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Capítulo I. O princípio panóptico I 1 A “máquina de vigiar”

I.2. A influência e a incidência do panoptismo em Portugal

1.13. Vista aérea da prisão de

Saint-Gilles, Bruxelas. Google Earth.

Fig. 1.14. Alçado principal I e II da prisão Central de Leuven, 2012. Fig. 1.15. Vista aérea da prisão Central de Leuven. Google Earth.

50 [onde] fosse possível transformar o criminoso num homem novo, útil à sociedade, graças a uma rigorosa disciplina, ao trabalho, à oração e à instrução”.132

A implementação destas práticas radicava na ideia de um sistema assente numa nova ordem que visava garantir a higiene moral do recluso e da sociedade, de acordo com a correcção133 e a regeneração134 do prisioneiro, que reconduziria à sua integração numa sociedade produtiva. Esta demanda apresentava-se exigente, não só do ponto de vista teórico, mas também pelo enorme esforço, material e económico, na criação de infra-estruturas colocadas ao serviço do “bem comum”, à luz de teorias utilitaristas e positivistas, de uma modernidade em que o corpo do indivíduo é produtor de valor. Neste sentido, a sociedade pretende prevenir e corrigir qualquer forma de desvio a esta realidade produtiva (o ócio, a mendicidade, os vícios) que vê como sintomas de uma degeneração e de uma degradação social. Fá-lo, de forma activa, combatendo coercivamente todos os desvios, predominantemente através de políticas repressivas e introduzindo também o tema da reabilitação do delinquente pela reeducação e religião. Acções estas desenvolvidas num contexto social e ideológico assente sobre os princípios do humanismo cristão e da generosidade e participação cívica e filantrópica. Deste modo, compreende-se que estas medidas tivessem incidido predominantemente sobre as classes sociais mais baixas, origem, presumida, da esmagadora maioria dos criminosos. Para a mentalidade e ideologia burguesas, o estigma associado à pobreza e ao desprovimento de recursos económicos, à falta de educação e de formação, dava sentido à reeducação. Este processo regenerativo do criminoso ficaria a cargo do projecto penitenciário, através da educação e da religião, conduzindo à paz social, onde cada corpo se tornaria produtivo e inserido na engrenagem económica e social.

132

SANTOS, Op. cit., p. 18. 133

“A correspondência entre a utopia liberal e a prática punitiva fez-se através do conceito de «correcção». Este assentava no pressuposto, formalizado no contratualismo constitucional, de uma igualdade essencial entre todos os cidadãos, implicando que, após um período de expiação/disciplina, o criminoso voltaria, ‘reabilitado’, à sociedade.” (Idem, ibidem, p. 127).

134 “A regeneração tinha um carácter moral, mas só ocorreria num meio físico com boas condições de higiene e salubridade. Assim, o médico, como garante dessas condições, do bom estado de saúde dos presos e observador do seu estado de saúde mental, passaria a ocupar um lugar importante na nova instituição prisional. No limite, o sistema penal seria uma medicina das relações sociais […]”. (Idem,

51 Todavia, se do ponto de vista organizativo, como projecto e programa, o novo sistema penal e penitenciário rompeu de forma decisiva com a prática do Antigo Regime, os seus ganhos, pese embora os avanços sociais no que toca aos direitos humanos e às condições de vida dos reclusos, não foram de todo lineares, ainda que tenham sido objecto de propaganda no sentido de se constituírem como “prova de superioridade moral do liberalismo, relativamente ao Absolutismo”.135

Segundo autores como Michel Foucault (2007) e M. J. M. Santos (1999), esta alteração dos métodos e da aplicação da punição não consistiu necessariamente na sua mitigação. O que mudou foram os fundamentos básicos, os meios, o objecto da punição e os objectivos da mesma, pois “[…] o problema central resumia-se, afinal, a saber como é que o modelo coercivo, solitário, secreto, do poder de punir veio substituir o modelo cénico, expressivo, público.”136 Por isso, à melhoria das condições físicas e do espaço, e a uma menor punição do corpo através de castigos, acrescia, então, mais rigor, mais disciplina nos procedimentos, controlo normativo e a ritualização da pena. Uma prática que marca o sujeito e que procura a sua domesticação, “quebrando-o” ou tornando-o “dócil” (Foucault, 2007) pelas rotinas, pela privação social, desapropriando-o e segregando-o no cumprimento de pena por longo tempo, fazendo disparar os casos de loucura e de suicídio intramuros.137

Perante esta missão social de grande envergadura, o poder político e económico das novas sociedades liberais entendeu ser necessário criar um complexo que impedisse qualquer violação da estrutura física prisional, quer através de evasões, quer de invasões. Mas não só, pois o encarceramento pelo isolamento celular é paradigmático dessa intenção de segregação e de redução do efeito de “contágio social”, presente em toda e qualquer prisão desta época. Para esse fim, a forma dos muros e a espessura das paredes foi fulcral, investidos ora de uma ordem e de uma austeridade ao estilo neoclássico138 ora, noutros casos, de uma robustez e de um

135

Tiago Pires Marques. Crime e Castigo no Liberalismo em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte. 2005, p. 29.

