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1.3. Witz: a forma do pensamento crítico

1.3.5. Caos: Sistema e Witz

Segundo Menninghaus, a estrutura parabática da obra se ligaria à concepção romântica de caos. A rima, as simetrias e os diferentes mecanismos de construção do paralelismo não seriam ligados à continuidade, mas, sim, à ruptura, à “antiforma parabática” (parekbatischer Antiform) do caos: “que é a própria reflexão, que por todo lado dotada de saltos e rompimentos, com caos e a antiforma parabática”122 (MENNINGHAUS, 1987, p. 204). Menninghaus identifica dois significados no conceito de caos: primeiramente, o caos se liga ao conceito romântico de arabesco e confusão, à “bela confusão” (schöne Verwierung) ou à “adorável desordem” (reizende Unordunung) romântica. Este caos marca a ruptura com a estética classicista da ordem e com os parâmetros clássicos de beleza, sendo o caos, neste sentido, um artifício estético da poesia romântica:

120 Und das gilt allgemein für jede Form des Parallelismus: Parallelen sind, was sie sind erst kraft des

parekbatischen Sprung zwischen ihnen.

121 Der komische Witz ist eine Mischung des epischen und des jambischen. Aristophanes ist zugleich

Homer und Archilochus. (SCHLEGEL, 1967, p.190).

122 welche die Reflexions selbst ist, überall versetzt mit Sprüngen und Brüchen, mit Chaos und

Fórmulas deste tipo significam uma estetização, típica da época, do caos já domesticado (“ordenado artificialmente”) e lembram mais a desordem “romântica” de um Boudoirs galante ou o Witz desregrado da sociabilidade romântica do que um poder imemorial do caos arcaico – apresentação – por mais que elas marquem também ao diferenciarem-se da ordem “clássica”, o aspecto do sair-de-si, de uma ruptura com o sistema fechado.123

(idem, p. 204)

O segundo significado do conceito de caos se ligaria à mística romântica, dentro da qual o caos seria tomado como o princípio do mundo, ou seja, caos, nesta concepção mística, seria interpretado como energia criadora e positiva. Menninghaus descreve esta concepção de caos como a energia que funda o mundo: “Um segundo e mais fundamental significado de caos se liga às tradições místicas e da filosofia da natureza, segundo as quais o mundo surge do caos e, com isso, vêem o mundo fundado no caos”124 (idem, p. 204).

O mito do caos criativo, do caos como predecessor da ordem, encontra eco no pensamento escatológico. Mircea Eliade (1972, p. 63) afirma que somente após o caos destruir toda a ordem social, política e moral é que a ordem perfeita poderá surgir. De acordo com o mito arcaico, ele é a destruição necessária ao renascimento. O caos romântico diz respeito à crença do caos como energia criadora, e assim participa do jogo da reflexão, cujo movimento é a dialética entre a afirmação e a negação; a leitura positiva e a dissolução da obra pela reflexão. O movimento dialético de criação e destruição do caos se relaciona com a noção de sistema assistemático: “Daí provém também a oposição romântica contra a unidade e o fechamento do sistema”125 (idem, p. 205). O oscilar entre organização e desorganização equivale o conceito de poesia ao de caos126.

123 Formeln dieser Art meinen eine zeittypische Ästhetisierung des bereits gebändigten („künstlich

geordnete“) Chaos und erinnern mehr an die „romantische“ Unordnung eines galantes Boudoirs oder an den ungeregelten „Witz“ romantischer Geselligkeit als an den unvordenkliche Macht archaischer Chaos – Vorstellung – so sehr sie auch in der Differenz zu „klassischer“ Ordnung das Moment des Aus- sich-Herausgehens, des Aufbrechens geschlossener Systematik markieren.

124

Eine zweite fundamentalere Bedeutung von Chaos schliesst aber durchaus an die mystischen und naturphilosophischen Traditionen an, die aus den Chaos die Welt hervorgehen lassen und damit die Welt im Chaos begründet sehen.

125 Daher denn auch die romantische Opposition gegen die Einheit und die Geschlossenheit des Systems. 126

Menninghaus define “a comparação poesia = caos” (der Gleichung Poesie=Chaos) como sendo “confusão ordenada artificialmente,,. É um sistema assistemático, o caos formado – todas estas formas marcam fortemente a predominância produtiva das formas de reflexão sobre aquele caos memorial, que como „antiforma“ garantidora de „plenitude“, é por si mesma o efeito da forma.” (Künstlische geordenete Verwierung, ist ein System gebrachte Systemlosigkeit, gebildetes Chaos – aller dieser Form markieren

Para Menninghaus, os primeiros românticos pensam em um sistema aberto, no qual a ordem conviveria com o caos e a ruptura. O autoconhecimento ocorreria na oscilação de um “permanente transcender de ‘si’” (permanentes Transzendieren des ‘Selbst’) (idem, p. 208). Há sempre uma correspondência entre interno e externo, contração e expansão, microcosmo e macrocosmo. O momento do conhecimento oscila entre dois pólos: entre aquilo que é mais objetivo e o que é mais subjetivo. Deste modo o conhecimento empírico do mundo engendra o conhecimento do eu, pois, ao se projetar no mundo, a reflexão romântica leva a subjetividade para o exterior, de modo a fazer do sujeito um ser-no-mundo, e o conhecimento subjetivo se torna, neste movimento de expansão do sujeito, um conhecimento do mundo.

