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Capítulo II: Campanhas de Comunicação Pública em Saúde

2.3. Comunicação Pública em Saúde

2.3.4. Campanhas de Comunicação Pública

Com referido anteriormente, a comunicação em saúde e, concretamente em nutrição, realiza-se (e deve assim ser planeada) em diversos níveis de análise da comunicação, (Interpessoal, organizacional, público), recorrendo a diversas abordagens (informação, educação, persuasão e até entretenimento), utilizando vários canais e diversas estratégias. O tema central deste trabalho, recorda-se, consiste nas campanhas de comunicação pública, justificando-se assim o foco a elas atribuído neste subcapítulo.

Segundo Rogers e Storey (1987: 818), o termo campanhas de informação tem sido definido de forma variável na literatura e, dada a sua diversidade, propõem que a sua definição integre quatro traços característicos: o ser intencional, procurando influenciar os indivíduos, destinar-se a grandes audiências, existir um limite de tempo definido e o facto de envolver um conjunto organizado de atividades de comunicação.

McGuire (1984: 299) determina que a comunicação pública em saúde envolve convencer os indivíduos a exercerem responsabilidade social pela sua saúde através da alteração de estilos de vida em direções mais saudáveis, através da utilização de meios de comunicação de massa e outros meios de comunicação para informar o público sobre perigos, motivá-los a reduzir riscos ou treiná-los em aptidões que lhes permite adotar estilos de vida mais saudáveis.

Devine e Hirt (1989: 230) extraíram os elementos comuns de várias definições e propõem definir campanhas de informação como tentativas organizadas para influenciar as convicções de alguém sobre atitudes e/ ou comportamentos face a um objeto (produto, assunto, pessoa, etc.), através da utilização de mass media ou de outros canais de comunicação.

Pollay (1989: 186) refere que as campanhas de informação se dirigem frequentemente às convicções políticas e religiosas, valores sociais, sexualidade, estilos de vida e escolhas morais de cidadania. Em geral, pretendem induzir mudança de comportamento de uma natureza mais profunda do que a escolha de uma marca que a publicidade anuncia.

Bauman et.al (2006: 312) estabelecem que as campanhas de meios de massa utilizam meios de comunicação de massa para informar, persuadir ou motivar populações inteiras ou grandes segmentos da população a mudar o seu comportamento. Os meios tradicionais para comunicação de massa como cartazes, imprensa, televisão e rádio podem ser complementados com novos meios como a internet, telemóveis ou outros dispositivos sem fios. As campanhas podem utilizar mensagens pagas ou não pagas através de anúncios de serviço público, noticiários na televisão, documentários e programas de entretenimento.

Snyder (2007: S32) define campanhas de comunicação como uma atividade organizada de comunicação dirigida a uma população determinada, durante um período particular de tempo, para atingir um objetivo particular. O termo campanhas inclui intervenções organizadas, baseadas em comunicação, desenhadas para grandes grupos de pessoas e esforços de marketing social que incluem atividades de comunicação.

Paisley e Atkin (2013: 23) estabelecem que as campanhas de comunicação pública têm sido definidas de duas formas distintas mas complementares: uma, em termos de objetivos, focando a intenção de um grupo mudar as convicções ou comportamentos de outro grupo; outra, em termos de métodos, que se pode denominar publicidade não comercial.

Kopfman e Ruth-McSwain (2012: 76) advogam que as campanhas de informação pública são utilizadas pelos governos e organizações não lucrativas para criar mudança social e são planeadas para atingir uma grande audiência e muito variada. O seu objetivo é beneficiar a sociedade disseminando informação cuja intenção consiste em aumentar o bem-estar da audiência. Os autores contestam o termo informação pelo facto de se relacionar com a realidade do passado em que a abordagem era unidimensional e elegem a expressão comunicação para abranger a vertente de dois sentidos, participativa e interativa, de diálogo, mais representativa dos esforços de comunicação contemporâneos.

Atkin e Rice (2013: 3) definem campanhas de comunicação públicas como tentativas intencionais de informar ou influenciar comportamentos de grandes audiências num determinado período de tempo, utilizando um conjunto organizado de atividades de comunicação e apresentando mensagens ordenadas e mediadas em múltiplos canais, geralmente para produzir benefícios não comerciais para os indivíduos e para a sociedade.