136

Michel Foucault (2007), apud Tiago Pires Marques (Op. cit. p. 13). 137

De acordo com as ideias presentes no trabalho de P. Adriano (2010) e de T. P. Marques (2005, p. 105).

138

52 efeito castelar139 e decorativo próprio de uma linguagem neomedieval.140 Tudo isto a par dos mecanismos e dos instrumentos de vigilância panópticos desenvolvidos.

A situação portuguesa radicava ainda numa penalidade de cariz medieval e despótica, imbuída de referências do Antigo Regime e que remetia para as Ordenações Afonsinas.141 Estas ordenações contemplavam como punição os castigos corporais e de exposição, bem como a pena capital.

Com a Revolução Liberal Portuguesa, de 1820, procedeu-se a uma redefinição do Estado que respeitasse e fizesse respeitar a ideia de uma nova ordem social, assente no contrato social. A definição do novo papel do Estado passou pela assunção, nas determinações penais, da existência de desproporcionalidade nas penas aplicadas até esse momento, e as quais coube adequar aos novos tempos, o que se tornou efectivo nas Cortes Gerais Extraordinárias e nas Constituintes da Nação Portuguesa, em 1821.142

Do avanço legislativo verificado e do novo enquadramento penal, o país viu-se obrigado a proceder à melhoria, em qualidade e em número das cadeias, em virtude das más condições gerais das infra-estruturas em que se encontravam, de modo a que esses edifícios pudessem dar resposta às novas prerrogativas.143

139

ADRIANO, 2010, p. 37.

140 Estilo presentes, por exemplo, nos alçados da prisão de Saint-Gilles, em Bruxelas, ou de Leuven e ainda da Penitenciária de Lisboa.

141 Ordenações Afonsinas de 1446-47, posteriormente as Ordenações Manuelinas de 1521 e, por último, as Filipinas de 1603 que, com as Leis Extravagantes estarão em vigor até 1852, aquando do Código Penal e sendo finalmente substituídas em 1867 com a publicação do Código Civil (José Guardado Lopes. “Achegas para a histórias do Direito Penal Português”. Separata do Boletim do Ministério da Justiça, nº 430, Lisboa, 1995).

142

Nesse ano, o deputado Soares Franco questionou abertamente as condições da prisão do Limoeiro e propôs a construção de uma nova cadeia em Lisboa. Segundo ele, a prisão do Limoeiro estava tão sobrelotada e as suas condições eram tão depauperadas e deficientes que entendia, à luz do que acontecia no estrangeiro, que fosse efectuado um exame sobre as condições das cadeias do país. 143

Do diagnóstico levado a cabo pelas autoridades, apurou-se que algumas estruturas, ainda do Antigo Regime, haviam sido adaptadas e convertidas em presídios sem que oferecessem as mínimas condições de habitabilidade. Muitos destes espaços eram enxovias subterrâneas, frias e húmidas, com inadequada ventilação e luz, incapazes de garantir a higiene e a salubridade necessárias, onde a promiscuidade e sobrelotação dos espaços, das relações e dos usos, sem pavimentos ou segurança, tornavam o ar viciado (e contaminado) pelos “baldes” (usados por ausência de latrinas) e pelas latrinas. Outra situação

53 Nestes cárceres, os presos eram obrigados a partilhar as mesmas instalações, independentemente da idade ou características do delito, fossem sentenciados ou estivessem a aguardar pena. O único critério de separação de presos dizia respeito aos sexos. A visível promiscuidade, os danos físicos e morais causados aos presos nestas condições eram motivo bastante para degradar ainda mais a sua já frágil condição moral, sujeitos que estavam ao ócio e ao vício de uma “escola do crime”, a que acresciam os enormes riscos epidémicos e de propagação de doenças. Estas questões – da “insalubridade” e do “perigo de contágio” – constituíram a maior preocupação, no tocante às prisões, da Comissão de Saúde Pública (1821-1823). Uma preocupação que atingia uma dimensão moral e social.144