O conceito de “mundo” não é tão abstrato, porque a parabase permanente da auto-reflexão leva somente aos mais tênues estados de espírito fundamentais do “ser-no-mundo”. Ao contrário: a concretização daquilo que em cada um se chama “mundo” não tem fronteiras.127 (idem, p. 208)

Esta supressão da fronteira entre mundo externo e sujeito, realizada por meio da expansão do eu no mundo, faz com que o conhecimento do objeto seja, ao mesmo tempo, um conhecimento do sujeito. O modelo de conhecimento subjetivo torna-se um modelo teórico para o conhecimento empírico:

A abstração não é a abstração de um objeto, e sim de uma aproximação teórica: pois se trata de um movimento de pensamento que parte da empiria, justamente da fundamentação geral e especulativa dos fenômenos da auto-referência na teoria primeiro romântica128 (idem, p. 208)

Scharf die Produzierende Dominanz der Reflexionsformen über jenes unvordenklichen Chaos, das als „Fülle“ garantierende „Antiform doch selbst bereits Effekt der Form ist) (MENNINGHAUS, 1987, p. 208)

127 Der Begriff “Welt” ist nicht deshalb so abstrakt, weil die permanente Parekbase der Selbstreflexion

nur auf die blasseste Grundbefindlichkeiten des „In-der-Welt-Seins“ fuhrt. In Gegenteil: der Konkretion dessen, was in einzelnen „Welt“ heisst, sind keine Grenzen gesetzt.

128 Die Abstraktheit ist nicht eine des Gegenstandes, sondern eine theoretische Zugriffs: denn es geht um

eine gedankliche Bewegung aus der Empirie heraus, eben der allgemeine und spekulative Grundlegung der Phänomene von Selbstbezüglichkeit in frühromantischer Theorie.

Desta forma, no retorno para o eu, o movimento do pensamento reflexivo coincide com o pensamento empírico129. Assim, o sistema auto-referencial se mantém sempre aberto para o mundo.

O fragmento, a ruptura parabática e o caos marcam não somente a incompletude da unidade, a différance original, mas também remete à utopia da totalidade, assim, segundo Menninghaus essas partes fragmentárias integram-se em um projeto de completude messiânica, tornando-se assim, ela mesma, o momento de consciência da utopia. Este seria o nível transcendente da reflexão: “Pois no plano da filosofia da história, o problema da realização da reflexão absoluta não é tanto resolvido de modo transcendente, quanto repetido como imanente”130 (idem, p. 217). Esta seria a ambivalência romântica, que se abre para uma completude a ser realizada por um lado e que, por outro, afirma a incompletude da poesia no presente:

Está em surpreendente analogia com aquela duplicidade, que resulta espontaneamente da análise da constituição auto- reflexiva das obras: por um lado um abrir permanentemente, romper barreiras e, por outro, um fechar-se sobre si e completar- se elipticamente131 (idem, p. 217)

Como indica Menninghaus, Benjamin chamará a atenção sobre a descontinuidade parabática, tornando os momentos de rupturas mais visíveis do que o continuum.

Já o próprio Benjamin notara saltos na estrutura das relações da reflexão, e [...] o quanto a reflexão, como “ação da ruptura”, é parabaticamente (extaticamente) ela mesma feita de descontinuidades.132

( idem, p. 221-222)

Esta ruptura parabática que ocorre na reflexão é o momento estático no qual o todo pode ser iluminado de modo fugaz como um raio (Blitz). O salto gnosiológico indicado por Benjamin não remeteria a uma totalidade, mas, de um modo anacrônico,

129 Erst in zweiter Reflexion führt diese Gedankenbewegung wieder in die Empirie hinein. Somente na

reflexão de segundo grau este pensamento é conduzido para o interior da empiria. (MENNINGHAUS, 1987, p. 208).

130 Denn das Problem der Erfüllung absoluter Reflexion wird auf geschichtsphilosophischer Ebene nicht

sowohl transzendent gelöst als immanent wiederholt.

131

steht in frappierender Analogie zu jener Doppelheit, die sich aus der Analyse der sebstreflexiven Konstitution der Werke von selbst ergibt: einerseits permanent zu öffnen, zu durchbrechen, anderseits sich in sich abzuschliessen und elliptisch zu „vollenden“.

132 Schon Benjamin selbst bemerkte Sprünge im Reflexionszusammenhang, und [...] wie sehr die Reflexion

retornaria ao indivíduo. Tal como demonstra Menninghaus, é o momento em que o Witz se funde ao Blitz (raio, iluminação). A totalidade está sempre ausente, mas a cada momento a fusão Blitz/Witz pode relampejar o conhecimento que levaria à liberdade.

Schlegel marca a relação do todo com as partes no fragmento 14 da revista

Lyceum, onde diz que “também na poesia cada todo pode ser metade, e cada metade

pode no entanto ser propriamente todo”133 (SCHLEGEL, 1997, p. 22) Assim Schlegel demonstra a relação do fragmento com a totalidade fragmentária romântica, que mantém, na totalidade, a independência do fragmento, sem nunca diluí-lo.