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Década de 1970: batalhas musicais, sociais e pessoais

Capítulo 1: Canções e Poemas de Bob Dylan

1.20 Década de 1970: batalhas musicais, sociais e pessoais

Na década de 1970, Bob Dylan enfrentou dilemas pessoais e profissionais, recebeu elogios e críticas; como sempre aconteceu ao longo de sua carreira, mas a década começou sorrindo para ele. Em 9 de junho de 1970 recebeu da Universidade de Princeton o título de

Doutor Honoris Causa em música (HEYLIN, 1988, p.123).

Bob Dylan visitou Israel em maio de 1971. Tentou fazê-lo da maneira mais discreta possível, mas foi fotografado enquanto visitava o Muro das Lamentações (SHELTON, 2011, p. 567). Também visitou um Kibutz, e ficou bastante impressionado pelo modo de vida das pessoas naquele lugar. Tinha retomado os laços com a comunidade judaica, mas não perdera de vista a política. Tocou no Concerto para Bangladesh, em 1º. de agosto de 1971, do qual também participaram George Harrison, Ringo Starr, Eric Clapton e vários outros grandes músicos (SHELTON, 2011, p. 570). O concerto foi gravado e filmado. Um álbum triplo do concerto foi lançado em 1972. Shelton (2011, p. 578) comenta sobre o conflito e o concerto:

No início de 1971, durante a guerra em Bangladesh, milhões de refugiados famintos seguiam do Paquistão Oriental para a Índia. O Exército indiano estava mobilizado para entrar em combate com o Paquistão Ocidental, e então teve início uma campanha global de ajuda aos refugiados. O indiano Ravi Shankar, mestre da cítara e intérprete de ragas, falou com seu pupilo George Harrison, que entrou em ação. (SHELTON, 2011, p. 578)

Em 1970, Bob Dylan lançou o álbum Self Portrait (HEYLIN, 1994, p. 77). Como acontecera com outros álbuns, as opiniões foram divididas, mas o público acolheu e aceitou o álbum duplo, que foi sucesso de vendas e chegou ao topo das paradas:

Self Portrait contém 24 faixas, 14 de Dylan. Três dessas são basicamente

instrumentais, por isso muita gente sentiu-se explorada por comprar um álbum duplo. Quatro faixas foram gravadas nas sessões da Ilha de Wight com a The Band; as outras foram gravadas em Nova York e Nashville. Self Portrait, um elaborado trabalho de produção, contou com uma equipe de 50 músicos e cantores; cordas, metais, conjuntos vocais femininos. Alguns chamaram o resultado final de “música suave” ou “meio termo”. Outros sustentaram que o álbum foi uma piada, uma manobra cínica de Dylan para testar seu poder. (SHELTON, 2011, p. 574)

Dylan defendeu o disco de seus críticos, dizendo que era seu “próprio disco pirata” (SHELTON, 2011, p. 575). Um dos que criticaram duramente o álbum foi Greil Marcus, um dos autores que analisam a obra de Dylan. Em artigo publicado na revista Rolling Stone, Marcus expressa indignação e incompreensão da natureza do disco. Dylan disse ainda, sobre

Self Portrait, que sua intenção era fazer com que deixasse de receber o tipo de atenção que

estava recebendo (MARSHALL, 2008, p.139/140). Provavelmente a declaração seja questionável, mas era verdadeiro o fato de que Dylan queria deixar de ser visto como uma voz importante em termos políticos.

Figura 12: capa do álbum Self Portrait

Também em 1970, Bob Dylan lançou o álbum New Morning (HEYLIN, 1994, p. 83), do qual destacamos “If Not For You” e “Father of Night”, em tom de prece. Foi bem recebido pela crítica.

Figura 13: capa do álbum New Morning

Disponível em: <https://www.galeriamusical.com.br/resenhas.php?url=713-bob-dylan-new-morning>.Acesso em:26.dez.2019.

No começo dos anos 1970, Dylan participou das gravações de diversos músicos norte- americanos e assistiu a diversos shows de amigos e conhecidos do showbiz. Como nem sempre queria atrair atenção para si, fez gravações com amigos músicos utilizando pseudônimos. Algumas dessas gravações foram feitas num estúdio montado por ele perto de sua casa no Village (SHELTON, 2011, p. 580-3).

No final de 1972, Bob Dylan fez uma participação no filme Pat Garrett and Billy the

Kid, dirigido por Sam Peckinpah e estrelado por James Coburn e Kris Kristofferson; filmado

no México:

A morte está em suspensão sobre os tons de entardecer do filme. Pouco acontece e pouco é dito, mas Pat Garrett é um clássico do faroeste, centrado no confronto entre Billy e seu amigo transformado em homem da lei, Pat Garrett. Peckinpah infere que os profundos laços de amizade da dupla equilibram a necessidade de destruir e ser destruído. Dylan faz o papel de um bobo da corte moderno, um jovem assistente de tipógrafo que segue e ajuda Billy. Dylan proporciona alívios cômicos para um filme grave. “Qual é o seu nome?”, pergunta Garrett, e ele responde: “Essa é uma boa pergunta”. Depois ele diz que seu nome é Alias [alcunha], “Alias qualquer coisa que você quiser”. (SHELTON, 2011, p. 585)

Em junho de 1974, Dylan participou de um evento no Felt Forum de Nova York, realizado em apoio a refugiados chilenos que fugiam da ditadura militar chilena. Dylan deu apoio à viúva de Victor Jara, compositor chileno que morreu após ser cruelmente torturado (SHELTON, 2011, p. 571).