Porém, ainda que a situação das prisões no território não tenha sido esquecida, a difícil situação económica de Portugal, em 1822, obrigou a planeamento e redefinição, por força das restrições financeiras. Apesar dessa limitação, foram propostas reformas, procurou-se implementar a ideia de reabilitação e a melhoria das condições físicas das cadeias. Sem grandes alternativas económicas para fazer face à necessidade de infra-estruturas do país, considerou-se a conversão dos antigos conventos em prisões como uma situação vantajosa. Não sem que antes, independentemente da solução adoptada, se tenha procedido a uma intensa discussão, em variadas fases e por outros tantos intervenientes, sobre qual o sistema penitenciário a adoptar, à imagem do que aconteceu no estrangeiro. Apesar das tentativas de escolha, essas decisões não chegaram efectivamente a surgir, nunca ultrapassando o domínio do ensaio filantrópico. Estas dificuldades deveram-se também a circunstâncias associadas à indefinição no campo penal, onde se aguardava a elaboração do novo código civil e criminal. Neste âmbito, a implementação das reformas foi lenta e demorada no tempo, embora favorecida pelas alterações penais e penitenciárias verificadas no contexto internacional.

dramática que se vivia nestes presídios dizia respeito ao facto de os presos não estarem devidamente separados por critérios e categorias.

144

54 A este respeito, salienta-se a ligação de Bentham a Portugal com a circulação dos seus textos e cartas e abrindo a discussão em consequência da rejeição do modelo panóptico. Segundo Freire (2009), Bentham, entusiasmado

[…] com a oportunidade proporcionada pela revolução liberal de 1820, das mais precoces na Europa, estabelece contactos com destacados dirigentes, entre os quais Manuel Fernandes Tomás, e com as cortes, propondo a adopção das suas teorias constitucionais e políticas assentes no princípio da utilidade.145

No entanto, apesar dos estudos realizados e da mais que ampla verificação da necessidade de implementação de novas prisões em território nacional, o país, internamente, mantinha entraves quanto à questão prisional. Estes avanços e retrocessos perduraram até aos anos 60 e 70 do século XIX, e as medidas tomadas para resolver o problema foram avulsas e pontuais. A mais significativa, em 1840, disse respeito à intenção de construção da Penitenciária de Campolide, em Lisboa, e à possibilidade, nunca concretizada, de construção de outra, no Porto (segundo o sistema auburniano). Em 1852 foi aprovado o primeiro Código Penal Português, embora não ausente de críticas.

Desta altura datam os trabalhos de T. Souza Azevedo, com os seus relatórios no seguimento de viagens realizadas a Inglaterra, França, Bélgica e Suíça (1856-1857), nos quais propôs a introdução de um sistema penitenciário em grande escala e tentou desenvolver em Portugal a prisão celular. Da sua viagem a Inglaterra, salienta-se a visita a Pentonville, sobre a qual concebeu um detalhado parecer, salientando a sua dimensão, qualidade e capacidade total. Será a partir destes seus pareceres e da sua recolha de dados, fruto da observação directa, que será relançada a discussão sobre as vantagens do sistema de Philadelphia – ou Separate System (solitary) – a adoptar no contexto nacional. Segundo Sousa de Azevedo,

A prática do sistema filadelfiano de Pentonville era responsável por uma baixa taxa de alienados e de problemas de saúde física e mental, permitindo que a taxa de mortalidade desta penitenciária fosse uma das mais baixas de sempre. Estes resultados são consequência directa das excelentes condições sanitárias, da prática de trabalho celular, da instrução moral e religiosa e do exercício nos pátios isolados.146

145 FREIRE, 2009, pp. 34-35. 146

55 Outra das viagens mais relevantes e que surge mencionada no seu segundo relatório dizia respeito à prisão penitenciária central de Leuven. A análise das suas características, projectuais e arquitectónicas, foi fundamental, como referido, para o projecto de Lisboa.147