Analisando as nove abordagens apresentadas de definição de campanhas de informação, ordenadas de forma cronológica, conclui-se que três delas (a de Rogers e Storey, 1987, a de Devine e Hirt, 1989 e a de Bauman et.al, 2006) são demasiado generalistas, deixando que a publicidade comercial nelas se possa incluir, pelo facto de não considerarem a vertente fundamental de distinção das campanhas de comunicação pública, que são o interesse público do tema. As restantes definições estabelecem que a diferença destas campanhas relativamente às que atuam no campo comercial se situa exatamente no assunto que se trabalha (assuntos de interesse público). Por outro lado, quatro das definições utilizam o termo influenciar, como o objetivo a atingir (Rogers e Storey, 1987; Devine e Hirt, 1989; Bauman et.al, 2006; Rice e Atkin, 2013), ou ideia similar (McGuire, 1984); quatro das definições referem mudança como o efeito pretendido (McGuire, 1984; Pollay, 1989; Bauman et.al, 2006, Kopfman e Ruth-McSwain, 2012). Snyder (2007) constitui aqui a exceção por incluir o conceito de marketing social, considerando assim as suas intenções de bem social e mudança de comportamento. Quanto aos meios ou canais de transmissão destas iniciativas, nem todas as definições os determinam, mas a maioria refere disseminação a grandes audiências (Rogers e Storey 1987; Bauman et.al, 2006, Kopkman e Ruth-McSwain, 2012; Atkin e Rice, 2013), e canais ou meios de comunicação de massa (Bauman et.al, 2006; McGuire, 1984; Devine e Hirt, 1989).

Assim, embora se observem diversos pontos de vista sobre os campos de definição e a delimitação do conceito de campanhas de comunicação públicas, sobre a sua área de intervenção, intenção ou efeito esperado, a maioria das abordagens inclui como ideias centrais a influência ou mudança de comportamento e o foco nos assuntos de interesse público, criando assim a sua distinção da comunicação de carácter comercial, bem como a disseminação através de meios de comunicação de massa e/ ou outros canais de comunicação. Ora, esta questão do recurso a meios de comunicação de massa e/ou outros

canais levanta, efetivamente, algumas dúvidas sobre o alcance das mensagens de comunicação pública, já que os canais têm capacidades próprias para o efeito. Por ter consequências concretas nesta investigação, alguma da discussão sobre este tema é apresentada no final deste subcapítulo.

O bem-estar do indivíduo e da sociedade parece ser então um princípio unificador das campanhas de comunicação pública (Paisley, 2013: 23), em linha com os objetivos do marketing social, como concluído no capítulo sobre o tema.

E apontam-se ainda algumas considerações que fundamentam a necessidade de campanhas públicas: (1) os recursos de informação mais acessíveis tornam o público mais informado; (2) resultado dessa situação, as pessoas estão mais educadas e envolvidas na tomada de decisão pública; (3) a informação pública revelou-se eficaz e valiosa para os governos atingirem os seus objetivos (Kopfman e Ruth-McSwain, 2012).

Atkin e Rice (2013) sugerem ainda que as campanhas no domínio da saúde, pró- social e ambiente partilham algumas semelhanças com as campanhas de publicidade de natureza comercial. Por isso, recomendam que se aplique o marketing social às campanhas de assuntos sociais, já que ele enfatiza a orientação para o consumidor, embala o produto social e utiliza a combinação ótima das componentes da campanha para atingir objetivos práticos, questão igualmente defendida por Fox e Kotler (1980). Além disso, oferece uma macro-perspectiva, combinando diversas componentes como as conceções multifacetadas de produto, custos e benefícios, segmentação de audiência, alteração de políticas e concorrência.

Efetivamente, e como anteriormente se estabeleceu, as iniciativas no domínio dos assuntos públicos, são mais complexas do que as de natureza comercial (Atkin e Freimuth, 2001), assumindo-se que comunicar um comportamento desejável em saúde é mais difícil do que lançar um novo refrigerante. Por isso, o planeamento destes esforços de comunicação pública deve ser ainda mais rigoroso do ponto de vista estratégico, para o que se deve reunir o conhecimento que as disciplinas do marketing e da comunicação disponibilizam, de forma a aumentar-se a sua probabilidade de eficácia.

Numa análise mais profunda, Rogers e Storey (1987) identificam as dimensões dos objetivos e efeitos de uma campanha, expondo que estes podem ser conceptualizados em

três dimensões que devem ser consideradas contínuas: (1) o nível dos objetivos, (2) a localização da mudança de comportamento que se pretende atingir e (3) a localização do benefício derivado dos resultados da campanha. Sobre o nível do objetivo referem que, num contínuo, uma campanha pode pretender informar, persuadir ou mobilizar para uma mudança de comportamento, pressupondo uma hierarquia que sugere que o nível mais baixo é o disseminar informação e o mais alto a ativação de comportamento, para o que é frequentemente necessário intervir ao nível mais baixo para se conseguir atingir o mais alto. Sobre a localização da mudança, os autores referem-se aos níveis de análise, desde o intrapessoal ao institucional, e defendem que, frequentemente, a campanha atua ao nível dos efeitos individuais mas com a ambição de atingir efeitos de âmbito mais lato como a estrutura do sistema social. Sobre a localização do benefício, consideram-se três tipos de alvos, o emissor, o recetor ou uma terceira entidade, estabelecendo que os grandes beneficiários de uma campanha de saúde pública são os indivíduos recetores.

