pelo espaço de três anos, aos seus ex-senhores, a título de indenização pela sua alforria, bem como em compensação ao dever de proteção e amparo imposto aos senhores durante o período.264

Ademais, encontra-se na lei diversos dispositivos, estabelecendo medidas tendentes a “preservação dos laços” de atrelamento e dependência entre libertos e seus ex-senhores, dentre os quais, à necessidade de o liberto fixar residência no município em que fora alforriado, pelo tempo de cinco anos, bem como a obrigatoriedade ter uma ocupação.265

Ambos os diplomas legislativos, isto é, a alcunhada Lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários, inseriam-se, segundo alguns, em uma linha de projetos de natureza paliativa, que constituiria uma estratégia política da elite latifundiária para que o processo de abolição ocorresse de forma gradual, “com tempo suficiente para habilitar e disciplinar o ex-escravo no mercado de trabalho livre em gestação”.266

De outro lado, é de se ressaltar, o caráter altamente simbólico dessas normas tidas como “emancipacionistas” que, segundo alguns autores267, visavam apenas postergar a abolição total e imediata da escravidão.268

262

CUNHA, M. C. da. Negros, estrangeiros: os escravos libertos e sua volta à África. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 84.

263

CHIAVENATO, op. cit., p. 194. De se observar, ainda, que na década de oitenta do Século XIX são criadas várias agremiações – dentre as quais destacavam-se a Sociedade Brasileira contra a Escravidão e a Associação Central Emancipacionista , ambas situadas na Cidade do Rio de Janeiro – e jornais abolicionistas, com destaque para as províncias do Norte e Nordeste

264

Ibid., p. 27. 265

MENDONÇA, J. N. Cenas da abolição, 2003, p. 46. Restritas as possibilidades de escolha, os libertos estariam muito mais sujeitos à dependência com relação a seus antigos senhores e poderiam, de forma mais acentuada, ser compelidos a permanecer em sua companhia.

266

DOMINGUES, P. Uma história não contada: negro, racismo e branqueamento em São Paulo no pós-abolição. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004, p. 34. Encontrava-se depositada no âmbito do domínio senhorial a responsabilidade de preparar os “futuros libertos” para a “liberdade enobrecida pelo trabalho”. Cf. MENDONÇA, op. cit., p. 47.

267

Consigne-se, ainda, que a esta altura, a questão da abolição, não mais se restringia apenas aos círculos político-partidários ou de intelectuais, ganhando acolhida de outros agrupamentos anti-escravistas, inclusive os próprios escravos, através das fugas coletivas e do abandono das fazendas.269

Tamanha agitação, acompanhada da recusa do exército em perseguir os negros fugitivos, do medo crescente de uma iminente explosão de violência desordenada por parte dos negros270, bem como a mudança da estrutura econômico-social iniciada na metade do século XIX, culminou na assinatura da “Lei Áurea”, pela Princesa Isabel, colocando termo à escravidão no Brasil.

2.1.2 O trabalho escravo e sua contradição para com o capitalismo emergente