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3 SURGIMENTO DO MOVIMENTO SEM TERRA

4.5 O campo pressiona o Estado por educação

Com a criação do Setor de Educação do MST a luta pela escola e educação do campo, ganha uma característica orgânica e vinculada à luta pela terra, incluindo na pauta do Estado, a reivindicação de políticas públicas em comunidades onde se realiza a reforma agrária. Para dar consistência à luta pela educação do campo, o Movimento promoveu o 1º Encontro Nacional de Educadores na Reforma Agrária, – 1º ENERA – em julho de 1997 em Brasília, com a participação de mais de 700 educadores/as do campo de todo o país. Nesse mesmo ano foi feito o I Censo da Reforma Agrária no Brasil, onde se percebeu a baixa escolaridade dos

assentados e o alto grau de analfabetismo entre eles, “chegando a alguns estados a 70% e registrando uma média nacional de 43%” (PRONERA, 1998, p. 5).

O PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – foi um instrumento para responder às demandas sociais de educação dos assentados e acampados, numa parceria entre governo, universidades e os movimentos sociais, com o objetivo de desencadear um amplo processo para a Educação de Jovens e Adultos nos acampamento e assentamentos de reforma agrária. São realizados convênios com Universidades de vários estados, para ampliar a formação de educadores/as para Educação de Jovens e Adultos, devido à constatação da baixa escolaridade e o alto índice de analfabetismo dos acampados e assentados, sendo no norte e nordeste do Brasil, acentuado o problema.

No 1º ENERA, em 1997, foi lançado um desafio às organizações sociais do campo, pensar uma educação pública a partir do meio rural: “levando em conta o seu contexto em termos de sua cultura específica, quanto à maneira de conceber o tempo, o espaço, o meio ambiente e quanto ao modo de viver, de organizar a família e o trabalho” (Articulação Paranaense, Caderno 2, 2000). O Encontro dissemina a discussão entre as organizações camponesas sobre como instituir essa educação no e do campo. É aberto um processo de Conferências, patrocinadas pelo UNICEF, UNESCO, CNBB, UNB e MST e, em setembro de 1998, foi aberta a 1ª Conferência Nacional com o tema: “Por uma Educação Básica do Campo”, em Luziânia, Goiás, com 974 participantes.

O Estado pressionado pelas mobilizações de trabalhadores/as sem terra de todas as idades, percebe que é preciso discutir a Educação no e do Campo e abrir uma válvula de escape para a alfabetização dessa população rural organizada em movimentos sociais, que possui pouca ou nenhuma escolarização. De acordo com a pesquisa realizada em 1997 sobre o analfabetismo dentro dos acampamentos e assentamentos da reforma agrária.

No entanto, se hoje o olhar das autoridades se volta para a educação básica do campo, é porque os movimentos sociais pela sua atuação e pressão no cenário político nacional, reivindicam políticas públicas voltadas a satisfazer as necessidades dessas populações, exigem uma nova educação no e do Campo, que está inscrita no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – em seu artigo 53: “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e preparo

para o trabalho” e o inciso V assegura-lhes: “acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência”. Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB-EN – nº 9394/96, “Art. 28. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região”. A Constituição Federal de 1988 trata da Educação do artigo 205 ao artigo 214 e, nas “Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo”, de 2001. Apesar da intensa mobilização nacional dos movimentos sociais, não são todos os Estados da Federação que valorizam a educação do campo, destinando verbas e apoiando políticas públicas nesse sentido. As autoridades fazem pouco caso da educação pública, de modo geral, sendo a educação do campo ainda mais desprestigiada pelas autoridades brasileiras.

No período de 1997 a 2004 aconteceu a espacialização da Educação do Campo através de diversos movimentos e organizações. A criação de cursos novos e a difusão do referencial teórico nas escolas geraram experiências que foram desdobradas em reflexões, estudos e pesquisas. Nesse processo foram envolvidos outros movimentos camponeses, como o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC). A relação com instituições públicas foi ampliada por meio de parcerias com universidades federais, estaduais e comunitárias de todas as regiões (FERNANDES E MOLINA, 2004, p. 65/66).

