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Situação educacional dos afro-descendentes na contemporaneidade

CAPÍTULO 2 − ESCORÇO HISTÓRICO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL E SEU IMPACTO

2.3 O NEGRO NO QUADRO CONTEMPORÂNEO

2.3.3 Situação educacional dos afro-descendentes na contemporaneidade

Em constituindo o objeto da presente pesquisa o acesso ao ensino superior pelos afro-descendentes, a partir do sistema de cotas, em última análise, convém deter-se sobre o panorama educacional do grupo vulnerável. No setor educacional a situação não é mais branda. Dado relatório444, aponta que a taxa de analfabetismo dos negros (16%) é mais que o dobro da registrada para os brancos (7%).

A diferença se reflete também quanto à defasagem escolar, uma vez que 27% dos negros com idade entre 18 e 24 anos ainda estão no ensino fundamental. Entre os brancos, esse percentual fica em 11%. Se considerado o ensino médio, as distorções se mantêm, enquanto 35% dos jovens brancos não estão na série adequada para sua idade, entre os negros essa proporção é de 51%.445

Em relação ao ensino superior, em 2000, o percentual dos homens negros com mais de 30 anos que tinha diploma de graduação (2,7%) era inferior ao mesmo dado registrado para os homens brancos em 1960 (3%), ou seja, quarenta anos antes.446

Nesse particular, destaca-se que, a presença do negro no ensino superior apresenta-se como a menor em relação às demais etapas educacionais. Conforme informativo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), a população negra, em 2002, tinha em média, 5,3 anos de estudo completos, enquanto a população branca, tinha 7,1 anos de estudo. Por conseguinte, a

444

Cf. BRASIL. Estudo Desigualdades Raciais, p. 67. 445

Ibid., p. 68. 446

Conforme proposta formulada pelo IPEA/2006, para a democratização do acesso à educação superior: “para que haja a efetiva democratização do acesso à educação superior, há que se tratar da questão racial, sobretudo no que se refere à ampliação da presença de afro-descendentes nesse nível do ensino. Ainda que a menor incidência de grupo étnico na educação superior esteja associada à condição econômica, verifica-se que existem diferenças de acesso entre brancos e negros pertencentes à mesma faixa de renda, o que sugere a existência de algum tipo de discriminação, para além da condição econômica”. Diretoria de Estudos Sociais (Disoc), IPEA. Texto para discussão n. 1248, dezembro de 2006. Ver ainda BEUST, L. H. Aprendendo a

unidade na diversidade: nós e eles. Cartilha para superação do Racismo e do Sexismo na

Educação, elaborada pela Equipe Unidade na Diversidade. Brasília, 2005, p. 29. Pode-se afirmar que a educação superior, constituiu a etapa que sempre mereceu atenção especial por parte dos militantes do Movimento Negro. Entende-se que o combate à “manutenção da inferioridade da população negra deve estimular a permanência e a ampliação da participação de negros em espaços privilegiados, porque as pessoas que têm a condição de renda e educação ampliadas podem trabalhar nas instâncias de poder e relevância social para melhorar as condições das populações negras em geral”. (p. 68).

população branca tinha quase dois (02) anos de estudos a mais, do que a população negra.447

Nessa esteira, menciona-se outro informativo do INEP, de 2003, ao referir-se ao número de estudantes brancos em diversos cursos, não restando dúvidas quanto sua maior participação em inúmeras áreas, senão vejamos.

Os cinco cursos com maior participação de estudantes brancos, em 2003, foram: Arquitetura e Urbanismo (83,9%), Medicina Veterinária e Odontologia (empatados em 81,2%), Engenharia Mecânica (80,6%), Farmácia (79,8%), Direito (79,9%). Os cinco cursos com menor participação de brancos foram: História (55,5%), Geografia (56,4%), Letras (61,9%), Matemática (61,8%) e Física (64,4%).448

Nota-se, aqui, nitidamente, uma pronunciada seletividade: a participação dos brancos supera, em qualquer caso, os 50%, a despeito dos afrodescendentes representarem, como visto, cerca de 47,5% da população. Por outro lado, em cursos elitizados, reputados mais atraentes e com melhores oportunidades profissionais, os índices de participação de brancos beiram os 80%, em média.