Em conclusão, os autores determinam que as campanhas de comunicação envolvem quase sempre processos de comunicação nos quatro níveis de análise (intrapessoal, interpessoal, institucional e social) e que as campanhas que obtiveram mais êxito integraram esses processos e produziram efeitos em todos os níveis. Claramente, quanto mais níveis um programa de comunicação consegue influenciar, mais provável será a criação e manutenção da mudança desejada (Thomas, 2006).

No entanto, parece oportuno refletir nas considerações que se apresentam sobre a disseminação de um assunto de saúde pública, uma vez que, algumas das definições mais recentes apontam para a não exclusividade de utilização de meios de comunicação de massa para divulgar um assunto de saúde pública, como outras são omissas sobre essa questão (Snyder, 2007; Kopfman e Ruth-McSwain, 2012; Rice e Atkin, 2013). A ideia da não exclusividade é compreensível, mas a sua completa exclusão parece inviável. Efetivamente, não se pode denominar campanha a qualquer esforço de comunicação circunscrito a um pequeno grupo de indivíduos. Exemplo desta situação é a revisão da literatura a avaliação de campanhas de comunicação em saúde de Sixsmith et.al (2014) que considera integrada numa campanha de comunicação em saúde a atividade de distribuição de folhetos. A ideia de que este conceito é demasiado redutor está presente em Snyder e Hamilton (2002) que

definem como critério de inclusão, na sua metanálise dos efeitos das campanhas de saúde no comportamento, as campanhas que tenham utilizado, pelo menos, um meio de comunicação de massa, reforçando assim a posição de alguns autores (Bauman et.al, 2006; Anderson e Miller, 2016; Kammer et.al, 2016; Simpson et.al, 2017) que defendem a inclusão de meios de comunicação de massa no conceito de campanhas de comunicação pública. Kammer et.al (2016) consideram, igualmente, como canais das campanhas de comunicação pública os websites, filmes de televisão e cinema, anúncios na imprensa e online bem como cartazes, ou seja, meios de comunicação de massa. Anderson e Miller (2016), de igual modo, estipulam como o tipo de comunicação mais evidente a comunicação de massa, onde integram a rádio, televisão, imprensa e posters. E Simpson et.al (2017) definem como critério inclusivo para a sua análise a campanhas de prevenção da obesidade, a existência de um vídeo que transmita a mensagem.

Efetivamente, não se podem considerar campanhas todas as intervenções de comunicação, nomeadamente as que atuam em níveis que não incluem o nível social macroscópico, o qual diz respeito aos processos comunicacionais de grandes sistemas sociais, tal como foi estabelecido no subcapítulo sobre as Ciências da Comunicação. E esta questão carece realmente de contornos e definição afinada na literatura. Assim, apesar de a literatura não definir claramente que as campanhas de comunicação pública em saúde se centram na comunicação de massa, existe alguma evidência de que assim deve ser, testemunhado por diversos autores (Anderson e Miller, 2016; Kammer et.al, 2016). O termo intervenção pode remeter para a comunicação noutros níveis de análise (interpessoal ou organizacional) mas as campanhas públicas, tal como indica o significado pública, necessita de atingir grandes audiências, populações, os membros de uma sociedade.

E nesse sentido, verifica-se a ausência de uma definição que aborde com mais rigor o tema do impacto que uma campanha pública deverá atingir, nomeadamente através das métricas de planeamento e avaliação de meios, como a cobertura, ou seja, percentagem da população que se pretende atingir, Opportunities To See (OTS´s), i.e. as oportunidades que determinado plano de meios oferece, em média, à audiência-alvo para ver a campanha e

Gross Rating Points (GRP’s), o produto entre a cobertura e os OTS’s, indicadores correntes

amplamente utilizadas no planeamento e avaliação de meios de uma campanha, fazendo sentido aplicá-los no contexto da definição de campanha pública, uma vez que, para que ela seja pública, deve atingir uma determinada percentagem da audiência-alvo, criando suficientes oportunidades para que seja visualizada. Esta sugestão pretende evitar que se denomine campanha a materiais criativos que poderão cumprir a missão da campanha mas que carecem de disseminação no seio da sua audiência-alvo. Alguns autores mencionam estes indicadores quando estudam o tema avaliações de campanhas (de que é exemplo Bauman et.al, 2006) mas eles são ausentes nas definições estudadas.