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Capítulo 1: Canções e Poemas de Bob Dylan

1.17 Canções e poemas

O ano de 1964 foi de mudanças significativas para Bob Dylan. Em fevereiro desse ano foi lançado o álbum The Times They Are a-Changing. A canção-título − em que se pode detectar a influência do texto bíblico de Marcos, 10:31: “Mas muitos que são os primeiros, serão os últimos, e os últimos, primeiros” (SHELTON, 2011, p 303), nos versos “For the loser

now/Will later to win”, “And the first one now/Will later be last” − também se tornaria uma

das vozes da contracultura:

Um resumo da atmosfera dos anos 1960. Desta vez, sem perguntas cautelosas, e sim uma voz profética trombeteando uma ordem que mudava. A música foi gravada inúmeras vezes e traduzida para sérvio, francês, hebraico e outras línguas. O imaginário é primitivo, familiar: uma enchente, a roda incessante do destino, uma passagem bloqueada, uma estrada em mudança. Embora a canção pudesse ser tocada sobre imagens filmadas em Praga, Paris, Chicago e Berkeley, é também um diálogo atemporal entre aqueles refreados pelos velhos modos e aqueles que ousam fazer algo novo (SHELTON, 2011, p 303).

Na contracapa e num encarte de The Times They Are a-Changing, Dylan publicou seus “11 Outlined Epitaphs”, onze poemas em prosa falando de mortes diversas, de fatos, lugares e

coisas que “morreram”, sobre a morte de outras pessoas, sobre questionamentos seus, como se estivesse fazendo uma análise de seus primeiros tempos de fama e de aspectos positivos e negativos que esses primeiros dias de sucesso trouxeram. É inegável o fato de que Bob Dylan abraçara a música e a poesia, e queria imprimir as duas juntas em sua arte. Ele passaria a explorar outras vozes criativas que possuía dentro de si; e, como sempre, sem se preocupar se o resultado iria agradar a todos ou não.

Marshall (2008, p. 105/106) destaca o fato de que, no começo dos anos 1960, os álbuns passaram a ter papel muito mais autoral na indústria da música (especialmente no

rock), e passaram a ser associados a públicos mais adultos, pois eram destinados a eles.

Marshall considera que Dylan teve um papel central na definição de álbuns como trabalhos autorais e nessa evolução do álbum no universo da música popular.

Figura 3: capa do álbum The Times They Are A-Changin’

Figura 4: contracapa do álbum The Times They Are A-Changin’ Disponível em: <https://www.selo180.com/vinil/bob-dylan-the-times-they-are-a-changin-lp/>.Acesso

em:26.dez.2019.

O álbum seguinte, Another Side of Bob Dylan, foi gravado após uma viagem que Dylan fez à Europa em 1964, na qual esteve em Londres, Paris e na Grécia. Em junho daquele ano, Dylan gravou 11 canções e escreveu poemas para a capa do disco. A gravadora pretendia lançar um disco ao vivo, chegando até a produzir material visual para esse trabalho, mas acabou cancelando essa produção (SHELTON, 2011, p. 313).

Figura 5:capa do álbum Another Side of Bob Dylan

Bob Dylan possui um método de gravação de estúdio tipicamente seu (como aliás, acontece com outros aspectos de sua vida), evitando fazer diversas repetições. Em seus primeiros álbuns, principalmente, ele não gravou várias vezes a mesma canção, realizando em alguns casos uma única gravação. Nos primeiros anos de sua carreira, durante os quais compôs com bastante frequência, gravou com certa rapidez. No caso de Another Side of Bob

Dylan, gravou onze músicas em dois dias. Nesse álbum, a poesia musical de Dylan se

mostrou mais subjetiva, o que ocasionou críticas (com as quais aprenderia a viver), mas também canções que estão entre as mais conhecidas de sua obra: “Chimes of Freedom”, “All I Really Want To Do”, “My Back Pages”, “It Ain’t Me, Babe”. Também se destaca “Ballad in Plain D”, que remete ao fim de seu relacionamento com Suze Rotolo, após uma briga entre Dylan e a irmã dela. A separação dos dois aconteceu em março de 1964 (SHELTON, 2011, p. 317). Segundo Heylin (1995, p. 30), Dylan chegou a realizar uma gravação de “Mr. Tambourine Man”, que não foi incluída no álbum.