Por outro lado, os cinco cursos com maior participação na classificação sugerida pardo/mulato foram: Geografia (33,2%), História (31,4%), Matemática (30,0%), Letras (28,8%) e Pedagogia (26,8%). Os cursos com menos participantes pardo/mulato foram: Arquitetura e Urbanismo (10,2%), Odontologia (11,5%), Medicina Veterinária (11,8%), Farmácia (13,5%) e Psicologia (14,0%).449 No tocante aos cinco cursos com maior participação de negros, encontramos: História (8,5%), Geografia (6,5%), Letras (5,6%), Pedagogia (5,5%) e Matemática (5,4%).450

Conforme dados da Diretoria de Estatística e Avaliação do Ensino Superior (DAES) do INEP, em 2006, os dados permaneceram inalterados, dos cinco cursos com maior percentual de estudantes brancos, a participação dos negros/ pardos, é: Arquitetura (11,2%), Odontologia (12,3%), Medicina Veterinária (12,9%), Engenharia Mecânica (14,5%), Farmácia (14,6%). No quadro A dos anexos é possível visualizar o maior e o menor percentual de brancos em 10 cursos superiores.451

447

PELIANO, M. A. Desafios e perspectivas da política social. Diretoria de Estudos Sociais (Disoc), Instituto de Pesquisa Aplicada – IPEA. Texto para discussão n. 1248, dez. de 2006, p. 68.

448

GARCIA, R. C. Identidade Fragmentada. Um estudo sobre a história do negro na educação brasileira 1993-2005. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007, p. 78. 449 Loc. cit. 450 Loc. cit. 451

Dados do Cadastro Nacional de Docentes da Educação Superior também revelam que 69,4% dos docentes que atuam nas Instituições de Ensino Superior brasileiras são brancos. A seguir vêm os pardos, com 9,2%. Os negros são 1,6%; os amarelos, 1,2%; e os indígenas, 0,2%. Restam, entretanto, 18,4% de docentes que não informaram sua cor e raça, conforme se pode ver no quadro B dos anexos. 452

Os dados coletados pelo Censo do IBGE revelam que a presença de brancos na população brasileira é de 50%, enquanto a de pardos chega a 41% e a de negros alcança 5,9%.453 Contudo, as estatísticas da educação superior, produzidas pelo Inep, demonstram que essas participações no universo de matrículas da IES são de, respectivamente, 72,9%, 20,5% e 3,6%.

Isso significa que a presença de brancos nos cursos superiores do Brasil é 22,9 pontos percentuais superior à observada na sociedade brasileira. Inversamente, a participação de pardos nas IES é 20,5 pontos percentuais inferior a da sociedade e de negros 2,3 pontos menor. 454

Com base nos dados da educação superior coletados pelo Inep, uma análise mais detalhada da trajetória dos alunos revela que, entre os ingressantes, os brancos são 70,2%, os pardos 22,3% e os negros 4,6%.455 Entretanto, o percentual de concluintes brancos sobe para 76,4% enquanto o de pardos e de negros cai para, respectivamente, 17,5% e 2,8%. Os números revelados parecem evidenciar que há maior chance dos brancos completarem a educação superior que os pardos e negros.

Nessa esteira, menciona-se o estudo realizado pela Diretoria de Estudos Sociais (Disoc) do Instituto Nacional de Pesquisa Aplicada (IPEA) no tocante as taxas de alfabetização da parcela branca e negra no Brasil em 1976 e 2006.

O estudo revela que ainda em 1976 havia diferenças consideráveis em relação à capacidade de saber ler e escrever de negros e brancos. Apenas 78% dos negros dispunham desta capacidade cognitiva, em contrapartida, 92% dos brancos sabiam ler e escrever, nota-se uma diferença de até quatorze pontos percentuais entre os dois grupos.456

452

INEP. Ano 5, n. 148, 16 fev. 2007. 453

Cf. BRASIL. Retrato das Desigualdades de gênero e raça, 2006, p. 05. 454

INEP/MEC, loc. cit. 455

INEP/MEC, loc. cit. 456

Cf. BRASIL. Estudo Desigualdades Raciais, Racismo e Políticas Públicas, 2008, p. 09.

Disponível em: < em: < http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf/08_05_13_120anos

O presente estudo mostra ainda que devido à universalização do ensino fundamental, a diferença foi diminuindo gradativamente, de modo que em 2006 todos os brancos e quase todos os negros com 16 anos, sabiam ler e escrever, reduzindo a diferença entre os dois grupos para dois (02) pontos percentuais. 457

É preciso considerar, a despeito de o indicador revelar o êxito desta política universal458, já que no período não houve nenhuma ação afirmativa, isto, entretanto, não se aplica à todas as políticas públicas, isto se evidencia, ao se analisar a evolução do fator tido hoje como o principal diferencial educacional no mercado de trabalho – o ensino superior.459

Segundo evidencia o estudo em 1976 em torno de 5% da população branca possuía um diploma de educação superior aos 30 anos, contra um porcentagem insignificante de negros. Em 2006, registra-se algo em torno de 5% de negros com idade de 30 anos com curso superior.460 Contudo, o problema racial, se revela, ao se constatar que 18% dos brancos tinham completado um curso superior até os 30 anos. “O hiato racial que era de 4,3 pontos quase que triplicou para 13 pontos”.461

Nesse passo, conforme o relatório “Retrato das desigualdades de gênero e raça”, divulgado em setembro de 2008, pelo IPEA, o qual considerou que as diferenças raciais ainda permanecem acentuadas e expressivas. Segundo apontou a pesquisa, afro-descendentes encontram-se menos presentes na escola, apresentam médias de estudo inferiores e taxas de analfabetismo maiores em relação aos brancos.

