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1 2 As prisões em Portugal

4.06. Campo de futebol Idem, p 46 foto: Alexandre Azevedo.

Na ausência quase completa de locais comuns, a circulação dentro da prisão é reduzida e os percursos dos reclusos são sempre acompanhados por dois guardas prisionais (em 2007/2008 circulavam algemados). Os corredores e galerias são largos, com uma largura superior a 1,80 metros e cada momento de intersecção é mediado por um gradão398 cuja porta abre no sentido contrário à fuga, num esquema lógico de distribuição interna e controlo dos corpos.

Para colmatar a inexistência de refeitório, de salas comuns ou de bar foram colocadas junto à sala dos guardas máquinas que fornecem os alimentos e as bebidas passíveis de consumo no estabelecimento.

Pelo facto de o regime de segurança ser tão elevado no “redondo”, os reclusos em regime aberto voltado para o exterior são alojados em camaratas exteriores, no piso térreo do edifício autónomo fronteiro ao forte. Neste regime, os reclusos estão em contacto com a comunidade e trabalham, das 8h00 às 17h00, para instituições com protocolos com os Serviços Prisionais ou também no canil do estabelecimento prisional, situado dentro da propriedade. Fora do horário de trabalho, os reclusos devem permanecer dentro do perímetro da prisão.

O Estabelecimento Prisional de Monsanto não tem torres de vigilância. Possui vigias na cobertura do anel exterior, bem como ao nível térreo no edifício adjacente à

398 Termo usado no interior da prisão e que designa o portão em grade metálica que divide a zona prisional de outras áreas do estabelecimento.

139 prisão, que serve de portaria ao RAVE. Todo o recinto dispõe de videovigilância. Alguns dos anteriores espaços da prisão, como as oficinas, as lavandarias ou apoios, que existiam enquanto edifícios-satélite, foram relocalizados dentro do perímetro prisional fechado, lembrando um edifício concentracionário que se deseja auto-suficiente.

Fig. 4.07 A ‘revista’ aos reclusos e os pátios do Estabelecimento Prisional de Monsanto. Idem, p. 52, foto: Alexandre Azevedo. Fig. 4.08. O corredor de vigilância, a 15 metros de altura. Idem, p. 44, foto: Alexandre Azevedo.

No que diz respeito ao parlatório, os espaços para recluso e visitantes estão separados por um vidro, o que não permite o contacto físico entre os reclusos e os seus familiares de primeiro grau, pai ou mãe, cônjuge ou filhos. O número de visitas é no máximo de dois acompanhantes. O tempo da visita é de uma hora e os reclusos não recebem nenhum objecto ou bem proveniente do exterior. As visitas do advogado tendem a ocorrer no interior do “redondo”, nas salas onde também os educadores e os psicólogos recebem os reclusos. Nestas salas não existem as divisórias em vidro, pelo que o contacto é mais próximo. Desde 2008, os reclusos podem beneficiar de uma visita íntima mensal, excepto se estiverem a cumprir algum castigo. Nesta visita poderão manter contacto com o cônjuge, de foro íntimo e sexual.

A rotina na cadeia de máxima segurança de Monsanto é bastante rígida.O dia inicia-se dentro da prisão pelas 7h45, quando se dá a formatura dos guardas, a contagem dos reclusos, a recolha de petições e requerimentos para serem entregues ao director, a distribuição do pequeno-almoço e da medicação nas celas aos reclusos.

