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Capítulo II: Campanhas de Comunicação Pública em Saúde

2.9. Campanhas de Comunicação Pública em Nutrição

No sentido de contextualizar a presente investigação nas campanhas de comunicação pública que têm sido desenvolvidas na área da nutrição ou alimentação saudável, este subcapítulo propõe-se mapear as campanhas implementadas internacionalmente, bem como os programas, atividades, eventos e campanhas que têm sido promovidos a nível nacional.

As campanhas internacionais aqui apresentadas correspondem às referidas na literatura estudada no contexto desta investigação, de acordo com os seguintes critérios: a atividade tem que ser denominada campanha, pelo menos por um dos autores que as estudou, no sentido de evitar equívocos sobre outro tipo de iniciativas, devem ter sido divulgadas em data posterior a 2000 (mesmo que o início da sua disseminação seja anterior) e serem referidas em publicação científica entre 2007 e 2017, nas línguas inglesa, francesa, espanhola e portuguesa, de forma a criar um mapeamento relativamente recente.

A campanha “5 a Day” teve início em 1988 nos Estados Unidos e foi desenvolvida com a intenção de aumentar o consumo de fruta e legumes (Wallack e Dorfman, 2001; Pomerleau et.al, 2005; Pivonka et.al, 2011; Ungar et.al, 2013).

“Fruits and Veggies - More Matters” substituiu, em Março de 2007, a campanha “5 a

Day” nos Estados Unidos (Erinosho et.al, 2012) e foi implementada com o objetivo de criar

conhecimento entre os adultos sobre a recomendação de se ingerir 7-13 porções de frutas e vegetais diariamente, de acordo com as Dietary Guidelines for Americans de 2005.

A campanha “Go for 2&5” foi lançada em 2002 na Austrália com o intento de aumentar o conhecimento das doses diárias recomendadas de fruta e legumes e a sua mensagem

centrou-se na ideia de que os adultos devem ingerir 2 porções de fruta e 5 de vegetais (Pollard et.al, 2008; 2009).

A campanha “Steps” foi implementada em New Orleans (EUA), em 2005, com o objetivo de comunicar recomendações sobre o consumo de fruta e legumes e sobre atividade física, dirigida a adultos, concretamente a mulheres afro-americanas com idades compreendidas entre os 18 e os 49 anos (Beaudoin et.al, 2007).

Em 2008 foi lançada na Austrália a “Water Campaign”, com o objetivo de aumentar a proporção de crianças a consumir água em substituição de refrigerantes (Orr et.al, 2010).

A campanha “Vas-Y! Fais-le pour toi” foi divulgada entre 2004 e 2007 e desenvolveu uma abordagem de marketing social para comunicar à população do Quebeque os prazeres da atividade física e de uma alimentação saudável. Esta campanha substituiu, em 2001, a “ParticipACTION”, que promoveu a vida ativa, a qual obteve bastante sucesso em termos de notoriedade (Czaplicki et.al, 2012).

A campanha “It Starts Here” foi implementada em Multnomah County, Oregon em 2011, com a intenção de educar os residentes sobre a quantidade de açúcar nos refrigerantes e sumos açucarados (Boles et.al, 2014).

A campanha “La Santé Vient en Mangeant” decorre do programa “Manger Bouger”, foi lançada em França, em 2002, no contexto do Plan National Nutrition Santé (PNNS) e tem o objetivo de melhorar o estado de saúde da população francesa, agindo sobre a nutrição como um dos seus determinantes principais (Reckinger e Régnier, 2017).

A campanha bilingue “Le Plaisir de Bien Manger et d’Être Actif!” foi lançada em 2007, no Luxemburgo no contexto do seu Plano Nacional “Gesond Iessen, méi Bewegen” (“Eat

healthily, move more”), de 2006, com o objetivo de disseminar uma série de recomendações

nutricionais à população residente (Reckinger e Régnier, 2017).

Uma pesquisa na internet, através do browser Google com as palavras “nutrition

campaign” em Junho de 2017, revelou ainda a existência das seguintes campanhas:

A campanha “Be Food Smart”, lançada em 2013 no Reino Unido tem o objetivo de expor a quantidade de açúcar, gordura e sal que estão incluídos em diversos produtos alimentares e bebidas, encorajando os indivíduos a ter mais consciência do que ingerem.

A campanha nacional “Your Weight Matters” é desenvolvida pela Obesity Action

Coalition (EUA) com a intenção de apoiar os indivíduos com excesso de peso, incentivando-

os a conversarem com o seu médico no sentido de obterem informação sobre o impacto da obesidade na sua saúde http://www.yourweightmatters.org.