No ensino fundamental, conforme a taxa de escolarização líquida, aquela que mede a proporção da população matriculada no nível de ensino adequado à sua idade, para os brancos era de 95,7; para os negros, 94,2. No ensino médio, essas taxas eram respectivamente, 58,4 e 37,4. O estudo mostra que o acesso ao ensino médio é bastante restrito e limitado, e se torna ainda mais para a população negra, universalização do ensino fundamental, a diferença foi diminuindo gradativamente, de modo que em 2006 todos os brancos e quase todos os negros com 16 anos, sabiam ler e escrever, reduzindo a diferença entre os dois grupos para dois (02) pontos percentuais. É preciso considerar que, a despeito do indicar ter revelado o sucesso dessa política universal, já que no período não houve nenhuma ação afirmativa, isto, entretanto, não se aplica a todas as políticas públicas. 457

O autor justificou a escolha da idade de 16 anos, porque seria a idade na qual a taxa de alfabetização seria maior. Estudo Desigualdades Raciais, Racismo e Políticas Públicas. Ibid., p. 08. 458

Que permitiu acesso para todos, independentemente de ser brancos ou negros. 459

BRASIL, op. cit., p. 09. 460

Loc. cit. 461

que, por se encontrar nos estratos que percebem menor renda, são pressionados a abandonar os estudos para ingressar no mercado de trabalho.462

Deve-se ainda considerar na reprodução dessas desigualdades as diferenças entre as regiões. Na região Nordeste, a qual apresenta as maiores taxas de analfabetismo no país, 24,5% dos negros com 15 anos ou mais de idade não “eram capazes de ler um bilhete simples em 2006”; já na região Sul, essa taxa era de 9,2%. EM contrapartida, no caso dos brancos nas mesmas regiões, registrava-se, respectivamente, 18,4% e 4,3%.463

Ao analisar-se a história da educação superior brasileira, pode-se afirmar que as desigualdades raciais não são combatidas através da adoção de qualquer política.464 Segundo o autor do estudo realizado, atualmente,

[...] o fechamento das universidades aos negros é um dos fatores mais importantes que impedem sua mobilidade social ascendente. Não se vislumbra que a universidade em algum momento seja para todos. No entanto, quando a cor da universidade, pública ou privada, é tão mais branca que negra, a educação superior passa a ser um elemento de reprodução das desigualdades raciais ao impedir a formação de uma elite negra, ou melhor, ao impedir o acesso dos negros à elite do país.465

A demonstração de tal quadro revela-se essencial ao trato específico do tema das ações afirmativas na modalidade de cotas raciais, assim como goza de relevância em sua justificação, eis que “as políticas de ação afirmativa tem como perspectiva a relação entre passado, presente e futuro...”466

Nesse passo, os indicadores educacionais constituem relevantes ferramentas de percepção do quão desiguais são as possibilidades de construção de oportunidades sociais entre brancos e negros. Ademais, ao analisá-los, resta claro, que a desigualdade é o traço fundamental da educação brasileira e revela-se de forma expressiva e acentuada em relação aos afro-descendentes. Por conseguinte, a instituição de políticas públicas visando corrigir tais disparidades, mostra-se de suma importância.

À luz de todo o exposto se depreende que a desigualdade que impera no país hodiernamente é, em grande medida, decorrência da negatividade oriunda da política escravista e, ulteriormente, de sua substituição pelo assalariamento, sem a

462

Cf. BRASIL. Relatório das desigualdades de gênero e raça, 2006, p. 05. 463 Loc. cit. 464 Ibid., p. 09. 465 Ibid., p. 10. 466

adoção de qualquer política compensatória ou assistencial e, pior ainda, com a obstaculização do acesso aos meios de produção e subsistência, como visto. Segundo Lúcia Cortes da Costa,

[...] a realidade social brasileira expressa, em sua particularidade histórica, a forma como o capitalismo foi se desenvolvendo no país. A persistente desigualdade entre as classes sociais, a ausência de mecanismos favoráveis à democratização do poder político e da distribuição da riqueza social se articulou num sistema de dominação estabelecido pelo Estado oligárquico.467

Realizado o presente escorço histórico e visto o quadro contemporâneo da desigualdade social e racial existente no Brasil, revelado pelos indicadores aqui sucintamente explorados, ambos os tópicos estritamente necessários ao trato do tema a contento, insta incursionar em domínio mais teórico, mas não menos relevante para a conclusão da pesquisa, qual seja, a tormentosa questão das ações afirmativas, na modalidade cotas raciais para o acesso do ensino superior, no tocante a sua legitimidade e eficácia.

467

COSTA, L. C. da. O dilema brasileiro da desigualdade social. In: Sociedade e Cidadania desafios