140 Nessa tarefa, o enfermeiro e a funcionária da cozinha são sempre acompanhados por guardas. 399

Às 9h00 iniciam-se as primeiras actividades dos reclusos e as idas ao pátio. O que se repete depois do almoço. Às 11h40 dá-se início à distribuição do almoço, depois de o director provar uma amostra do prato que será servido, de acordo com a ementa que é aprovada mensalmente. As refeições são servidas com talheres de plástico e sem bebida, já que a empresa encarregada de elaborar e distribuir as refeições não tem obrigação de a fornecer. Às 18h30 procede-se à distribuição do jantar, da medicação e do reforço (ceia). Às 22h00 é feita a última ronda às celas para a entrega de medicação aos reclusos. A partir dessa altura é a “hora do silêncio”, período em que a televisão tem de ter o volume baixo.400

O mesmo artigo da revista Sábado apresenta dez aspectos particulares da única cadeia portuguesa de máxima segurança, sem considerar a opinião dos reclusos, sobre o que para eles são “As duas faces de Monsanto”. Dos aspectos negativos de Monsanto destaca-se o isolamento, com os reclusos a passarem, todos os dias, 21 a 23 horas trancados na cela, e o desnudamento.401 São igualmente mencionadas as várias queixas de reclusos quanto ao facto de existir sempre um vidro entre o recluso e o visitante (familiar) e de só terem direito a uma visita por semana. Queixam-se também de na cela disciplinar não poderem ter acesso a uma televisão, nem a tabaco, e de haver pouca luz.

Inversamente, o mesmo artigo valoriza o conforto da acomodação das celas individuais no Estabelecimento Prisional de Monsanto. Curiosamente, o registo desta opinião foi feito por alguém que não é um recluso nesta prisão, o que demonstra que a percepção do espaço e das condições que esta oferece são entendidas de modo distinto pelos reclusos e por pessoas externas à prisão. Na verdade, de entre os temas

399

Idem, p. 44. 400 Idem, p. 44. 401

141 sistematicamente abordados pelos reclusos encontram-se o pouco conforto que oferece a prisão e as formas de isolamento a que os reclusos estão sujeitos.402

O artigo refere também como “menos más” as condições de higiene oferecidas, com uma instalação sanitária por cela, e o facto de os reclusos terem períodos de água quente para banhos. Outra das situações consideradas diz respeito à possibilidade da prática de actividades como o squash, o ioga, o futebol, a ida ao ginásio ou à biblioteca, o acesso às novas tecnologias, a um curso de artes e ao programa oficial Novas Oportunidades.

A comida é também referida como tendo melhorado a sua qualidade. Também o trabalho é mencionado como tendo a oferta de seis profissões, pelas quais os reclusos recebem uma remuneração simbólica. Por último, o artigo dá ênfase à possibilidade de os reclusos poderem receber visitas íntimas. Para esse efeito há duas celas, onde estes reclusos e os acompanhantes podem permanecer por três horas. As visitas íntimas não são uma condição exclusiva do EPM, integram-se no âmbito das medidas europeias implementadas nos estabelecimentos prisionais.

O regime de segurança no Estabelecimento Prisional de Monsanto, pelo carácter excepcional que possui, provoca, desde 2007, nos meios de comunicação e na opinião pública uma acesa discussão sendo qualificado como “pouco humano” ou “excessivamente securitista”, por nele serem consentidas arbitrariedades punitivas, a par da inexistência de condições mínimas para o seu pleno funcionamento. Essa discussão está presente nos jornais e na internet, onde surgem os mais variados relatos e manifestações de indignação de reclusos e advogados, dos seus familiares, mas também dos movimentos como a Amnistia Internacional, a Associação contra a Exclusão pelo Desenvolvimento (ACED) e a Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso

402 Para mitigar as formas de isolamento, o Estabelecimento Prisional de Monsanto permite o acesso à televisão, em canal aberto, se o aparelho for adquirido pelo recluso.