Healthy kids é uma iniciativa organizada pelo consórcio composto pelo New South Wales (NSW) Ministry of Health, NSW Department of Education, Office of Sport and the Heart Foundation na Austrália e tem como objetivo promover uma dieta saudável e a prática

de exercício físico. https://www.healthykids.nsw.gov.au/default.aspx.

Resumindo as atuações das campanhas internacionais em nutrição reportadas na literatura revista, pode concluir-se que a sua maioria tem como foco o aumento de consumo de frutas e legumes, existindo ainda algumas com objetivos mais concretos como substituir as bebidas açucaradas por água, alertar para a existência de açúcar, sal e gorduras nos alimentos e ainda promover a atividade física a par de uma dieta saudável. Retém-se ainda a ideia de que o tema da atividade física tem vindo a aproximar-se do da nutrição, propondo que a alimentação saudável e o exercício físico são duas componentes que contribuem para o mesmo fim de promoção da saúde.

Em Portugal, registam-se algumas inadequações de consumo de diversos macronutrientes bem como de micronutrientes relativamente às recomendações internacionais, como se verifica no Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (Lopes

et.al, 2017), o estudo mais recente realizado em Portugal nesta área. Como exemplo,

sublinham-se os seguintes: o défice de consumo de frutas e legumes por parte de mais de metade da população (52,7%) relativamente à recomendação da OMS de 400g diários, equivalente a cinco ou mais porções diárias; o excesso de consumo de proteínas por parte de quase toda a população; a ingestão de açúcares simples, representando 19,8% do total de energia diária ingerida é igualmente superior à recomendação da OMS, que indica que o consumo diário de açúcares simples não deve ser superior a 10% do total de energia diária ingerida; e a ingestão média de sódio equivalente a 7,3g/ diária de sal, para uma recomendação de 5g/ dia. Este excesso de consumo de sal, tendo como consequência a hipertensão e como causa de morte principal as doenças cardiovasculares, justifica “uma grande campanha” com a intenção de reduzir o consumo de sal para metade, a par de

outras medidas como a legislação “firmando um compromisso sério entre a restauração, a indústria alimentar e o Governo”, segundo Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas, em entrevista à Visão na edição de 22 de Junho de 2017.

Em Portugal, existem algumas iniciativas no âmbito da nutrição, desenvolvidas pela Direção Geral de Saúde, com o intuito de disseminar informação sobre estilos de vida saudável e com bastante atividade: o site Alimentação Saudável (http://www.alimentacaosaudavel.dgs.pt), que apresenta o Programa Nacional para a Alimentação Saudável (PNPAS) e disponibiliza informação diversificada sobre o tema, o

Blog Nutrimento (nutrimento.pt/) que tem a função de fomentar o debate sobre a temática da

alimentação e a Plataforma Contra a Obesidade (http://.plataformacontraaobesidade.dgs.pt), a qual remete diretamente para o PNPAS.

E as campanhas de comunicação pública em nutrição, apenas desenvolvidas a partir de 2017, de acordo com a consulta do dite da DGS desde 2013, não apresentam resultados. Esta situação pode dever-se ao facto de, por um lado, uma delas, concretamente a terceira referida, ser muito recente e, portanto, não ter tido tempo para produzir efeitos e, por outro, por a segunda mencionada, não ter tido disseminação, como se descreve a seguir.

Em Outubro de 2017 a DGS anunciou o lançamento da campanha “Juntos contra o sal” com o objetivo de promover a redução de sal em 3 gramas por dia11. No entanto, essa campanha não consta no site da DGS (apenas inclui informação sobre o seu lançamento), alguns filmes são visíveis nas redes sociais mas as imagens captadas pelo seu making off produzido por uma escola12 não existem em nenhuma peça integrada na campanha.

No dia 23 de Fevereiro de 2018 foi lançada a campanha “O açúcar escondido nos alimentos”13 pela DGS com o objetivo de promover a saúde dos portugueses, alertando para os perigos que se podem esconder nos rótulos dos alimentos e para o risco associado ao elevado consumo de açúcar. Com o pressuposto de que a mudança de comportamentos se consegue com educação, o Ministério da Saúde acredita que a aposta na literacia e, neste sentido, em campanhas nacionais de promoção de saúde pública, se traduzirá em melhorias

11 Disponível em https://www.dgs.pt/em-destaque/juntos-contra-o-sal.aspx 12 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Ev23jmsBO0o 13 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=9BzhSFssM1A

nos comportamentos e nos estilos de vida dos portugueses (SNS)14. Três dias depois, o anúncio veiculado foi retirado do ar pelo facto de terem existido protestos de alguns anunciantes que alegaram uma excessiva semelhança das embalagens utilizadas com as de alguns dos seus produtos. Voltou a ser exibido no dia 8 de Março pelos 4 canais de televisão, RTP, SIC, TVI e Porto Canal15. No entanto, no dia 10 de Abril, esta campanha não constava de nenhum site da DGS (nem no Alimentação Saudável, nem no blog Nutrimento), tendo-se apenas encontrado informação sobre ela em alguns meios de comunicação social como o Público online e a revista Meios e Publicidade online. Fica assim o registo da curta existência da campanha, que deverá ser encarada com efeitos nulos, uma vez que o seu tempo de vida não foi suficiente para produzir resultados.

