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5 REGISTRO HISTÓRICO DA ESCOLA ITINERANTE CAMINHOS DO SABER

5.4 A criança estuda e trabalha

Na Escola Itinerante a criança participa da vida comunitária. Desde cedo, têm atividades relacionadas com o trabalho, como diz Damasceno (2008), o cuidado com a criança é de responsabilidade, fora da sala de aula, dos pais e de toda a coletividade. Assim, o papel que a Escola Itinerante desempenha na Educação do Campo na luta por reforma agrária, é fundamental na formação do sujeito Sem Terra, que aprende a desenvolver a noção de pertencimento ao Movimento, ao se envolver nas lutas coletivas proporcionadas pelo MST e nos mutirões de construção das salas de aulas; onde a participação das crianças e dos jovens nesses mutirões foi e é fundamental para sua execução. ´´E assim que tomam gosto pela escola como algo seu. Como diz Damasceno:

É importante que a criança desde pequena estude e trabalhe, tendo seu olhar voltado para os interesses da comunidade. Primeiro de ajudar a preservar a cultura camponesa e segundo de fazer com que as crianças se interessem e ajudem a construir o meio aonde vivem. Ajude a construir a escola, fazer a horta comunitária que reforça a merenda escolar, contribua na construção do parque infantil para o lazer e onde as crianças se sintam parte integrante daquilo, pois foram elas que construíram. (2008).

O caráter desse trabalho das crianças é um recurso educativo, que não assume compromisso de produção para subsistência. Como nas reuniões dos núcleos de base, participa toda a família, a criança a partir dos 6, 7 anos, tem o direito de opinar nas reuniões, sobre seus direitos, elogiar o que está certo e criticar o que está errado, se estão satisfeitas com as atividades da escola ou do acampamento, se estão contentes ou descontentes com alguma situação. Assim as crianças interagem na comunidade. Discute-se tudo e, desde cedo, as crianças falam e defendem seus interesses nas discussões de negociação tanto no acampamento, como nas rodadas de reivindicações por mais recursos para a educação com os representantes estatais, por materiais didático-pedagógicos, de apoio e, na defesa de seus direitos escolares e políticos, assim como a reivindicação do assentamento de suas famílias pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. Como diz a professora Marilda:

Trabalhamos a partir da realidade da criança, envolvendo de um modo geral os temas locais da nossa luta e da atualidade, fazemos isso através do debate, discutindo com as crianças os problemas do acampamento, do Brasil e do Movimento. As crianças não têm de saber apenas o que se passa aqui dentro do acampamento e o que aprendem com as matérias didáticas nas salas de aulas, elas precisam saber o que se passa lá fora, é preciso ter uma visão geral do país, do mundo e encontramos muitas dificuldades, porque para o acampamento vem a parte excluída da sociedade. (2007).

Ao escolarizar as crianças e alfabetizar jovens e adultos a escola contribui para que essas pessoas participem das discussões, aprendam na prática a enfrentar os problemas políticos que acontecem no acampamento, possibilitando sua transformação cultural, política e ideológica, pois sua realidade de luta é relacionada à sua prática escolar, é uma criança que participa das atividades coletivas, discute agroecologia, política e tem na Pedagogia do Movimento o motor para tornar-se sujeita do processo histórico.

As crianças vêm todos os dias para a escola questionando a assembléia, a reunião do núcleo, então não tem como separar a vida escolar da vida da comunidade. Nos encontros e mobilizações quando nos sentamos à mesa com Governador, Secretário de Educação estadual ou municipal, quem negocia são as crianças, quem pauta as necessidades são elas e isso se deve à formação que recebem. Elas sabem seus direitos não só de terra, mas de educação, estudam o ECA. Por isso, lutamos por Ensino Fundamental completo e Ensino Médio aqui dentro do acampamento, pois os outros jovens que não estudam aqui, talvez não tenham uma idéia tão boa do Movimento, não se envolvam em atividades aqui dentro do acampamento, não contribuem muito nas tarefas, não dão muita importância ao acampamento e à vida aqui dentro. Já as crianças escolarizadas aqui, se preocupam mais com o Movimento, com o acampamento, com tudo e isso é importante para as crianças terem uma educação voltada para sua emancipação. (ELDILVANI, 2008).

As crianças e jovens escolarizados nos acampamentos, como são membros ativos e participantes da luta pela reforma agrária, vão adquirindo autoestima positiva, em oposição à vida que levavam nas favelas da periferia, inclusive, em relação àquelas crianças sem terra que estudam na cidade e sofrem vários tipos de preconceitos e estigmas. Como são crianças que tem voz e voto nas assembléias, elas sentem-se mais valorizadas e reconhecidas por serem parte do acampamento e da luta de seus pais por uma vida digna, adquirem orgulho de ser sem terra, conhecem e sabem falar de seus símbolos, sabem cantar seu hino e suas

músicas, criam e participam da mística na escola e no acampamento e se dizem “Sem Terrinha”, pertencentes ao Movimento. Por isso, que em suas jornadas de luta de outubro, em homenagem ao dias das crianças, são elas que se sentam à mesa com Secretários municipais e estaduais, para reivindicar seus interesses educacionais.

A vida e a educação no campo, na luta pela reforma agrária, são diferentes da cidade. A Escola Itinerante ao ser organizada, começa a funcionar mesmo sem salas, não importa o local físico, a escola acontece em qualquer situação, basta ter educando/a e educador/a, que se organiza a Escola que itinera junto com as famílias dos trabalhadores na luta pela conquista do espaço público. Uma escola no Campo e do Campo, que discute as contradições sociais na sala de aula e a história do ponto de vista da classe trabalhadora.

Aprendemos que o processo de formação humana vivenciado pela coletividade Sem Terra em luta, é a grande matriz para pensar uma educação centrada no desenvolvimento do ser humano, e preocupada com a formação de sujeitos da transformação social e da luta permanente por dignidade, justiça e felicidade. (MST, 2004, p.). Uma das transformações mais visíveis aparece na disposição das carteiras nas salas de aulas, que não ficam umas atrás das outras, mas encostadas à parede, alinhadas em formato de ferradura ou em círculo, onde as crianças aprendem olhando uma no olho da outra e não na nuca da outra; como diz Damasceno (2008). Aprendem a discutir, conversar, dialogar com liberdade, o que segundo Eldilvani é uma tentativa de fazer uma educação diferente,

Talvez a estrutura da sala seja pouca coisa, mas para nós representa muito. Você conseguir montar uma estrutura em círculo, em semicírculo, colocar os educandos de frente um para o outro e não um atrás do outro, não em fila. Criticamos tudo na escola tradicional, muita coisa a gente repete, muita coisa a gente tenta criar novo e esta é uma tentativa de fazer as crianças se escolarizarem diferente. (ELDILVANI, 2008).