142 (APAR) ou ainda o Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes (CPT).403

Noutro comunicado da Associação contra a Exclusão pelo Desenvolvimento (ACED), redigido em 2012 e dirigido ao Ministério da Justiça e à Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça, são elencadas várias deficiências no funcionamento do Estabelecimento Prisional de Monsanto, como o excesso de tempo de encarceração, a ausência de actividades ocupacionais ou o facto de os presos permanecerem “uma [só] hora por dia a céu aberto num pátio sem condições”.404

Também num artigo do jornal Público, de 2013, é feita uma referência ao regime de segurança praticado na prisão de Monsanto:

Na prisão de alta segurança de Monsanto [o reclusos Carlos Santos] conta [ao jornal] que passava por uma revista completa que incluía despir-se, ser apalpado e abrir a boca.405

A tensão social latente no Estabelecimento Prisional de Monsanto deve-se ao efeito, recorrente, do uso de formas de repressão, em que

uma agência cria uma resposta defensiva do internado e, depois, aceita essa resposta como alvo para seu ataque seguinte. O indivíduo descobre que sua resposta protectora diante de um ataque ao eu falha na situação, não pode defender-se da forma usual […].406

Por outro lado, a tensão latente deve-se também à ausência de discussão pública sobre o motivo da aparente arbitrariedade do poder sobre os direitos dos reclusos e sobre a necessidade de Portugal ter recorrido à construção de uma prisão de máxima segurança. Sobre estes problemas, pronunciou-se João Paulo Gouveia, que, enquanto antigo director do Estabelecimento Prisional de Monsanto (2007), afirmou:

403 A Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e Tratamentos Degradantes ou Desumanos foi ratificadaem 1990 e o seu órgão de controlo, o Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e Tratamentos Degradantes ou Desumanos (CPT), é responsável pela visita às cadeias portuguesas e pela emissão de um relatório. “Sobrelotação, más condições nas prisões, falta de guardas, maus-tratos. Estes são os problemas apontados no relatório do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura (CPT), hoje publicado. O documento resulta da visita do CPT em fevereiro de 2012 (a oitava), com a delegação a passar por várias esquadras, prisões, hospitais psiquiátricos e uma casa de acolhimento de menores em risco.” Cf. Patrícia Jesus. “Críticas em relatório internacional”. Associação Sindical dos Juízes

Portugueses, 24 de abril de 2013. Acessível em: http://www.asjp.pt/2013/04/24/criticas-em-relatorio-

internacional/ (consultado em Dezembro 2016).

404

Cf. Bruno Falcão Cardoso. “A brutalidade nas prisões portuguesas”. A Folha. 22 de Fevereiro de 2013, disponível em: http://afolha.pt/noticias/brutalidade-prisoes-portuguesas, (consultado em Dezembro de 2016).

405

Cf. Joana Gorjão Henriques. “Cadeias vão ter mais visitas-surpresa”. Público, 10 de Fevereiro de 2013. Acessível em: http://www.publico.pt/portugal/jornal/cadeias-vao-ter-visitassurpresa-26036347, (consultado em Dezembro de 2016).

406

143 “[…] um sistema daqueles é muito limitador das capacidades mentais das pessoas. Um recluso chega a uma altura em que parece um autómato.”407

Outro aspecto importante do Estabelecimento Prisional de Monsanto, e que é factor determinante nas relações e controlo “dos circuitos de tensão” no interior do estabelecimento, é a situação dos profissionais e colaboradores. É a estes profissionais que compete a consolidação e a harmonização dos modelos e metodologias de intervenção no que compete ao tratamento penitenciário, à vigilância e à segurança, numa supervisão permanente. Estes funcionários sofrem de um enorme desgaste a nível psicológico, em virtude da responsabilidade inerente às suas funções e pela pressão diária a que estão sujeitos no seu exercício. O acompanhamento individual dos reclusos, do ponto de vista técnico, disciplinar, de segurança e familiar, entre outros, exige abordagens diferenciadas, com base nas características e perfil de cada um, obriga a mecanismos de permanente avaliação, de monitorização e de partilha de conhecimentos entre os vários profissionais e colaboradores, de modo a melhorar a qualidade na avaliação dos reclusos, na planificação da execução da pena e na garantia da estabilidade do meio prisional.