As “Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo”, aprovadas no Conselho Nacional de Educação – CNE – só saiu do papel e se tornou lei, porque o movimento social por meio de mobilizações pressionou o estado, expondo as contradições de suas escolas que apesar de precisarem de infra-estrutura, material didático/pedagógico e serem regulamentadas, estão exigindo políticas públicas e uma educação pública de qualidade no e do campo. As “Diretrizes” denunciam que a Educação rural, só foi incluída na Constituição Brasileira de 1934.

No Brasil, todas as constituições contemplaram a educação escolar, merecendo especial destaque a abrangência do tratamento que foi dado ao tema a partir de 1934. Até então, em que pese o Brasil ter sido considerado um país de origem eminentemente agrária, a educação rural não foi sequer mencionada nos textos constitucionais de 1824 e 1891, evidenciando-se, de um lado, o descaso dos

dirigentes com a educação do campo e, do outro, os resquícios de matrizes culturais vinculadas a uma economia agrária apoiada no latifúndio e no trabalho escravo. (PARECER nº 36/2001, p. 3)16. Mesmo assim, o campo sempre foi tratado do ponto de vista do capital e olhar urbano (ARROYO, 2005).

Quando o MST transforma o trabalhador rural e o excluído da periferia da cidade em cidadão, proporcionando-lhes a conquista da cidadania no processo de participação no espaço público, por meio das lutas contra o latifúndio e o Estado capitalista. A participação em uma organização política que conscientiza o sujeito Sem Terra, forjando um novo ser social na participação da luta cotidiana pela reforma agrária, onde aprende a ter autoestima e se valorizar porque se descobre um lutador do povo, um militante social da luta por transformação social. Nessa confecção do homem novo, aparece a Escola Itinerante como instrumento importante dentro dos princípios democráticos, da ética e da moral da classe trabalhadora, defendidos pelo MST no processo de luta por educação e emancipação humana.

Como diz Eldilvani (22/08/09), discorrendo sobre o início das aulas de 5ª a 8ª série e o Ensino Médio dentro do acampamento Maila Sabrina, em março de 2008:

É um direito nosso ter educação aqui no campo e do campo, teremos de espernear muito para garantir a organicidade física e pedagógica [...] uma coisa é trazer a escola aqui dentro, outra é acompanhar esses professores, dar assistência, aprender com eles, fazer com que eles aprendam conosco (ELDILVANI MARCELITO).

A busca do bem-estar social, da dignidade humana e da socialização dos excluídos nos acampamentos do MST se processam pela participação nas lutas travadas por famílias em busca de terra para trabalhar, educação e o envolvimento efetivo na organização prática e política do acampamento. Sendo fundamental a participação em alguma instância de trabalho, setor, coletivo, surgido dessa prática social da pedagogia do Movimento, que é educativa ao constituir um novo sujeito na luta coletiva contra o latifúndio e o

16 MINISTERIO DA EDUCAÇÃO. Parecer nº 36/2001. “Diretrizes Operacionais para a Educação

Básica nas Escolas do Campo”. Soares, Edla de Araújo Lira. Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. 4/12/2001.

capitalismo, que entende a conjuntura política em que está inserido e aprende a gostar das coisas do campo, se tornando sujeito sem terra na luta por reforma agrária e o socialismo.

A história do MST é a história de uma grande obra educativa. Se recuperarmos a concepção de educação como formação humana, é sua prática que encontramos no MST desde que foi criado: a transformação dos ‘desgarrados da terra’ e dos ‘pobres de tudo’ em cidadãos, dispostos a lutar por um lugar digno na história. É também educação o que podemos ver em cada uma das ações que constituem o cotidiano de formação da identidade dos sem terra do MST. (MST, 2001).