Também em 1964, Bob Dylan e seus amigos Peter Karman, Victor Malmudes e Paul Clayton partiram para a estrada e visitaram o poeta Carl Sandburg em sua casa. Sandburg não tinha ouvido falar de Bob Dylan. Ele entregou ao poeta cópias de álbuns seus (SHELTON, 2011, p. 339-344). O encontro foi um pouco frustrante para o jovem compositor, mas ajudou- o a ter uma dimensão maior da realidade que envolvia seu sucesso. Eles seguiram viagem e chegaram a Nova Orleans em pleno Mardi Gras. Beberam, divertiram-se, tentaram entrar em um bar de brancos acompanhados de um amigo negro, mas não conseguiram. Passaram também por Dallas, onde Kennedy tinha sido assassinado havia meses. Passaram pelo Colorado (no local onde ocorrera o massacre aos mineradores grevistas de Ludlow, em 1914), atravessaram as Montanhas Rochosas durante uma nevasca, chegaram a São Francisco e depois se dirigiram à casa de Joan Baez em Carmel. Nesse ano, Dylan foi novamente à Inglaterra, em maio, para realizar apresentações em TV e teatro. Tocou no Royal Festival Hall para uma plateia lotada e ansiosa para chegar perto dele (SHELTON, 2011, p. 344-354).

Em 1964 e 1965, Dylan escreveu muitas canções em Woodstock, na casa de Grossman e de outros amigos. E 1965 viria a ser um ano de grande importância para sua carreira. Ele lançou nesse ano dois de seus mais significativos álbuns: Bringing It All Back Home e

Highway 61 Revisited. As letras das canções desses trabalhos, dotadas em sua maioria de

extensão e complexidade raramente vistas até então, representaram uma significativa mudança no rock and roll:

oral, tradição folk e experimentação roqueira. Para que direção Dylan seguia agora em 1965? Acredito que os mapas dele apontavam para três conceitos estéticos e filosóficos: a exploração do grotesco e do absurdo na arte; o existencialismo; e sonhos e alucinações como espelhos da consciência (SHELTON, 2011, p 375).

A poesia-canção de Dylan expandiu-se para abordar temas existencialistas, um “existencialismo das ruas que vinha menos do pensamento organizado do que da reação emocional” (SHELTON, 2011, p. 377). Podemos considerar que Dylan acrescentou à consciência política que possuía uma consciência filosófica. Obviamente foi recusado pelos que esperavam que devesse compor e cantar apenas canções folk, mas foi aceito pelos que estavam abertos a novas experiências, sobretudo na arte. E estamos falando de meados dos anos 1960, quando a descoberta das drogas alucinógenas tomava grande impulso na sociedade, especialmente na sociedade americana e na europeia.

Bringing It All Back Home e Highway 61 Revisited possuem canções que estão entre

as mais importantes da obra de Bob Dylan: “Subterranean Homesick Blues”, “Maggies’s Farm”, “Mr. Tambourine Man” (que integra nosso corpus), “It’s All Right Ma, (I’m Only Bleeding)”, “It’s All Over Now, Baby Blue”, “Like a Rolling Stone”, “Tombstone Blues”, “Highway 61 Revisited”, “The Ballad of a Thin Man”, “Positively 4th Street”, “Desolation Row”. Shelton comenta detalhes da capa de Bringing It All Back Home que expressam em termos visuais a atmosfera de experimentação:

A fotografia da capa, de Daniel Kramer, é um estudo sobre símbolos. Dylan acaricia seu gato – chamado Rolling Stone. Ao fundo, álbuns de Ric Von Schimdt, Lotte Lenya, Robert Johnson, The Impressions. Mais ao fundo, seu último álbum. A bela mulher é Sally Grossman, esposa de Albert. Ao redor, uma placa de abrigo nuclear, uma cópia da revista Time, um retrato do século 19. Ligeiramente à esquerda do centro da lareira está a colagem “The Clown”, feita por Dylan para Bernard Paturel a partir de cacos de vidro que o amigo estava prestes a jogar fora. Na contracapa, outras fotografias oferecem lampejos da vida do cantor: Joan brinca com uma gaita de Dylan: Peter Yarrow coça a cabeça olhando para gendarmes enquanto Dylan aparentemente embarca no Expresso do Oriente; um Allen Ginsberg sereno aparece de cartola e gravata; Dylan toca um teclado no estúdio; a cineasta Barbara Rubin acaricia a cabeça do mestre; usando uma cartola e sorrindo como um Chapeleiro Maluco, Dylan encontra alguns fãs. (SHELTON, 2011, p 380)

Figura 6: capa do álbum Bringing It All Back Home Disponível em: <

https://www.last.fm/pt/music/Bob+Dylan/Bringing+It+All+Back+Home/+images/a40d4c6f854242398a7c53e06 7e450a6>.Acesso em:26.dez.2019.

“Like a Rolling Stone”, que se tornaria uma das canções mais importante de Dylan, foi composta, segundo palavras do próprio Dylan, “como um vômito” (HEYLIN, 1995, p. 38). Martin Scorsese dirigiu um documentário sobre esse período da carreira, que chamou de No

Direction Home, parte de um dos versos da canção. Anteriormente, Robert Shelton tinha dado

esse título à biografia de Dylan escrita por ele.

Figura 7: capa do álbum Highway 61 Revisited Disponível em: <

https://www.last.fm/pt/music/Bob+Dylan/Highway+61+Revisited/+images/b90da6782b7b4f0fbaa10bd41ae0279 6>.Acesso em:26.dez.2019.

No livro Like a Rolling Stone:Bob Dylan na Encruzilhada, Greil Marcus (2010) faz uma apreciação crítica (e em prosa poética) sobre o contexto “dylanesco” da canção, retratando aspectos do “antes”, “durante” e “depois” da canção. Para Marcus (2010, p. 21), o momento em que “Like a Rolling Stone” foi lançada e atingiu o público, foi o “momento que despiu Bob Dylan de suas roupas de cantor folk”. Marcus (2010, p. 113) ressalta o fato de Dylan evitar o uso de gírias e “neologismos datados”, que poderiam ter duração passageira e comprometer a compreensão de suas canções. O autor comenta o contexto de produção da canção, estrofe por estrofe, comentando a atuação de todos os músicos que participaram e dos

dois produtores responsáveis pela obra, Tom Wilson e Bob Johnston. Marcus (2010, p. 120/1) comenta também que duas canções teriam influenciado Dylan ao compor essa canção: “Lost Highway”, de Hank Williams”, de 1949; e “Rolling Stone”, de Muddy Waters, de 1950. Marcus (2010, p. 142) comenta que a canção, com cerca de seis minutos de duração, era longa demais para ser tocada na íntegra nas emissoras de rádios, mas elas acabaram cedendo e tocando toda a canção. Além disso, a reação de outros produtores e músicos ao sucesso da canção fora, a princípio, de um certo temor de que “Like a Rolling Stone” fosse redefinir padrões de composição e de letra (MARCUS, 2010, p. 143). Assim como “Mr. Tambourine Man”, de nosso corpus, “Like a Rolling Stone” também teve uma gravação feita por outros músicos em que parte de sua letra foi omitida. O grupo “The Turtles”, em seu álbum de estreia, em 1965 (assim como o grupo The Byrds) gravaram a canção sem duas estrofes (MARCUS, 2010, p. 143).