A 29 de Fevereiro de 1860 foi apresentada a Proposta de Lei Orgânica das Prisões e, em 1861, uma outra. Juntas, abriram caminho a uma terceira Lei Orgânica, mais tardia, encetada por Barjona de Freitas (Governo da Fusão, 1865-1868), de 27 de Janeiro de 1867, com um Projecto-lei de Reforma Penal e das Prisões, discutido e publicado a 1 de Julho de 1867.148 Nesta proposta ficou contemplada a abolição da pena capital para crimes civis, depois do Acto Adicional à Carta, de 1852, a ter abolido para os crimes políticos e de ter sido promulgado o primeiro Código Civil português. A mesma proposta previa ainda a implementação do sistema philadelfiano e a reforma prisional do país, contemplando a necessidade de educação (moral e religiosa) e o trabalho obrigatório (celular). Em virtude desta proposta, e para que pudesse ser posta em prática, era imprescindível que Portugal tivesse as estruturas e os edifícios que permitissem a sua aplicação, ficando a cargo do Estado a manutenção dos seus serviços essenciais, no que diz respeito às prisões centrais e penitenciárias (a projectar), ficando as prisões comarcãs a cargo do poder local.

Fig. 1.16 e 1.17. Planta da Penitenciária de Lisboa (EPL, 1885). Vista aérea do Estabelecimento Prisional de Lisboa. Google Earth, 2014.

Em 1864, por iniciativa governamental do ministério do Duque de Loulé (1804- 1875), desencadeou-se um processo que veio a culminar no estabelecimento de uma

147

Idem, ibidem.

148 Propostas de lei apresentadas à Câmara dos Senhores Deputados, em sessão de 27 de Janeiro, Imprensa Nacional, 1867. (MARQUES, Op. cit., p. 17).

56 penitenciária em Lisboa.149 Embora na década de 60 pareça desenhado o percurso e as intenções nacionais relativamente à questão prisional, as vicissitudes e os constrangimentos económicos e políticos do país levaram a uma complexa dinâmica de aparentes avanços e recuos. Esta dinâmica levou ainda a que, no ano de 1860, António Ayres de Gouveia desse parecer no sentido de preferir o projecto de Leuven ao de Pentonville, tomando as conclusões e as observações estabelecidas por Sousa de Azevedo. O parecer considerava ver sintetizadas no projecto dessa prisão as melhores soluções técnicas e a eficácia, dando como exemplo os avanços no sistema de ventilação e de aquecimento.

Foi a partir deste impulso que, entre 1873 e 1885, decorreu o desbloqueio de verbas e foi materializada a Penitenciária Central de Lisboa, estando previstas outras duas de menores dimensões no Porto, uma para homens e outra para mulheres (e ainda as cadeias distritais e comarcãs para a definição de um mapa prisional do país).150 A ausência dos devidos estabelecimentos, para aplicação e cumprimento das penas previstas após a lei de 1867, em cumprimento de pena celular, levou, em última instância, ao desrespeito e incumprimento das leis do próprio país.151 Apesar das limitações, foi neste período que se assistiu a uma progressiva consolidação das ideias no sentido da implementação de um sistema philadelphiano em Portugal, em detrimento do sistema de auburn, e a integração e participação de várias disciplinas autónomas e subsidiárias dos estudos penitenciários, que contribuíram para a questão

149 “Apesar das mais de duzentas cadeias em Portugal, nenhuma conseguia rivalizar com a sua monumentalidade e complexidade, nem mesmo as duas penitenciárias posteriormente edificadas em Coimbra e Santarém. De entre os vários espaços funcionalistas, a monumental capela central assume uma indubitável importância no contexto da arte portuguesa dos finais do século XIX. Estrategicamente localizada no centro de complexo penitenciário radial, a capela foi edificada com elevado luxo artístico, reunindo num mesmo espaço vários materiais e técnicas decorativas como o estuque, o ferro o vidro e o vitral, numa obra de contornos singulares a nível nacional.” (ADRIANO, 2010, p. 19)

150

“Por Lei de 24 de Abril de 1873 foi o Governo autorizado a mandar construir uma cadeia geral penitenciária no Distrito da relação de Lisboa, nos termos do artigo 28 da Lei de 1 de Julho de 1867. O projecto seria aprovado por Portaria de 2 de Julho desse ano e as obras iriam iniciar-se em Novembro seguinte. Porém, só em 2 de Setembro de 1885 entraria em funcionamento, executando-se, deste modo e pela primeira vez, nas cadeias civis o sistema de absoluta separação dos condenados entre si, sendo a cada um destinada uma cela em que tinham de habitar, especificando-se que os presos deveriam ter exercícios quotidianos de modo, porém, que não tivessem entre si comunicação alguma, nem pudessem conhecer-se. O sistema penitenciário escolhido foi o «philadelphiano» «temperado com as modificações que na Bélgica o tornaram viável».” (SANTOS, 1999, p. 64).