Em 1973, foi lançado o álbum Dylan, montado a partir de sobras de estúdio das gravações de Self Portrait e New Morning (SHELTON, 2011, p. 588). E em 1974, Bob Dylan realizou uma turnê, a primeira depois de cerca de sete anos, em que ele e The Band tocaram juntos. Iniciava-se mais uma fase de sua carreira. O anseio dos fãs era tão grande que ocorreram “inícios de tumultos em agências do correio (já que os ingressos podiam ser comprados por reembolso postal)” (SHELTON, 2011, p. 589). Nos shows, Dylan cantou canções novas e antigas, dando-lhes uma nova interpretação, pois seu estilo de cantar havia mudado:

O estilo do vocal de Dylan durante a turnê envolveu uma remodelação de melodias, andamentos, ênfases. Essa mudança consciente mas inquietante na forma de cantar desorientou alguns, que a atribuíram ao nervosismo de estar no palco. [...] Muitos críticos da turnê fizeram referência ao nervosismo dele no palco, mas ele irradiava confiança na entrevista à Newsweek: “Eu distribuo uma dose pesada – como penicilina. As pessoas não precisam se preocupar se Dylan as está enrolando. Se funcionar, funcionou. Se não gostarem, não precisam experimentar a dose outra vez [...] muito nervosismo se foi. Eu costumava ficar nervoso o tempo todo antes de subir ao palco”. (SHELTON, 2011, p. 592)

Aos trinta e poucos anos, ele já havia possuía experiência como compositor e como intérprete, o bastante para poder explorar os contornos de sua própria voz, o que tem feito ao longo de sua carreira. Suas interpretações de uma mesma canção geralmente não são iguais, e nem têm estreita semelhança com a gravação em álbum.

Figura 14: capa do álbum Dylan

Disponível em: <https://www.discogs.com/pt_BR/dylan/release/12436778>.Acesso em:26.dez.2019.

No começo de novembro de 1974, Dylan e The Band gravaram o álbum Planet Waves, que foi lançado em janeiro do ano seguinte. Destacamos as canções “Forever Young” e “Going Going Gone”:

O tema do álbum são as muitas faces do amor – esposas, filhos, diversos protótipos femininos. [...] Planet Waves marcou a volta da expressão pungente e aforística, melodias com formas livres, envolvimento pessoal. Se considerado parte de uma trilogia com os álbuns seguintes, Blood on the tracks e Desire, o disco marcou um novo período estilístico. (SHELTON, 2011, p. 596)

Figura 15: capa do álbum Planet Waves

A turnê também resultou em um álbum duplo, Before the Flood, que foi gravado entre shows realizados em Nova York, Seatle, Oakland e Los Angeles (SHELTON, 2011, p. 599). Essas gravações ao vivo trouxeram arranjos com algumas introduções em ritmo mais rápido e mudanças no ritmo de certas palavras. Shelton (2011, p. 599) comenta que “Dylan parecia usar uma voz negra de soul, àspera, mas novo alcance vocal e fraseado. “Mr. Jones” é transformado em “Mr. Jo-hones”. Em “Just Like a Woman”, “knows” é transformada em “no-

hose”.

Figura 16: capa do álbum Before the Flood

Disponível em: < https://www.bobdylan.com/albums/before-the-flood/>.Acesso em:26.dez.2019.

Em 1975, Bob Dylan lançou o álbum Blood on the Tracks, que foi muito bem recebido pela crítica. Algumas imagens que estão presentes nas letras, tais como sangue, dor e tempestade, além da figura da chuva, são tratadas nas canções do álbum de diferentes maneiras (SHELTON, 2011, p. 603). Destacamos as canções “Tangled Up in Blue”, “Idiot Wind”, “Shelter from the Storm”, “Buckets of Rain”, que estão entre as mais conhecidas de Dylan. O álbum, lançado antes da grandiosa turnê Rolling Thunder Revue, foi considerado por muitos como um dos melhores álbuns de sua carreira. Para Shelton (2011, p. 603), o álbum foi uma “brilhante catarse”. A poética de Bob Dylan é povoada com temáticas políticas e sociais, elementos místicos e religiosos, mas esse é um trabalho em que dores e sofrimentos pessoais (como a crise do casamento com Sara, que estava chegando ao fim) perpassam as fronteiras do eu-lírico e expõem os conflitos interiores do artista. O próprio título do álbum (Blood on

dor e sofrimento.

Figura 17: capa do álbum Blood on the Tracks

Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Blood_on_the_Tracks.jpg>.Acesso em:26.dez.2019.