Em Julho de 2018, a DGS, em parceria com a Associação Portuguesa dos Industriais de Águas Minerais Naturais e de Nascente, lançou na televisão e nas redes sociais a campanha de comunicação “Água - a nova mega bebida”, cujo objetivo consiste em promover o consumo de água como parte integrante de uma alimentação saudável (DGS16).

Assim, no presente cenário português, continua a ser adequado reconhecer que uma campanha de comunicação pública sobre nutrição, de acordo com as condições já

14 Disponível em https://www.sns.gov.pt/noticias/2018/02/22/o-acucar-escondido-nos-alimentos/ 15 Sábado online, 9 de Março: https://www.sabado.pt/portugal/detalhe/campanha-do-ministerio-da-

saude-suspensa-apos-irritar-marcas

16 Disponível em https://www.dgs.pt/em-destaque/dgs-promove-campanha-agua-a-nova-mega-

estudadas e estabelecidas na literatura, deverá constituir um contributo para mudanças de comportamento que terão efeitos positivos. Ao contrário, deve igualmente reconhecer-se que a ausência de comunicação conduzirá a resultado nenhum.

As conclusões das investigações sobre campanhas que se centraram concretamente no campo da nutrição podem assim ser resumidas: definir como audiência-alvo das campanhas de fruta e vegetais os indivíduos diagnosticados com uma doença pode resultar em maior mudança de comportamento porque esses indivíduos podem estar mais motivados para mudar (Ammerman et.al, 2002; Snyder, 2007; Pomerleau et.al, 2005;); muitas das intervenções de nutrição basearam-se predominantemente em aconselhamento individual mas também recorreram a discussões em pequenos grupos, marketing direto,

newsletters, programas de TV, etc. (Snyder, 2007); a maior exposição está associada maior

mudança de comportamento (Snyder, 2007); apresentada evidência para o sucesso na redução de consumo de gorduras e no aumento de frutas e vegetais (Ammerman et.al, 2002); no caso concreto da campanha “Fruits and Veggies - More Matters”, que evidenciou pouca notoriedade das porções recomendadas, concluiu-se sobre a necessidade de aumentar o conhecimento sobre essas recomendações, nomeadamente através de mensagens na TV, rádio e promoções nos locais de compra (Erinosho et.al, 2012); a campanha australiana “Go for 2&5” gerou mudanças significativas em conhecimento e convicções, e algumas em comportamento, relacionadas com o consumo de frutas e legumes entre a população australiana (Pollard et.al, 2009).

Na sua investigação sobre o hiato de conhecimento, Ettema et.al (1983) concluem que, quando a informação não está disponível, a motivação para adquirir conhecimento não é suficientemente poderosa para gerar procura ativa de informação; contudo, quando a informação é facilmente acessível, a motivação é suficientemente forte para gerar, pelo menos algum processamento e retenção de informação.

A par de algumas razões já apontadas, como as inadequações alimentares e de outras que serão sublinhadas, como o interesse em informação sobre nutrição, o papel da motivação nos processos comunicacionais poderá ser outra das razões por que talvez seja oportuno ponderar a disseminação de uma campanha de comunicação pública na temática da nutrição em Portugal. Efetivamente, parecem estar reunidas as condições para que tal

campanha possa ser considerada necessária e útil: os hábitos alimentares constituem uma causa importante de diversas doenças não transmissíveis, as quais estão em crescimento; observam-se diversas inadequações alimentares em Portugal, atrás mencionadas; e reconhece-se que a prevenção constitui uma arma mais poderosa a vários níveis do que o tratamento da doença. Ao definir-se a prevenção como objetivo e as inadequações alimentares o comportamento a alterar, deverá contemplar-se como público-alvo as populações saudáveis, ou seja, populações de grande dimensão e relativamente dispersas e heterogéneas, que justificam o recurso a campanhas de comunicação pública.

Nesta perspetiva, deve considerar-se a proposta de Rodrigues et.al (2018) de se desenvolver campanhas de comunicação internacionais que, com um modelo e estrutura comuns de informação, suportem o desenvolvimento de campanhas locais, por um lado diferentes, e por outro, harmonizadas.