151

57 (Criminologia, Saúde Pública, Higienismo, etc.). Em 1884 e segundo M. J. M. Santos (1999):

[…] António de Azevedo Castelo Branco, nomeado Subdirector da Penitenciária de Lisboa, que entraria em funcionamento no ano seguinte, foi encarregado pelo Governo de visitar as cadeias de Lovaina (inaugurada em 1860/62) e Gand na Bélgica, as cadeias da Holanda, bem como a cadeia celular de Madrid, de que viria a resultar uma contribuição para os Estudos

penitenciarios e criminaes, publicados em 1888. As suas observações detalhadas sobre os

sistemas de funcionamento das prisões que visitou permitem avaliar a importância desta missão nas vésperas da introdução do regime celular em Portugal, até porque se mantinha em aberto, em termos internacionais, a discussão sobre o sistema penitenciário socialmente mais vantajoso.152

A Penitenciária Central de Lisboa recebeu os primeiros presos em Setembro de 1885 e mantem-se em funcionamento em 2018. Com uma planta radial, em estrela, com seis braços, manteve a estrutura de vigilância do panóptico radial, de acordo com os projectos de Pentonville e de Leuven. Também de acordo com o de Leuven, apresenta uma proeminente e muito simbólica capela, na zona central da rotunda. A Penitenciária do Porto nunca foi uma realidade. Em Coimbra (1888), também ainda em funcionamento, e em Santarém (1896), construíram-se duas penitenciárias menores que a de Lisboa, com plantas cruciformes e seguindo, grandemente, a referência de Lisboa.153 As três penitenciárias deviam servir para penas de reclusão de longo termo.154 Sobre as soluções nacionais apresentam-se as seguintes considerações:

1. A construção de raiz de edifícios penitenciários, um tipo completamente novo foi, no contexto do século XIX português, a materialização das intenções políticas e o assumir, com esforço, de um compromisso financeiro de modo a que o país conseguisse aplicar as políticas liberais, socialmente avançadas, já praticadas noutros países ocidentais.

2. Os três exemplos de penitenciárias panópticas de plantas radiais, em Portugal continental, seguem, com rigor, os princípios gerais do panóptico radial internacional, mormente o caso de Leuven, cujas orientações projectuais foram

152

SANTOS, Op. cit., pp. 63-64. 153

Estas três penitenciárias, casos únicos do panorama nacional, foram também visitadas em 2013. Cf. Relatório da Visita ao Estabelecimento Prisional de Coimbra e ao Ex-Estabelecimento Prisional de Santarém. Da visita ao Estabelecimento Prisional de Lisboa não se elaborou qualquer relatório na medida em que outros trabalhos de referência para este estudo já incidiam directamente sobre o EPL. Veja-se, AGAREZ E BANDEIRA (2005); VILLAVERDE (2008) e ADRIANO (2010).

154

58 fundamentais para a concretização do sistema penitenciário português. Tanto a penitenciária de Lisboa quanto a de Coimbra não diferem significativamente, em escala, dos exemplos internacionais. Mais importante, e de acordo com o que Ricardo Agarez e Filomena Bandeira (2005) afirmam:

[…] Lisboa, Coimbra e Santarém, [são] três aplicações do modelo de planta radial na arquitectura prisional portuguesa [que] partilham um traço comum […] como em poucos outros casos, estas construções constituem a transposição fiel de um princípio orgânico funcional para um mecanismo arquitectónico.155

Fig. 1.18 e 1.19. Vista aérea do Estabelecimento Prisional de Coimbra. Google Earth. Cúpula e clerestório do octógono.

De igual modo, foram adoptadas em Portugal linguagens estéticas e decorativas próximas às verificadas na Bélgica – não tanto ao caso holandês –, com claras manifestações do estilo neomedieval. Ainda assim, é de salientar o sentido depurado na interpretação nacional dos edifícios e da sua decoração e o aspecto global, que privilegia o parietal branco e a ritmada marcação das cantarias com uma expressividade que faz recordar, por vezes, a arquitectura religiosa nacional mais do que as equivalentes prisionais estrangeiras. A presença dos elementos neomedievais ocorre, maioritariamente, nos muros com a sucessão de ameias e merlões e nas pontuações decorativas de alguns vãos e guaritas de vigia. Deste modo, a leitura dos modelos e a influência dos projectos ingleses e belgas são evidentes nos relatórios, planos e edifícios em questão, não obstante o uso de uma linguagem plástica e uma interpretação do espaço, da luz e da materialidade demarcadamente de sentido