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1.3. Witz: a forma do pensamento crítico

1.3.2. A teoria dos pares lexicais

Manfred Frank68

(1989) analisa a metáfora romântica do coração gelado e dos conceitos que surgem em pares opositivos. O romantismo é fértil em ideias que se apresentam como pares de opostos semânticos, formando um léxico de polaridades, que “prevalece nas oposições coração e rocha, morno e frio, vida e morte, olho e vidro, mecanismo e organismo, ouro e dinheiro, minério e aparência”69 (FRANK, 1989, p. 11).

O principal neste esquema pensado por Frank seria a permuta que acontece entre os

67 Denn gerade das unterscheidet Schlegels Fragmente von den meistem späteren

Aphorismensammlungen, dass die einzelnen Fragmente zwar oft besonders scharf und epigrammatisch pointiert sind, dass sie sich aber auch besonders innig auf einender beziehen, so dass Schlegel mit bewusster Paradoxie geradezu von einen „System vom Fragmenten“ spricht .

68 Obra sem tradução em português. Todas as traduções são de nossa autoria

69 Es überwiegen die Opposita Herz und Stein, Warm und Kalt, Leben und Tod, Auge und Glas,

elementos binários: “A figura da permuta constante, porém, é que permeia entre eles” 70

(idem, p. 11).

A permuta dos pares de opostos é ligada à figura da metonímia. No binômio romântico do coração gelado, por exemplo, coração está para vida, quente, orgânico; e gelado para morte, inorgânico, frio. Essa construção desdobra as potencialidades dos sinônimos, construindo paralelos em níveis mais profundos do significado, em que um termo é expresso por predicativo e outro por figuração.

Assim, encontramos que a estrutura profunda da metáfora pedra- coração é marcada pela oposição das expressões, que descreve um movimento expansivo ou contrativo, assim como a determinação predicativa corresponde do outro lado a expressão figurativa ‘coração’.71 (idem, p. 20).

Cremos que o binômio Witz e Blitz, saber e relâmpago, possa ser incluído nesta fórmula de contraste predicativo/figurativo, na qual o saber/Witz se relaciona à ação, e o relâmpago/Blitz, ao modo de aparição deste conteúdo. Esta oposição de ideias não ocorre de um modo evidente (como “coração” é claramente oposto ao “gelado”), mas, a partir de uma metáfora mais elaborada, na qual Witz-wissen representa a permanência, e Blitz, o fugaz.

A criação de binômios e de pares opositivos surgirá também mais adiante, quando tratarmos do surrealismo, no segundo capítulo. Por ora, basta concentrarmo-nos nas características românticas desta duplicação de conceitos.

Schlegel marca a duplicidade existente no Witz, quando afirma, no fragmento 37 da Athenäum, que “Alguns achados chistosos são como o surpreendente reencontro de dois pensamentos amigos após uma longa separação”72

(SCHLEGEL, 1997, p.53). Este fragmento deixa claro a capacidade combinatória do Witz em unir pensamentos opostos.

70 Konstant aber ist die Figur des Tauschs, die zwischen ihnen vermittelt. 71

Nun haben wie gefunden, dass die Tiefenstruktur der Stein-Herz-Metafer geprägt ist durch den Gegensatz von Ausdrücken, die eine expansive bzw. eine kontraktive Bewegung beschreiben, sowie deren prädikative Zusprechung zu dem seinerseits figürlichen Ausdruck ‚Herz’.

72 Manche Witzige Einfälle sind wie das überraschende Wiedersehen zwei befreundeter Gedanken nach

Conforme assinala Frank, a relação binária dos pares de opostos não seria somente uma relação aparente, mas se ligaria a uma ruptura na estrutura interna do texto dada pelos pares de opostos: “nenhuma metáfora pode contudo negligenciar o rompimento em sua estrutura profunda”73

(FRANK, 1989, p. 20). Esse rompimento da própria estrutura do texto, o Witz, é apresentado no fragmento 32 da revista Athenäum, como uma necessidade da própria configuração da obra, e não como um produto do desejo do autor: “deve-se ter Witz, sem o querer ter; se não surge zombaria, estilo alexandrino no Witz.74 (SCHLEGEL, 1997, p. 52). Também no fragmento 426, Schlegel

ressalta uma “natureza” das obras, que brilhariam por si, independente do capricho do autor: “A natureza química do romance, da crítica, do Witz, da sociabilidade, da retórica mais recente e da história até hoje, é por si mesma evidente.”75 (SCHLEGEL, 1997, p.

135). A estrutura profunda do texto romântico reflete uma visão de mundo específica: “Aqui se tem um emocionante contato do paradigma metafórico com o paradigma sintático de uma nova visão do mundo”76 (FRANK, 1989, p. 20). O uso das metáforas

dos pares opositivos refletiriam uma visão de mundo igualmente contraditória e cindida. O fragmento 90 da revista Lyceum diz que “Witz é uma explosão do espírito estabilizado”77 (SCHLEGEL, 1997, p. 34). A antiga estabilidade foi abalada e

substituída por uma nova visão de mundo. A ausência da ordem, o caos e a incompletude se instauram tanto na vida quanto na literatura. A literatura romântica introduz a ideia do fragmento como reflexo de um mundo em ruínas, e o Witz, como ressalta Schlegel nos no fragmento 9 da revista Lyceum, seria a representação do fragmento mesmo: “Witz é espírito social incondicionado, ou genialidade fragmentária”78

(SCHLEGEL, 1997, p. 22). De acordo com Lacoue-Labarthe e Nancy (2004) o Witz “fornece a essência do fragmento”, sendo a genialidade da produção poética romântica, que reflete um mundo fragmentado. O Witz, segundo os autores, deve “ser entendido como genialidade do fragmento, genialidade poética da produção no instante, na luminosidade do relâmpago, da forma acabada do Sistema no seio do

73 keine Metapher vermag indes die Zerstörung ihrer semantischen Tiefenstruktur zu übersehen. 74

Man soll Witz haben, aber nicht haben wollen; sonst entsteht Witzelei, Alexandrinischer Styl in Witz. (SCHLEGEL, 1967, p. 170)

75 Die chemische Natur des Romans, der Kritik, des Witzes, der Geselligkeit, der neuesten Rhetorik und

der bisherigen Historie leuchtet von selbst ein. (SCHLEGEL, 1967, p. 135)

76

Hier gibt es spannungsvolle Berührungen des Metaphorischen Paradigmas mit der Syntaktik einer neuen Vision der Welt.

77 Witz ist eine Explosion von gebundenem Geist. (SCHLEGEL, 1967, p.158). Na tradução de Stirnimann:

Espirituosidade é uma explosão de espírito agrilhoado (SCHLEGEL, 1994, p.89)

78

inacabamento do Caos.” O sistema dos fragmentos é uma totalidade, mas esta totalidade não subjuga os fragmentos, anulando-os em nome de uma ordem maior. Como partes de um sistema, cada fragmento mantém sua autonomina e independência que remete a um todo que não pode ser tomado por totalizante. Do mesmo modo, os elementos dos pares opositivos se completam sem se anularem um ao outro.